sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

BIOPIRATARIA DO KAMBÔ

Em dezembro do ano passado, escrevi aqui a nota "Kambô e charlatanismo", advertindo que, embora uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde tenha proibido a propaganda da "vacina" do sapo kambô (Phyllomedusa bicolor), o que não falta é gente desrespeitando-a e ganhando muito dinheiro com o comércio e a aplicação da substância, além da exploração da boa fé de índios acreanos em grandes cidades.

Revelei que Sônia Menezes, que se declara "terapeuta indígena", havia se aliado ao psiquiatra Paulo Urban para promoverem numa clínica em São Paulo a "Semana de Medicina Indígena" com aplicações de kambô. O caso foi denunciado pelo movimento indígena ao Ministério da Justiça e a Polícia Federal então passou a investigar a biopiratia.

Sônia Menezes vendia um "palito" com 200 doses de kambô por R$ 18 mil. Quando se viu perseguida pela PF, desapareceu e abandonou em São Paulo e Belo Horizonte o grupo de cinco índios katukina que havia levado para auxiliá-la no comércio de kambô nas grandes cidades.

Três deles já conseguiram retornar para Cruzeiro do Sul no dia 10 de janeiro, mas um homem, o pajé Francisco de Assis e uma mulher, conhecida como Lucimilda, permanecem abandonados em Curitiba. Não falam português e não têm dinheiro para custear a viagem de volta ao Acre.

Anteontem, os dois conseguiram telefonar para o parente Fernando Katukina, que é uma liderança na aldeia Campinas. O pajé chorou e demonstrou arrependimento pelo que fez. Sônia Menezes havia levado o grupo contrariando recomendações da maioria da comunidade.

Conversei hoje com o Fernando Katukina, que vai recorrer à Funai para ajudá-lo a trazer os dois índios de volta ao Acre. O caso ilustra bem como a biopirataria pode causar sérios problemas numa comunidade. Assista (abaixo) a entrevista com o agente de saúde indígena, que participa aqui em Cruzeiro do Sul do seminário "Ciência e saber na Amazônia: o valor do conhecimento".

2 comentários:

Anônimo disse...

É lamentável uma ocorrência desse tipo. Mas dá medida da irresponsabilidade de uns e outros cariús com os saberes dos indígenas. Quando visitei o Acre, estive em contato com os katukinas, os reis do kambõ, tomei a vacina inclusive. E a convicção que me restou é a de que esse conhecimento, em mãos inescrupulosas, pode ser deveras danoso. Os indígenas, detentores dessa ciência, precisam se precaver, principalmente com relação a esses que eu chamo de "pseudoneoxamãs", gente que vive "viajando na maionese", com o perdão das exceções, como se essas práticas fossem panacéia para "a felicidade e a realização de todos os sonhos". Ironias à parte, é bom saber: se a coisa corre no campo da cura e da espiritualidade, o pressuposto é a ética. Fora disso, que o fato sirva de alerta para os aventureiros, os distraídos e aqueles que vêm nesse conhecimento oportunismo apenas.

Anônimo disse...

È uma situação extremamente delicada, a qual levanta diferentes reflexões éticas de todos os níveis. Enfim, o caso " Soninha" que trouxe sérias complicações para os Katukinas não deve passar impune ou sem qualquer tipo de resultado, mas sim servir de lição para evitar este tipo de oportunismo e charlatanismo.
Acredito também que foi uma grande lição para os Katukinas que se deixaram levar pelas promessas de Soninha.
No Orkut a comunidade Kambô tem tópicos inacreditáveis por ela postado, desde pedidos de roupas para os Katukinas, como se eles fossem miseráveis até propagandas de consultas com terapeutas, sem contar que esta mulher se coloca como representante do povo Katukina.
Espero que as devidas providências sejam tomadas e que caminhemos para a reflexão da melhor maneira para a proteção dos conhecimentos tradicionais.