terça-feira, 6 de dezembro de 2005

UM CERTO DESABAFO

O jornalista pareaense Lúcio Flávio Pinto enviou o artigo publicado aqui com o título "Espero um julgamento justo", mas considerei necessária uma explicação dele. Enviei então o meu questionamento:

"Meu caro Lúcio, queria entender o seguinte: você e Déa Maiorana são amigos? Como você a indicou como sua testemunha, certamente não o fez sem a certeza de que o testemunho dela possa contruibuir verdadeiramente para a sua defesa. Para tanto, suponho, você dialoga com ela, apesar dos pesares. Gostaria de entender isso e acho que mais pessoas também, pois é surpreendente que a mãe do seu agressor seja indicada como sua testemunha. Um abraço".

Lúcio respondeu:

"Sua pergunta é pertinente. Na maioria dos 32 processos a que já respondi ou respondo na justiça do Pará, indiquei testemunhas que não conhecia ou com as quais não fiz nenhum contato prévio ou posterior à indicação de seus nomes ao juízo. Muitas delas me conheceram na hora de depor. Sempre pedi que ficasse registrado que elas não foram procuradas por mim antes de deporem. Incluem-se entre minhas testemunhas procuradores federais e estaduais, juízes e até duas desembargadoras, além de servidores públicos. Chamei-os para falar nos autos porque tinham a ver com as questões em litígio. A rigor, seriam mais testemunhas informantes do juízo do que da defesa. Na quase totalidade dos casos eu não sabia o que iam dizer.

Aí se inclui Lucidéa Batista Maiorana. Conhecemo-nos pessoalmente desde o início da década de 70. Mas eu já tinha informações sobre ela, detalhadas, através de um grande amigo comum, o jornalista Edwaldo Martins, seu amigo de juventude. Encontrei poucas vezes Déa Maiorana, mas todos os nosso contatos foram muito bons, afetuosos. Meu primeiro livro, "Amazônia: o anteato da destruição", teve seu lançamento patrocinado pelo marido dela, Romulo Maiorana, em 1977. Fato inédito: o livro foi lançado nas oficinas de "O Liberal", em pleno funcionamento. Calculou Romulo que mais de 800 pessoas estiveram presentes. Mulheres em trajes finos e alguns convidados em paletó e gravata transitavam entre máquinas que imprimiam o jornal. Déa participou da festa, integralmente. Estava feliz, como o marido, que se sentia bem como mecenas, principalmente quando nada teria em troca, como no meu caso, a não ser reconhecimento.

Quase todo dia, nos dias da semana, entre 1975 e 1985, eu passava pelo gabinete de Romulo Maiorana no jornal ou era chamado por ele. Em alguns momentos encontrei Déa e nossa relação era extremamente agradável. Como com seu marido. Brigamos duas vezes. Sempre tomei a iniciativa e pedi demissão, por não aceitar censura a meus artigos. Na maioria das ocasiões em que divergimos, acabamos nos entendendo.

Mas em dois momentos isso não foi possível e pedi o boné. Na primeira vez, fui para "A Província do Pará", onde comecei no jornalismo profissional, em 1966. Ele foi me buscar de volta.
Na segunda vez, não houve tempo para reconciliação. Já contei várias vezes essa história, por isso a resumo. Em 1985 eu vinha criticando duramente o governador Jader Barbalho, em seu primeiro mandato como governador do Estado. No auge das farpas, a pressão do grupo do governador, incluindo dois grandes amigos de Romulo, aumentou sobre o dono do jornal. Romulo já estava gravemente doente. Sabendo disso, telefonei para ele, que estava no Rio de Janeiro, em convalescença, e pedi minha demissão. Ele disse que não a aceitava. Era uma sexta-feira. Disse-me para pegar um avião no dia seguinte e ir almoçar com ele, em seu apartamento em Ipanema. Conversaríamos a respeito.

Almoçamos só nos três: ele, Déa e eu. Odacyl Catette, que viajou comigo, almoçou em outra dependência. Romulo disse que não aceitava que eu deixasse o jornal. Tinha inteira confiança em mim. Agradeci, mas lhe disse que ele não resistiria às pressões e acabaria vetando algum artigo mais incômodo para o grupo do governador, oriundo do velho PSD de Magalhães Barata. Eu queria sair sem colocar em risco nossa amizade. Não iria contemporizar. Ele retrucou que eu continuaria a ter toda liberdade para escrever meu artigo diário e não precisaria participar da campanha de Hélio Gueiros, candidato de Jader Barbalho à sua sucessão, no "Repórter 70", a principal coluna de opinião e informação do jornal, da qual eu era o principal redator. Eu criticara o comportamento de Gueiros, inclusive em relação a Romulo. Gueiros dissera coisas terríveis ao romper com ele, publicando inconfidências de alcova. Isso não impediu que se reconciliassem, esquecendo o passado. "O Liberal" apoiou Gueiros, mas eu não.

Diante de Déa, Romulo disse que eu devia voltar a Belém e continuar normalmente meu trabalho. Ele não me criaria nenhum embaraço. Apoiaria seus amigos em outros espaços do jornal, inclusive na seção "Em poucas linhas", do "Repórter 70". Todos sabiam que esse era o seu canal de expressão, com sua marca registrada. Insisti mais uma vez: "Não me vais falhar, hein, Romulo?". Ele renovou o compromisso.

Retomei o trabalho, mas ele, na fase final de sua vida, não conseguiu manter esse compromisso. Acabou vetando um artigo meu. Como prometi, não aceitei o veto e pedi demissão. Quando ele morreu, estávamos rompidos. Mas Déa me disse que uma de suas preocupações finais era se reconciliar comigo. Ela me disse isso enquanto nos abraçávamos no velório de Romulo. Eu me aproximei com cautela. Afinal, tinha brigado com o jornal e seu dono. Ao me ver ao lado do caixão, na nave da igreja do Rosário, ela se voltou para mim, me abraçou emocionada e choramos a morte da pessoa que queríamos tanto - eu, independentemente de nossas evidentes diferenças.

Por isso e por muito mais indiquei Déa Maiorana como minha testemunha. Ela sabe suficientemente bem quem sou, como me comportei em relação à sua família e à empresa. Quando sua filha, Rosângela, iniciou, em 1992, uma série de cinco ações contra mim, eu também a indiquei como minha testemunha. Tudo foi feito para impedir que eu exercesse direito que a lei me confere. Tanta confusão se armou que ela não foi ouvida. Manobras que agora se repetem para impedir novamente seu testemunho.

Eu tenho o maior respeito por Déa e sei que ela dirá a verdade, se tiver que depor. Minha confiança é tal que quando bloquearam seu testemunho na primeira leva de processos dos Maiorana eu fui ao seu prédio e deixei uma carta confidencial para ela. Até hoje não revelei o conteúdo dessa carta. E quando, por acaso, nos encontramos na rua, enviei-lhe outra carta, também mantida em sigilo.

É claro que ela não gostaria de se ver envolvida nessa história desgastante e, se obrigada a depor, não testemunhará contra os filhos que me acionam na justiça, Romulo Jr. e Ronaldo Maiorana. Não gostaria de constrangê-la nem criar-lhe problemas. Mas os responsáveis por tudo isso são Romulo e Ronaldo e não eu, que apenas me defendo de suas ações irresponsáveis. Chamei Déa porque ela é a prova viva de que sempre me comportei com dignidade, lealdade e honradez na minha relação com ela e seu marido. Não podia, portanto, ofender a memória de Romulo. Mas também me recuso a violar meu compromisso com a verdade. Se, por ocasião da morte dele, na reconciliação através de sua viúva, me comportei assim, por que mudaria agora?

Para não me alongar, reproduzo abaixo o artigo que escrevi para o último número do "Jornal Pessoal", edição 357, da segunda quinzena de novembro. Ele responde à sua pergunta. Obrigado por fazê-la. Deu-me a oportunidade de um certo desabafo.

Um abraço,

Lúcio Flávio Pinto"

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