domingo, 20 de novembro de 2005

PRÊMIO FURRECA

Hoje em dia há tantos prêmios que ninguém fica sem.

Leio no jornal Página 20 a reportagem assinada por Romerito Aquino dando conta que o extrativista Francisco Ramos, de Porto Acre, abocanhou (sic) R$ 6 mil pelo primeiro lugar do Prêmio Internacional para Microempresários (PIM), promovido em 30 países pela Organização das Nações Unidas (ONU), para homenagear "microempresários empreendedores" e as "histórias fantásticas" que eles têm para contar de seus negócios sustentáveis.


Tudo é grande e fantástico na história desse prêmio concedido a Francisco Ramos, a começar pela manchete do jornal e sua longa reportagem. O que está subfaturado é o valor do prêmio, muito aquém do que ganham mensalmente milhares de consultores que mamam em nome dos miseráveis do mundo, especialmente de quem sobrevive da floresta.

Veja a lista das quatro instituições promotoras dessa premiação internacional mixuruca:

1 - Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento de Capital (UNCDF), uma organização multilateral gerenciada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que se esforça para contribuir com o alcance das Metas do Milênio;

2 - Fundação Citigroup, braço filantrópico do Citigroup, líder mundial em produtos e serviços financeiros;

3 - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae);

4 - E a Aliança Estudantil para o PIM, uma rede de estudantes voluntários das melhores universidades do mundo.


A revelação mais insustentável da "história fantástica" do empreendedor Francisco Ramos, dono de uma informal Casa da Semente Florestal, está no final da reportagem:

- Em breve, o microempresário, possivelmente com a ajuda do prêmio de R$ 6 mil que ganhou da ONU, pretende dar um salto qualitativo, comprando um computador que pretende conectar à Internet. Com isso, a sua microempresa vai poder colocar seus produtos diretamente à disposição de consumidores do mundo inteiro.

E-commerce também, né? Tudo tão fácil. Mas devo ser otimista, afinal acredito em Matintaperera, Curupira, Mapinguari e no Papai Noel, que já vai chegar.

É melhor que leiam a reportagem especial clicando em "Sementes da floresta levam acreano a ganhar prêmio da ONU".

2 comentários:

Anônimo disse...

Tive uma conversa com o Altino Machado a respeito do artigo e ele
acrescentou o seguinte:

"Imagine o quanto gastaram para organizar o prêmio em 30 países e quanta gente viajou e se hospedou em hotéis de luxo, com diárias em dólares. Aí decidem pagar ao extrativista 6 mil reais, sem oferecer nenhum suporte, pois o coitado está pensando que, para e-commerce, basta comprar um computer e conectá-lo à internet. Na verdade um prêmio assim acaba sendo um crime
socioambiental".

Ótimo, agora o Altino começou a fazer uma analise "econômica" do fato ambiental, foi cirugico, observou o todo, contextualizou. O problema está no amor, conforme abordei no artigo "A caminho de outro mundo", quando afirmo que "construir uma casa boa numa regiao de pantano sem base , tende a afundar".

O problema está na forma como os organizadores estabelecem o prêmio, o modelo. Alguns projetos são concecidos para agradar ao financiador, sem consultar a comunidade. O problema, insisto, está na forma de premiar, na estrutura que concebeu o prêmio. O valor do premio passa a ter peso em funçao da estrutura que o concebeu.

O Bertha Lutz é uma comenda, um certificado, e nao tem dinheiro. No entanto, a proposta do prêmio é conferir poder às mulheres que recebem a comenda, o que vale muito mais que dinheiro. No caso de prêmios que envolvem instituições financeiras, existe um enquadramento que determina os valores e acabam por produzir prêmios a partir de manuais ultrapassados,
que "desvalorizam" os pequenos. Usam calculos que nao cabem mais numa régua para o desenvolvimento sustentável.

Assim, fragmentam a conta: separando o setor de marketing, do setor que formula o prêmio; do setor que organiza eventos; do setor que aprova o financiamento; do setor de comunicaçao e aparece esta discrepância toda. Porque na hora de dizer que o cabra foi premiado, nao podem dizer sem que a máquina esteja aparelhada para que o digam. E aparelhar a máquina significa
colocar o fato no contexto do cliente que deseja ter na instituiçao.

Para isso, precisa fazer convites, e os convites precisam ser de primeira linha, que por sua vez precisam da emissão as passagens, mas o convênio com a agencia também é de primeira linha. Consequentemente, precisam chamar a imprensa, que por sua vez diz que precisa da nota no jornal de grande circulaçao, que por sua vez diz que precisa também custear as despesas do
jornalistas e assim vai: custo sobre custo a fora, quando o coitado do premiado permanece sub-avaliado. Dá dó.

Por que afinal, o banco X nao lhe dará um crédito superior a 6.000 reais? Tem que ser coerente com suas linhas de financiamentos e manuais. E isso: a casa nova construida numa região de pântano vai afundar, fica tudo desproporcional e a imprensa vê, nao é burra. Tá no seu blog a discrepância. E fica feio.

Amyra El Khalili
Economista
São Paulo - SP

Anônimo disse...

É, Altino, são organizações socialmente responsáveis, não é? Suas colocações são um ângulo que muitas vezes passa despercebido por todos. Muito bem atesta em seu comentário a Amyra a realidade. Comum é utilizarem do trabalho alheio, como do seu Francisco Ramos, para se promoverem. É o sistema, o sistema... E esse é perigo do título de responsabilidade social, cair na trivial sistemática de nossa sociedade. Dou pouco e qro muito mais. Dou R$ 6 mil de prêmio a um empresário ambientalmente responsável, apesar de ter gasto 100 vezes mais para dar o prêmio, em "reconhecimento" a seu trabalho e divulgo o meu prêmio, não o trabalho, que é o exemplo. O pensamento humano, Altino, o pensamento humano...

Bruno Pinheiro