sexta-feira, 25 de agosto de 2006

ACIMA DE SUSPEITAS

Elson Martins

Outro dia apareceu na televisão, no horário gratuito do Tribunal Regional Eleitoral, um sujeito que falou de tempos difíceis para os seringueiros, ribeirinhos, agricultores e índios. Disse que as famílias desse povo viviam ameaçadas nas décadas de setenta e oitenta, por estranhos que chegavam para acabar com a floresta.

Ele se dirigiu aos jovens na condição de candidato a deputado estadual pelo PT. Sua expressão era dura como madeira de lei; o olhar, limpo; a voz expressava dor, coragem e alerta. Temo que esse conjunto tenha se perdido no meio de outras aparições que no mesmo programa provocam mais chacota que reflexão.

Fico imaginando quantos jovens com menos de 30 anos sabem do que ele estava falando! Quem está com 16 e vai votar pela primeira vez, nem tinha nascido quando Wilson Pinheiro (1980) e Chico Mendes (1988), duas lideranças expressivas daqueles tempos cinzentos foram assassinados por jagunços a mando de fazendeiros e grileiros de terras.

Também os da faixa etária de 20 a 30 anos conhecem pouco dessa história recente, exceção para os que se tornaram militantes políticos desde cedo, os que freqüentam a universidade e os que tiveram membros familiares envolvidos nela.

Eu fui amigo de Wilson Pinheiro, Chico Mendes e de outras pessoas que fizeram (e fazem) movimento contra a rondonização do Acre. À época, a luta avançou com a criação do PT, da Federação dos Trabalhadores Rurais, das ONGs (entidades não-governamentais) e organizações populares que ajudam a defender o Acre das agressões ao ambiente e às populações tradicionais .

Em 1978, nosso atual personagem que é primo de Chico Mendes apareceu na redação do Varadouro oferecendo-se para colaborar com o jornal, cujo primeiro número circulou em maio daquele ano enfrentando os poderosos da época. Não era fácil defender seringueiros, agricultores, ribeirinhos e grupos indígenas quando as elites só falavam em comprar terras, derrubar a mata e plantar capim.

Na capital e nas sedes municipais as elites alardeavam o “progresso” que chegara ao Acre com o aval do governo federal. Empresários, advogados, membros da justiça, políticos da Arena e do PMDB, funcionários públicos graduados, policiais e donos de jornal – se revelavam eufóricos com a possibilidade de enriquecer com recursos públicos. Havia muito dinheiro disponível e nenhuma preocupação com o meio ambiente, nem as famílias que ocupavam historicamente a região.

Surpreendentemente, foram elas – e não os doutores, a classe considerada culta do estado - quem reagiu e organizou os empates ao “governo dos bois” planejado por Francisco Wanderley Dantas no começo dos anos setenta. O plano era federal e respaldado por uma ditadura militar, mesmo assim se insurgiram contra ele os seringueiros subletrados, os índios despojados de suas terras e os posseiros que chegavam escorraçados de outras regiões do país procurando sobreviver.

Organizados em sindicatos ele disseram “basta” à “revoada de jacus” ganhando adesões nas cidades. Na segunda metade dos anos oitenta já se estabelecia o equilíbrio de forças entre quem atacava e quem se defendia. Boa parte da Amazônia capitulou, mas o Acre se manteve de pé.

Essa “guerra” não acabou. Ela reaparece como pano de fundo nas disputas eleitorais criando obstáculos à construção da sociedade sustentável dos povos da floresta. Acontece retrocesso político, lenta qualificação das instituições públicas e tolerância estratégica com os “podres poderes”, mas os ganhos são maiores que tudo isso.

O mundo mudou, a ciência e a tecnologia deram saltos incríveis, os povos da floresta ocupam livremente o território que conquistaram com sangue e alma. Claro, os espertos procuram confundir os menos informados para desequilibrar a seu favor, por isso surgem as dificuldades para separar o joio do trigo, para identificar águas limpas que regam a semente de um mundo melhor.

É elogiável, portanto, que um homem com a dignidade de Raimundo Barros que há trinta anos defende com coragem, ética e amor o Acre e a Amazônia, reapareça no cenário político. Ele participou dos “empates” contra o desmatamento, tornou-se membro do Conselho Nacional dos Seringueiros e foi eleito vereador de Xapuri por dois mandatos.

Ah! Os adversários podem argüir que ele perdeu as eleições para a prefeitura de sua cidade em 2004 para um adversário no mínimo esquisito e historicamente suspeito. Não importa: foi por meia dúzia de votos! – e é quase certo que a vocação de Raimundo não é o executivo, mas o parlamento, com ou sem mandato.

Elson Martins é jornalista acreano

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