sexta-feira, 31 de março de 2006

OCÉLIO MEDEIROS




Irreverência histórica

Elson Martins

Ele foi contemporâneo de Jarbas Passarinho, Armando Nogueira e Jorge Kalume na Xapuri dos anos 20. O pai, Felipe Medeiros, exerceu a função de juiz de direito no tempo em que ser juiz chamava atenção, mais pela dignidade e sabedoria jurídica que pelo salário que recebia ou por exercer o poder de mandar cidadãos pobres para a cadeia.

Falo do escritor e poeta Océlio Medeiros: 90 anos, também, advogado, professor universitário e ex-deputado federal cassado pelo regime militar de 1964. Menino “levado” da época, foi entregue aos padres, que prometeram salvar sua alma através da fé religiosa (falharam, claro!). Depois, os pais o mandaram de navio gaiola para um colégio em Belém, que formava professores normalistas.

Dali, freqüentando aulas no meio de um monte de mulheres bonitas, saiu mais assanhado que nunca para o Rio de Janeiro, onde cursou direito e trabalhou como repórter. Eleito deputado federal pelo Pará, anos depois, foi cassado e se exilou nos Estados Unidos, onde obteve os títulos de master e PhD em ciências jurídicas.

O ítem mais destacado de seu currículo, no entanto, foi o que marcou sua passagem de volta ao Acre no final dos anos 30 e começo dos 40, como delegado do Ministério da Educação. Ele procurou revolucionar o ensino mexendo num ninho de vespas da administração do então Território Federal do Acre.

Caluniado, acusado de taras sexuais e de outras modas estranhas (ou exclusivas) do meio, foi expulso da terra e como vingança escreveu o romance “A Represa” (1942), que o tornou maldito para as elites acreanas de todos os tempos.

- Isso virou um carma – disse na semana passada, quando esteve em Rio Branco, acompanhando o pintor Sansão Pereira, outro acreano com quem fez amizade no colégio em Belém, e que veio fazer a entrega de uma tela que pintou para o Centro Cultural do Poder Judiciário, a ser inaugurado em junho.

Sempre apoiado numa muleta com cabeça de onça, mas incansável e exibindo energia incomum em quem se aproxima dos cem anos de idade, o escritor e jurista fuçou a cidade inteira revendo pessoas, falando de seus livros e poemas, propondo novos desafios para quem admira o que fez e ainda faz em sua vida belicosa.

Aqui e ali voltava a um tema muito recorrente em sua imaginação fértil, ou seja, a revolucionária conquista do Acre no começo do século passado. Embora repita sempre que convém respeitar os mitos, chamou atenção para a cintura fina e para o uniforme ajustado do herói Plácido de Castro. E como experiente criminalista, explicou detalhes da emboscada que o fulminou em agosto de 1908, a tiros de fuzil.

Ao se despedir na sexta-feira, 24, disse que era a última vez que vinha ao Acre porque sua saúde não recomenda mais essas viagens longas e cansativas. É verdade, mas faz menos de dois meses que saiu daqui falando a mesma coisa

Esperamos que volte mais vezes.

Nota: Pedi ao jornalista acreano Elson Martins, assíduo colaborar deste modesto blog, que apresentasse Océlio Medeiros aos leitores em decorrência de três entrevistas em vídeo que fiz com ele recentemente. Eis (abaixo) a primeira.

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