domingo, 29 de janeiro de 2006

SYDNEY POSSUELO

“Lula é indiferente ao índio"

Por Paloma Oliveto (*)

Decepcionado com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o sertanista e indigenista Sydney Possuelo acredita que a atual administração petista é o pior governo para os índios nos últimos 20 anos. Ele também acredita que, depois das declarações do presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, o caminho para a demarcação de novas terras indígenas foi dificultado. Um exemplo seria a liminar de reintegração de posse que favoreceu uma fazenda localizada dentro da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. “A decisão do juiz é um reflexo dessa nova ordem”, avalia. A liminar foi concedida na semana passada por um juiz federal de Roraima, que, na prática, ignorou o decreto de homologação da reserva, assinado por Lula ainda no ano passado. Abaixo, trechos da entrevista ao Correio Braziliense:

A Funai informou que o senhor foi demitido porque havia divergências com a atual administração. Além da crítica às declarações do presidente, que outros problemas ocorreram?
Não consigo enxergar nenhum benefício no que esse homem (Mércio Pereira Gomes) tem feito por aí. Eu discordo dele desde o primeiro dia em que ele colocou os pés na Funai, na primeira reunião. O que ele disse, sobre a quantidade de terras indígenas foi muito perigoso, foi terrível. Principalmente porque o momento da política indigenista é de fragilidade. Está tudo desarticulado, a saúde dos índios está péssima. Também é um momento em que a Amazônia está sendo invadida por grileiros. Quando diz que tem muita terra para os índios, é como dizer que essas terras são inúteis para a população. É dizer que a árvore em pé não vale nada, só vale cortada. A questão não é se índio tem ou não pouca terra, mas a postura do presidente da Funai.

O senhor acha que, ao demiti-lo, ele estava cumprindo ordens do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Sou um crítico danado do Lula, porque, ao se omitir, ele mostra qual a política do seu governo. Mas não acho que ele tenha mandado me exonerar. Então, se Mércio não tem um chefe que determine que ele faça o que faz, ele está a serviço de quem? Será que é meramente à postura do governo? Eu acho que o governo Lula é indiferente ao índio.

Que interesses ele poderia estar defendendo?
Não sei, acho que essa pergunta tem de ser lançada. O que ele está falando só vai beneficiar os madeireiros, os plantadores de soja, o agronegócio.

O senhor acreditava que a política indigenista iria melhorar no governo Lula?
Sempre fui apolítico, nunca me filiei a partido nenhum, mas sempre votei no Lula. Eu estava embalado pelo sonho romântico do operário, do trabalhador que chega ao poder. Acreditei nisso. Mas o governo Lula é uma balela que já foi desfeita. O presidente não tomou nenhuma atitude e pode se arrepender disso. No Brasil, as pessoas torcem o nariz para a questão indígena, mas é uma área sensível, que tem muito peso internacional. Não falo sobre a minha demissão, mas sobre Lula ter se omitido em relação às declarações do Mércio. Falar que índio tem muita terra em um momento em que a questão está sendo discutida na América Latina, por causa da chegada de um índio ao poder…

Pode-se esperar agora um Abril Indígena mais crítico?
Com certeza. Os caiapós, que mandaram a carta para o presidente da Funai, são um dos povos indígenas mais aguerridos. Eles vão à luta. Há pouco tempo, a Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) escreveu um manifesto duríssimo. Essas pessoas estão se manifestando de uma forma dura contra o presidente da Funai, à medida que percebem que nenhuma providência é tomada.

(*) Paloma Oliveto é repórter do Correio Braziliense

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