segunda-feira, 15 de maio de 2006

MOTOSSERRA



Altino,

apesar do teu silêncio, continuo ligado no teu blog. Acho que só perco pra "Saramar", que tem cadeira cativa nas opiniões e foi a única a comentar a minha pobre letrinha. Obrigado, Saramar!

Aí está outra letra de música que escrevi. Vou convidar o Xangai para interpretá-la no CD "Uma constelação na Amazônia en canto", no qual grandes nomes da música do Brasil participarão e toda a renda será destinada aos pontões de cultura Náuas e Aquiri.

Motosserra

Motosserra é o brinquedo do rabudo
Quando está com um terrivel mau humor
Se mistura a umas dúzias de chifrudos
Sanguessugas, cabeças de cocô.

Seu barulho terrível e azucrinante
Espalhando a morte e todo mal
Faz tremer os primeiros habitantes
Da nossa verdejante catedral.

E a mata indefesa vira pasto
No lugar das florestas plantam bois
Seringueiro se sente ameaçado
E a questão fica sempre prá depois.

É por essas e outras que eu lhe falo
Do progresso trágico e grotesco
Que eu lhe digo na bucha e sem rodeio
Que pimenta no dos outros é refresco.

Motosserra é a cara da feiura
Jeringonça feita de aço e peçonha
Destruidora de floras da natura
Tirana,insaciável e medonha.

Motosserra filha insana do capeta
Dentadura motosserra da piranha
Motosserrando a vida do planeta
Motosserra demônio da Amazônia.

Eu nem quero saber quem inventou
Se o bundão na hora estava com diarréia
Se ele é filho de uma égua com um jumento
Se ela é made in Hong Kong ou da Korea.

Quem me dera eu pudesse interferir
Sobre a fúria cruel e animalesca
Desse vil bebedor de gasolina
Desse sanguinário bicho sem cabeça.

Corta o mogno, o ipê, a carnaúba
O angelim, o louro preto, a cerejeira
Nosso sonho de raiva se perturba
Vendo tudo ir pras terras estrangeiras.

E se a gente não ficar atento
Tudo isto pode virar um deserto
Sem as matas, os rios, os passarinhos
E o inferno se mudando aqui pra perto.

Sérgio Souto

NOTA: Caro Sérgio, se eu silenciasse, você não continuaria ligado no blog. Voltava pra casa, às 17h40, quando avistei o silencioso por-do-sol na floresta de nossa aldeia. O silêncio da imagem parece perfeito para que possamos ouvir o barulho terrível e azucrinante de sua "Motossera". Diante de sua poesia a gente silencia. Um abraço de seu parceiro bissexto. Em tempo: o compositor acreano Sérgio Souto, entre tantas outras, é um dos autores de "Lembrando de Você". Impossível esquecê-lo.

4 comentários:

Anônimo disse...

Adoro o blog, ainda mais quando tem o retoque de uma poesia, que sempre vem a calhar. A parte que mais gostei foi este trecho:
"E a mata indefesa vira pasto
No lugar das florestas plantam bois
Seringueiro se sente ameaçado
E a questão fica sempre prá depois."

O interessante é que por aqui quase tudo - senão tudo- fica para depois.

Me dói tanto uma árvore caída,
ainda mais aqui em São Paulo, onde são tão poucas e solitárias, sinto que elas são tristes, e que sabem que estão se acabando ... Temos um bairro chamado Pinheiros, quem achar uma desse tipo lá, por favor, me fale!
Altino!! 10% é muito... não deixe que "Tirana,insaciável e medonha" acabe com a floresta com uma velocidade que ainda nao compreendo!
beijos

Anônimo disse...

Li a Nota depois, e fiquei eu a pensar "O que é mesmo o silêncio?"

Anônimo disse...

Altino, que beleza!
Adorei a dramática letra. Muito forte e rica.
Mas adorei também sua nota que se parece com um poema. Parabéns.

Beijos

Anônimo disse...

Sérgio, acompanho as tuas letras também por aqui, com o Altino. Não se engane, poucos escrevem, mas muitos lêem. Ei, Altino, que tal publicar aqui a letra "Saga da Amazônia", do Vital Farias; só para relembrar e para quem não conhece se surpreender com uma das poesias mais impactantes que falam da Amazônia...
Um abraço, Duda
P.S.: Altino, a ida a Boca do Acre eu topo, mas a excursão "do Rio Acre ao Atlântico" não abro mão e já sei que você foi convidado pelo Fábio Vaz para integrar a equipe...