sábado, 30 de setembro de 2006

RÉQUIEM PRA DUAS CIDADES

Mário Lima

Hoje, pela manhã, acompanhei-me do meu filho Felipe para uma passada pela livraria Duas Cidades, ali onde a rua Aurora desemboca na rua Bento Freitas, no centro velho de São Paulo. Distraído, conversando com meu filho, somente depois de adentrar a loja, levantei a cabeça e senti a estranha sensação de me encontrar perdido. Cheguei a pensar ter entrado em porta errada, não fora ter reconhecido a senhora que avançou para nos recepcionar.

As primeiras prateleiras, em vidro, onde normalmente encontravam-se os lançamentos ou alguma obra em destaque, estavam vazias. Sobre o conjunto de mesas circundando uma coluna no centro do hall de entrada da livraria estavam apenas alguns livros. Nas duas paredes formando um corredor para o salão maior nos fundos, as prateleiras estavam praticamente vazias. O salão na parte dos fundos da loja é pura desolação: prateleiras vazias e caixas empilhadas.

A figura sempre simpática e solícita da dona da livraria recebeu-me, como sempre com um sorriso a iluminar-lhe o rosto, mas sua expressão era de um certo constrangimento. Falava quase como a pedir desculpas. Não pude conter a pergunta: “O que está acontecendo? Estão fechando mais uma?” Ela confirmou, “Sim, estamos fechando a loja. Já não dá para arcar com os custos do aluguel e do condomínio”.

Conhecia a Livraria Duas Cidades desde o início da década de setenta. Ali garimpei clássicos das ciências do homem, raridades da Filosofia, da Economia Política, da História, da Literatura. Uma das últimas compras que fiz ali foram dois livros sobre Artes Plásticas para Felipe: um belíssimo livro com trabalhos de Juarez Machado, um dos mais notáveis pintores brasileiros da atualidade e um livro de David Hockney, onde ele desenvolve teses sobre as técnicas usadas pelos clássicos da pintura apoiadas nos resultados dos desenvolvimentos no campo da ótica e da tecnologia ótica.

Como a nos reconfortar, a senhora informa que ainda poderemos recorrer, em algum momento, a um dos mais importantes e amplos dos catálogos editoriais do país. A empresa preservará a atividade editorial, manterá o selo Duas Cidades. Menos mal. Segundo me foi informado, além de manter a base de distribuição, uma das mais amplas e antigas em operação no país, formará uma estrutura de vendas pela Internet. Perdemos, entretanto, mais um espaço onde podíamos folhear livros antes de nos decidirmos pela compra. E a Duas Cidades nos oferecia a oportunidade de uma cadeira para lermos com mais cuidado e decidirmos com cautela.

Tristes momentos esses vividos em nosso país, onde se fecham livrarias e compram-se ambulâncias. E cada vez mais nossos jovens estudam ‘resumos’ publicados em apostilas e cópias de uma ou outra página ou, no máximo, um ou outro capítulo de livros. Pena.

O acreano Mário Lima é professor de economia da PUC de São Paulo

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