domingo, 19 de novembro de 2006

NA ALDEIA APIWTXA

Rose Pacheco

Após cinco longos dias de espera em Cruzeiro do Sul, finalmente embarco para Marechal Thaumaturgo, com escala na pista de Porto Walter, para o embarque de um passageiro. Ele traz uma cachorrinha e exige sentar na poltrona da frente do avião monomotor, que transporta apenas seis passageiros. Além da pequena exigência, o passageiro pede que o piloto faça um sobrevôo no Rio Juruá para que possa ver onde está encalhada a balsa dele, carregada de mercadorias.

O desembarque em Thaumaturgo é fantástico. É preciso andar mais de um quilômetro com as bagagens nas costas ou pagar crianças para transportá-las. Na travessia do Rio Amônia, o coitado de um passageiro cai da canoa com uma bolsa a tiracolo. Ao subir as escadarias da cidade, percebe-se o movimento na avenida principal da cidade, onde estão a prefeitura, o hospital etc.

A população fica em pé, conversando e observando os barcos que chegam e partem. Logo, sigo de barco para a aldeia Apiwtxa numa viagem com mais de três horas de duração, apreciando a floresta. Ouço apenas o barulho do motor do barco e, diante da calmaria e beleza deslumbrantes, não consigo evitar a emoção.

Embora seja acreana, é a minha primeira experiência em plena floresta, na companhia dos ashaninka, um povo maravilhoso. Enquanto subimos o rio, o barulho do motor atrai a atenção das comunidades ribeirinhas. As pessoas ocupam as janelas das casas e os barrancos. Acenanam, sorriem ou simplesmente nos contemplam em silêncio.

Ao chegar na aldeia, ainda no barranco, os olhares curiosos das mulheres e das crianças. Mano, filho do Francisco Piyãco, me ajuda a subir e tenho a primeira vista da aldeia, que é linda e organizada. Estar aqui é completamente diferente de ler a respeito ou de assistir em vídeo. As pessoas me falavam, mas eu não tinha noção.

Nada como o convívio e a experiência. Quantas vezes ouvi gente dizendo que "índio é preguiçoso", que "índio que ser índio porque está na moda". Chega de preconceito e de etnocentrismo. Temos que respeitar a cultura alheia. Quem dera cada pessoa pudesse conviver mesmo que brevemente com alguma de nossas etnias.

Os ashaninka são muito organizados e articulados. A paixão deles pela floresta deixa qualquer pessoa encantanda. A aldeia dispõe de telefone público, acesso à internet e de uma pousada para os visitantes. Fico na casa do professor Isaac. As casas são suspensas por barrotes, com chão de paxiubão, cobertas de palhas. A cozinha é imensa e funciona separada, segundo me disseram, para não misturar com a dormida.

Os homens estão caçando e pescando e aproveito para acompanhar a rotina das mulheres, que vão ao roçado buscar frutas e macaxeira. Quando a tarde cai, visitam as casas umas das outras, seguem para o banho e logo se recolhem em suas casas, debaixo de seus cortinados.

As refeições são feitas com a família toda reunida. As panelas com a comida são postas no chão e todos sentam em volta. Comem com as mãos, exceto quando há algo cozido. Após o jantar, todos sentam ou deitam no chão. O chefe da casa então começa a repassar suas histórias, ensinamentos, mitos. Os filhos ouvem o pai muito atentos.

Tem o kamarãpi, que é quando tomam a ayahuasca com o pajé. É um momento sagrado para eles. Não vi mulheres, mas algumas tomam.

No meio daquele silêncio, Benki canta lindas canções da floresta. Não participei da piarenstsi, a festa da caiçuma, mas vi o preparo e provei da bebida.


Bom, é emocionante demais estar na aldeia Apiwtxa dos ashaninka do Rio Amônia. Mais não posso contar sob pena de perder o encanto.


Rose Pacheco é estudante de ciências sociais e visitou os ashaninka para realizar Trabalho de Conclusão de Curso.







9 comentários:

Anônimo disse...

Oi Rose, li esta sua reportagem maravilhosa. Ano que vem estarei algumas semanas no Acre e pretendo até visitar uma aldeia dessa.
Você acha possível?
Gostaria de entrar em contato com você.
Meu e-mail é: giampaolocoruzzi@virgilio.it
Obrigado.

Anônimo disse...

Parabéns, Rose! Adorei as fotos, que me deram muitas saudades das pessoas maravilhosas da Apiwtxa e também do Acre. bjs,
eliane

Anônimo disse...

Olá, querida!!!
Adorei seu tema de pesquisa e sua disposição junto à esse povo que faz parte de nossa gente!

Parabéns e muito suceso pra voce!!
Bjão

Anônimo disse...

Nossa! Sem comentários Rose. Muito bom. De primeira qualidade sua reportagem.
Deve ter sido uma experiência de vida única, estou certo?!
Estou muito orgulhoso. Continue sempre assim. Determinada e perseverante no que faz.
Um grande Abraço!

Assis Junior

Anônimo disse...

Querida Rose. � com uma imensa inveja,que a parabenizo. Que fotos lindas ! Não conhe�o in loco seus habitantes, os verdadeiros donos terra. Nutro por eles
uma imensa admira�ão e respeito. Espero
com muita ansiedade, por um Brasil mais �ndio do que indigente. Verdadeiramente
puro, em todos os sentidos da palavra.
Bom trabalho na terra dos Apiwtxa !

Te abra�

Anônimo disse...

Que linda reportagem, que fotos bonitas! Parabéns! nn

Anônimo disse...

Querida Rose:

Leitor tardio deste post (ai meu Deus me rendi ao "bloguês"!), gostaria de registrar meu encanto e felicidade ao ver relatado - com todo o ar etnográfico necessário à esta pequena epopéia juruaense - a viagem que fizeste à APIWTXA, Terra do Povo Ashaninka (e que eu acompanhei desde o nascimento da idéia).

Costumo dizer que uma noite passada numa aldeia indígena faz muita diferença (entre o antes e o após), mas um tempo mais longo - digamos, 1 ano (pra se sobrepor à um calendário agrícola) - muda completamente a vida de um sujeito.

Lévi-Strauss (antropólogo francês) nos remete ao sentimento de desterritorialização que o fazer etnográfico causa no antropólogo (sendo de uma região e passando a conviver (viver com..) em outra, ele passa a fazer parte um pouco "daqui" (o próximo) e um pouco "de lá" (o distante). Ou seja, não faz parte de lugar nenhum. Por isso este eterno sentimento de estranhamento pelo qual passam os antropólogos que se dedicam a morar durante meses ou anos em Terras Indígenas.

O filósofo francês Feliz Guatarri, completa o raciocínio de Lévi-Strauss abordando o seu contrário: a "territorialização do afeto", ou seja, o "mapa" de nossa memória afetiva que é desenhado pelos lugares pelos quais passamos. Um exemplo: quem nasceu no interior de São Paulo, estudou em São Paulo, e veio para o Acre trabalhar, deixou marcas afetivas por estes lugares e cada um deles significa algo sentimentalmente relevante em sua existência.

Estes dois processos: a desterritorialização cultural e a territorizaliação do afeto, opostos e complemetares, estiveram, a meu ver, presentes nesta viagem e a fará crescer, Rose, como profissonal e como pessoa ("A palavra pessoa hoje não soa bem" - Belchior).

Da próxima vez, espero que o sentimento de "estar em outro lugar" possa se estender no tempo. Assim você sentirá o que nosso querido Roberto Da Matta chama de "Antropological Blues", o sentimento que se abate sobre o etnógrafo quando, após tempo de convivência estreita com o povo que estuda, ele se pergunta: "Quem sou eu? O que estou fazendo aqui?".

(Não posso conter o sorriso que se esboça em meus lábios quando faço estas perguntas...)

Beijo, abraços, saudades e comprimentos pelo "ritual de passagem".

Alexandre Goulart de Andrade

Anônimo disse...

Olá querida,

realmente sua reportagem retrata com muita propriedade o que vc vivenciou durante a semana em que passou lá....tb estou muito orgulhosa de vc, que deus continue te abençoando mais para que possas voltar e nos relatar mais coisas gostosas sobre esse povo tão maravilhoso que são os ashaninkas! bjs Nair e João Vitor

Unknown disse...

Olá! Estou em Cruzeiro do Sul, fico aqui até início de dezembro, gostaria muito de conhecer os ashaninkas vc acha que é possível? jeffreytarantula@hotmail.com
Bjosss