MEU PÉ DE APURUÍ

Foi em março de 1993, durante uma reportagem no Parque Nacional da Serra do Divisor, na companhia de Marcos Afonso, Nicomedes Lima e Edison Caetano, que coletei alguns frutos de apuruí. Quando voltei pra casa, comi com a família as bagas de cor parda, que usamos também para preparar suco de sabor inesquecível.

Dona Maria, minha mãe, se encarregou de semear no quintal aquelas que eram as sementes de uma das frutas preferidas dela durante a infância nas florestas do Juruá.

- Seu avô costumava passar o dia dentro do mato. Quando chegava em casa, no finalzinho da tarde, às vezes trazia o caçuá cheio de apuruí. Para nos enganar, distribuia os frutos dizendo que eram jenipapos e todos comíamos felizes - relembrou hoje minha mãe.

No ano passado, o pesquisador Evandro Ferreira escreveu no blog Ambiente Acreano sobre o apuruí campestre e as clareiras naturais que se formam dentro da floresta amazônica.

- O lugar é tão limpo que parece que alguem capinou o chão para deixar apenas as folhas secas. Só existe uma única espécie de planta habitando o local: o "apuruí campestre" ou apenas "campestre". Botanicamente ela pertence à mesma família do café, as Rubiaceae. Seu nome científico é Duroia hirsuta.

Na foto ao lado, tirada pelo Edison, estamos eu (sentado no chão de paxiúba), Marcos (agachado) e Lima (em pé, ao lado de Marcos). Paramos para descansar da viagem na casa de um ribeirinho. A diversão foi apostar quem suportava tomar mais da garrafa de cachaça, que parece mamadeira na boca do barqueiro Chicão. Aquela viagem à Serra do Divisor foi marcada por aventuras inesquecíveis durante quase duas semanas. Fizemos a primeira reportagem sobre a bela região do Acre, quando anunciamos a constatação dos cientistas: ali está concentrada a maior biodiversidade do Planeta.

Bem, os seringueiros contam que as clareiras que se formam dentro da mata bruta são mantidas limpas pelas almas de caçadores mortos cujos corpos nunca foram encontrados.

Apesar disso, um artigo publicado na revista científica Nature sustentou a tese de que o "apuruí campestre" libera uma substância alelopática ao deixar cair suas folhas no solo, que mata outras plantas e impede a germinação de sementes que caem na clareira.

- A favor da teoria pesam vários casos em que sementes de algumas espécies de plantas nunca germinam (ou germinam muito pouco) embaixo da planta mãe. Sempre germinam melhor bem longe. É uma estratégia de sobrevivência e disseminação da espécie - acrescentou Ferreira.

O meu pé de apuruí, que também é da família das rubiáceas, está com uns três metros de altura, carregado de frutos que me deixam com água na boca todas as vezes que fico a contemplá-lo.

Quando os frutos amadurecem, o miolo amolece e ganha a aparência de doce de leite. Batido no liquidificador, com açucar e gelo, a sua acidez se transforma num espumante alvo de sabor indescritível.

Dulcílio, que já foi o último morador no alto Juruá, na fronteira com o Peru, me contou que dentro da floresta existem todas as frutas da terra, tendo encontrado até uva e maçã. Eu não duvido dele.

Alguém quer suco de apuruí?