segunda-feira, 10 de julho de 2006

AGÊNCIA REPÓRTER SOCIAL

ALTINO MACHADO (jornalista acreano)

Jornalista do Acre fala sobre os desafios de exercer a profissão em um estado em que, segundo ele, o banditismo estava instalado no poder público até os anos 90

Fazer jornalismo no Acre foi uma aventura para Altino Machado. Nesta entrevista à Agência Repórter Social ele conta por que já teve a casa atingida por tiros e como foi ameaçado de morte pelo ex-deputado Hildebrando Paschoal – condenado a 37 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado (em casos que ficaram conhecidos pela utilização de moto-serra) e hoje no presídio Antônio Amaro, nos arredores de Rio Branco. O jornalista fala sobre as dificuldades no exercício da profissão num Estado em que, segundo ele, o banditismo estava instalado no poder público até os anos 90. Altino foi correspondente do Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, com reportagens sobre a Amazônia, desmatamentos, a vida dos seringueiros, a morte de Chico Mendes. Hoje ele trabalha na Secretaria de Comunicação do governo petista de Jorge Viana e mantém um blog, http://altino.blogspot.com/, que se tornou referência em notícias sobre o Acre. Confira a entrevista, feita em Rio Branco:

por ALCEU LUÍS CASTILHO

Agência Repórter Social – O jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto tornou-se conhecido nacionalmente pelo enfrentamento com donos do principal jornal do Estado e pela defesa acirrada da Amazônia. Que paralelos podem ser feitos entre o que ele diz em relação ao Pará (http://www.reportersocial.com.br/entrevista.asp?id=82) e sua experiência no Acre?

Altino Machado – O paralelo é que a Amazônia, embora tão diversa, permanece fora de foco das grandes corporações de mídia do País. A mídia brasileira a cada dia se distancia mais do acompanhamento necessário do que está acontecendo na Amazônia. Em particular, no Acre, a gente está passando um período no céu, já que um repórter já não é obrigado a engolir a folha de um jornal no qual escreveu alguma reportagem e contrariou alguém, como no caso de uma repórter que o Hildebrando Paschoal obrigou a engolir...

Repórter Social – Quando foi isso, e por qual motivo?

Altino Machado – Nos anos 90.

Repórter Social – Qual o nome da repórter?

Altino Machado – Kátia Chaves.

Repórter Social – Ela escreveu o quê?

Altino Machado – Uma reportagem que não me recordo o teor, mas desagradou ao coronel. Ele foi ao jornal e, como sempre fazia, entrou e perguntou ao dono quem tinha feito a reportagem. O dono disse: foi a repórter Kátia Chaves. Então ele a forçou a engolir a publicação.

Repórter Social – Ele mandou alguém fazer isso?

Altino Machado – Não. Fez pessoalmente.

Repórter Social – Qual era o jornal?

Altino Machado – A Gazeta. O maior jornal de Rio Branco. Passamos dessa fase de ameaça, tiro na fachada da casa, ameaça de morte, como sofri muitas vezes. Quando trabalhava no Jornal do Brasil, ou antes, no Estado de S. Paulo, fui tirado daqui várias vezes, por segurança.

Repórter Social – Por que tipo de matéria? Pode dar um exemplo?

Altino Machado – Ainda em relação ao Hildebrando Paschoal, fui o único repórter do Acre a entrevistá-lo quando ele distribuiu 5 mil cartazes pela cidade, oferecendo uma recompensa de R$ 50 mil, em 1996, para quem localizasse o assassino do irmão dele. Fiz, com base no relatório da Procuradoria da República, no Acre, sobre as barbáries que ele vinha cometendo, uma reportagem no Jornal do Brasil, foi publicada, e o jornal queria que eu o entrevistasse. Liguei para a casa dele, não estava, deixei um recado, e no dia seguinte ele ligou para mim: “Alô. Você tá querendo falar comigo?” Eu disse: sim, estou. “Então você venha aqui na minha casa”. E eu fui. Confesso que fui rezando de medo. Quando cheguei lá, entrei, a frente da casa dele só de cimento, havia duas cadeiras, os seguranças dele estavam todos em volta, os sete seguranças, distantes, encostados no muro. Duas cadeiras, e ele disse: “Senta aí”. Aí eu sentei. Quando sentei, ele, aquele homem alto, em pé, apontou bem o dedo no meu rosto e disse assim: “Você sabia que pode ser morto aqui, agora?” Eu respondi para ele: sim, coronel, eu sei. Não quero morrer não. (Ri). Mas não tenho medo de morrer não. Ele disse: “É. Você é muito atrevido. Já mexeu com governadores, com deputados.” Aí sentou e eu disse: olha, o senhor (dei uma enaltecida nele) é um caçador de bandidos, eu sou um contador de histórias, alguém precisa contar o que está acontecendo. Essa reportagem do Jornal do Brasil fui eu que escrevi, e o doutor Luiz Francisco (que era o procurador) pediu que eu entregasse este relatório. Aí ele começou a ler e disse: “Ah, eu pensei que era você que tinha escrito. Ah, quer dizer que é esse procurador filho da puta, corno, veado...” E foi passando as páginas. Eu disse: olha, eu vim aqui para ouvir a sua versão. Aí ele disse: “Não, você sabe como me defender”. Eu disse: não, a melhor pessoa para se defender do que faz é o senhor. Eu trouxe aqui um gravador e vamos fazer o seguinte: eu faço as perguntas, com base no que está aí, e o senhor responde. Aí ele caiu na armadilha, né? Eu disse: “Está bem. Então me dê o documento”. Eu estava tão nervoso, e não havia necessidade de ficar lendo o documento, mas por um cacoete, eu estava encostado na mureta, e ele me deu o documento. Fiquei com o documento na mão e fui fazendo as perguntas. Perguntei o que ele faria se encontrasse o assassino, o que achava dos justiceiros, se ele acreditava em Deus, que igreja ele freqüentava, fiz a entrevista toda nesse rumo. Com uma entrevista despretensiosa, mas que mostrou um cara que era evangélico, freqüentava a igreja batista do bosque, que se encontrasse o assassino entregaria à Justiça. Esse foi um momento muito dramático no Acre. Junto a isso, havia um governador que tinha quatro CPFs. Escrevi para o Jornal do Brasil. Quando revelei essa história, no dia seguinte tiros na fachada de minha casa. Depois escrevi sobre fraudes no vestibular, com filhos de políticos, da elite acreana envolvidos na compra de gabaritos, vestibular anulado. Juntou tudo isso, foi a última vez que saí do acre. Em 1996 fui para Brasília. Era uma situação mais complicada. Hoje a imprensa continua tendo as suas dificuldades em trabalhar, numa região no qual o governo é o maior cliente desses jornais, mas é um quadro muito diferente do de dez anos atrás.

Para ler a entrevista na íntegra, clique em Agência Repórter Social.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Altino,

Recebo diariamente o correio do "Repórter Social" e tive a grata surpresa de ver uma notícia do Acre e sua.

Mesmo de volta a São Paulo, não deixo de acompanhar o que acontece por aí, na terrinha. Boa e completa sua entrevista. Gostei da reportagem.

Abraço e continue com o blog que continuarei a lê-lo.

Em off - Durante o tempo que morei por aí não tive a oportunidade de conecê-lo, mas quando vier a São Paulo me avise e vamos bater um papo. Tenho planos para ajudar o Acre a se defender das injustiças e --quem sabe-- de futuros governantes aproveitadores... Nunca se sabe.

Anônimo disse...

Muito boa a entrevista com o jornalista Altino Machado, pois evidencia a coerência entre o cidadão e o profissional que mesmo prestando serviços ao Governo, não negocia princípios éticos Parabéns! Eymard Freire- Fort.Ceará.