sexta-feira, 3 de março de 2006

O RIO DOS MOSQUITOS



Por Elson Martins (*)

Demoramos 11 horas de Cruzeiro do Sul até a boca do Juruá-Mirim, afluente da margem esquerda do Juruá. Não que a distância seja tão longa, mas viajamos à noite, com o rio enchendo e arrastando troncos, galhos, até árvores inteiras. A visibilidade era mínima, apesar da lua cheia, e pela madrugada aparecia espessa neblina atrapalhando a navegação. Na verdade, pouca gente viaja a noite por aquelas bandas

O barco largou o porto de Cruzeiro às 21 horas de domingo, 12 de fevereiro. Às 21h15, passamos na boca do rio Moa, e, às 22h35, em frente à cidade de Rodrigues Alves. A bordo tinha 16 pessoas: além dos sete expedicionários, três tripulantes, dois técnicos de informática, dois cabos do Corpo de Bombeiros e duas cozinheiras (uma delas ficaria em Marechal Thaumaturgo no Projeto Cidadão).

Todos armaram rede sem mosquiteiro fazendo pouco caso da notícia sobre a ocorrência de malária na região. A cozinheira Francisca, entretanto, falou de cara que estava com muito medo. Ela estava certa: o estagiário do Tribunal de Justiça, Patric Armstron de Souza Sampaio, 21, que foi à Foz do Breu instalar um computador para emitir certidão de nascimento aos recém-nascidos e crianças até 12 anos (um serviço pioneiro que permite a diretores ou professores das escolas rurais para fornecer o documento), retornou em nosso barco com a velha e temida maleita.

Segunda-feira, às 8h10 da manhã atracamos no Mirim. Muita coisa tinha ficado para trás na escuridão. Acordei às 5h30 e registrei com minha câmera digital uma paisagem rara:a lua ainda não tinha sumido de todo numa margem do rio; entretanto, na outra o sol despontava com uma máscara de neblina que permitia encara-lo a olho nu. Ficou até difícil distinguir o que era sol e o que era lua.

Passamos em frente à localidade Lago Preto onde se viam casas, roçados e canoas de ribeirinhos. A arquitetura se repetiria até os altos rios com pequenas escadas de degraus roliços, uma porta de entrada e duas janelinhas “abertas para o mundo” (esta expressão bonita está na capa do site do Governo da Floresta). A comunidade Simpatia, mais à frente, confirmava o estilo de habitação.

Elefantinho
Estava no roteiro uma visita ao Juruá-Mirim com lancha voadeira (tinha duas a nossa disposição, penduradas no barco grande). Logo na boca do rio existe um posto do Ibama, arrumadinho, mas que não demora a ser levado pelo desbarrancamento do Juruá. Há três anos, durante a primeira expedição, paramos no mesmo local e tinha muito chão, ainda, a sua frente. Agora, a água lambe os barrotes.

O posto deve ter custado uma boa grana. Tem instalações de luz (portanto, também um gerador de energia), rede hidráulica com caixa d´agua, tela em todas as janelas, pátio gramado com fruteiras em volta...só que não funciona há uma pá de anos.

Em frente, na outra margem do Juruá, vive o seu Raimundo Nonato Gomes Moura, contratado pelo instituto para vigiar o posto. Ele reclamou que há dois anos não recebe seu salário. Nem vê fiscal nenhum por lá.

O lugar é muito bonito pelo que cabe à natureza. Foi palco de escaramuças entre brasileiros e peruanos antes da definição da linha de fronteira. Grandes seringalistas da época, entre os quais Francisco Melo, ajudaram a manter o domínio acreano até o Tamboriaco, no alto Mirim.

Visitamos sobre ataque pesado dos mosquitos algumas comunidades. “Aqui é a central dos mosquitos”, confirmou seu Dário Rodrigues de Souza, membro da Porongaba. Mas o que os importunava, a ele e aos moradores de Vista Alegre e No Escuro, outras duas localidades rio acima era a falta de atendimento de saúde, a precariedade das escolas (municipais) existentes e as dificuldades com transporte.

O professor José Lourival Maciel Gonçalves jogou o problema das escolas nas costas largas da prefeita de Cruzeiro do Sul, Zila Bezerra. Disse ela que disputa território com o prefeito de Porto Walter, município novo cuja jurisdição começa na margem direita do Juruá-Mirim, agravando a situação. As escolas e os postos médicos funcionavam melhor quando pertenciam a Porto Walter, dizem.

Exemplo comovente
Em Vista Alegre se comprova com a professora Rosenir Barbosa da Silva, a Rosinha, como aquela gente se empenha para que a sociedade se sustente em terra firme com amor, conhecimento, solidariedade, bravura – tantos bons sentimentos que defendem até a exaustão de suas forças. Nós a encontramos em sala de aula, com 40 alunos a quem ensina as cinco primeiras séries no mesmo espaço e ao mesmo tempo.

Ela divide o quadro (que antes era negro, agora é verde) por série e vai atendendo cada aluno como pode. Rosinha é também merendeira, servente e, quando tem algum remédio no posto anexo à escola, enfermeira. Mas o posto desde o ano 2000 não tem nada; nem médico nem remédio. É um “dormitório de morcegos”, como classificou o também professor Lourival.

Quem adoece na região procura tratamento em Porto Walter ou em Cruzeiro do Sul, mas viaja por sua conta e risco, se tiver dinheiro ou na carona de alguém que possua embarcação. O comandante Elival não deixa paciente em barranco, mas quando viaja sob contrato, transportando cargas, sua boa ação fica difícil.

Bom, o que o Estado, ou os municípios podem fazer para melhorar a vida nessas comunidades? Dar uma medalha ou um título para pessoas como Rosinha não seria o caso, se bem que ela os merece. Nem dá para confiar numa balsa de luxo que passa por lá uma única vez no ano, ainda assim ao largo.

Nós, da expedição, ficamos imaginando se o belo posto do Ibama não serviria para sediar alguma ação publica eficiente e responsável!?

(*) Elson Martins é jornalista acreano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Realizamos viagem ao Amônia e ao Bajé pelo mesmo período com a equipe do Cimi e o que foi constatado pela expedição de vocês, em relação ao posto do Ibama, a julgar pela foto, até que alguma coisa melhorou. Quando passamos por lá nem o mato (um morador em frente disse que era grama) estava muito alto. Pena que não haja funcionário para fiscalizar uma região tão importante. Mas, viva a agora lei de florestas públicas !! Que o Ibama fiscalise!! afinal são só mais 1 milhão e meio de Hectares no acre.
Um abraço, especialmente para o Marquesom, grande artista.