segunda-feira, 10 de outubro de 2005

ECONOMIA DA SELVA

Ambientalistas pensavam que poderiam salvar a floresta e ganhar dinheiro ao mesmo tempo. Eles estavam errados.

Mac Margolis

Newsweek International

Na década passada, o mundo estava profundamente preocupado com o futuro da floresta amazônica. Beatriz Saldanha decidiu fazer alguma coisa sobre o assunto. Ela fechou sua loja de roupas de praia no Rio de Janeiro e colocou a mochila nas costas. Seu plano: trazer para o mercado global as comunidades de produtores isoladas da floresta amazônica. Foi uma idéia e tanto. E funcionou. Banhando pedaços de tecido de algodão cru em látex cuidadosamente retirado de seringueiras da floresta, ela trouxe para o mercado o "couro vegetal", um "tecido" forte e maleável a partir do qual se pode fazer jaquetas, jeans e bolsas.

Hoje, sua companhia, AmazonLife (anteriormente Couro Vegetal da Amazônia), é uma marca internacional, com clientes de alto nível como Hermes, a fábrica holandesa de bicicletas Giant e a empresa de cosméticos inglesa Lush. Entretanto, tudo pode desaparecer em pouco tempo. Embora a companhia apresente um lucro operacional modesto, ela deve US$ 1 milhão. Seu maior credor, o banco estatal BNDES, está ameaçando executar a dívida e comunicou à proprietária que a companhia dela é um "fracasso empresarial". A história é sombria não apenas para Beatriz Saldanha e o pequeno grupo de seringueiros envolvidos com a empresa, mas também para qualquer pessoa preocupada com a situação da floresta amazônica.

Por mais de uma geração, ambientalistas, políticos e capitalistas conscientes se aliaram para encontrar formas sustentáveis de desenvolvimento para a região - sustentável para a floresta e para as pessoas que nela vivem. A idéia era ajudar os habitantes locais a obter lucro da floresta sem destruí-la. Pensando desta forma, a amazônia, a maior floresta tropical do mundo, não é apenas um santuário para a natureza, mas um empório vivo que vale mais em dólares e centavos se mantida em pé do que derrubada. A floresta majestosa tem de tudo - ervás, óleos, pefumes e elixires, e quem sabe, talvez até a cura da AIDS ou do câncer. Para Beatriz Saldanha e numerosos "ecocapitalistas" que surgiram depois, empreendimentos comerciais do tipo que ela desenvolvia eram a prova viva de uma verdade evidente: "o homem e a floresta estão destinados a não ser inimigos, mas parceiros". Agora ela - e numerosos ambientalistas - estão refletindo se tudo não foi apenas um sonho.

A história de Beatriz Saldanha é apenas um sinal de que toda esta forma de pensar sobre a conservação como um negócio está com problemas. Ações ambientalmente corretas não ajudaram, mesmo minimamente, a diminuir o processo contínuo de destruição da floresta amazônica.Fotos de satélites do ano passado mostraram que 24.500 km² de floresta - uma área do tamanho da Bélgica - foram destruídos em 2002.

Doze anos depois do mundo prometer mudar a forma desastrosa com que tem tratado o meio ambiente, durante o encontro ECO 92 no Rio de Janeiro, as alternativas propostas também estão falhando. A extração seletiva de madeira sem o corte raso da floresta tem se mostrado custosa e ineficiente. Mesmo atividades reconhecidamente "ecologicamente corretas" - como a coleta de frutos, seringa e castanhas - são propostas financeiramente deficitárias ou piores. O Fundo Mundial para a Natureza, baseado na Suiça, alerta que a demanda mundial exagerada por remédios "naturais" tem levado entre 4.000 e 10.000 espécies de plantas ao limiar da extinção. Negócios de sucesso causam graves danos na natureza enquanto que os mais "ecologicamente" benignos sustentam apenas as árvores.

Não era isso que Chico Mendes tinha em mente quando liderava os seringueiros contra os fazendeiros, que derrubavam a floresta para transforma-la em pasto no sudoeste da amazônia. Ele foi morto por ordem um fazendeiro irritado com suas atitudes 15 anos atrás e por isso se tornou o primeiro "eco martir" mundial. Seus seguidores entenderam que os donos do poder em Brasília queriam o progresso e não a conservação e eles pensaram que tinham encontrado a fórmula para fazer ambas as coisas.

Numerosos projetos ecologicamente bem intencionados como o da AmazonLife floresceram. A boutique new age Body Shop colocou no mercado corantes naturais e castanhas de tribos indígenas. Frutos de Castanha do Brasil passaram a fazer parte do novo sabor de sorvete "Rainforest Cruch" da empresa Ben & Jerry's. O que tem ficado claro com o tempo é que estes tipos de projetos raramente dão lucro. Levar produtos da floresta para as plateleiras das lojas é uma jornada épica. Quando a Cooperativa de seringueiros de Xapuri falhou nas entregas de castanha para a Ben & Jerry's, a empresa teve que se valer dos grandes atravessadores do produto e depois incluiu castanhas de áreas cultivadas. Hoje, o sabor Rainforest Crunch não é mais vendido. Em outros casos os acordos afundaram em questões sobre a divisão do dinheiro. O acordo da Body Shop com os Kayapós foi desfeito depois de sérios desentendimentos sobre o pagamento de royalties. Apesar de todas as iniciativas ambientalmente corretas de anos recentes, o Brasil hoje extrai e vende menos frutos, castanhas e óleos nativos do que cinquenta anos atrás.

Mesmo as companhias que não dependem de parceiros locais têm tido pouca sorte na Amazônia. Por um tempo, as grandes indústrias farmacêuticas estiveram muito interessadas nas possibilidades de pesquisar plantas e raízes usadas pelos curandeiros locais. A verdade é que raramente compensa financeiramente o tempo e o dinheiro investidos na transformação destas plantas em pílulas e porções úteis. É mais fácil usar computadores para simular a estrutura química das plantas medicinais no laboratório. "Eles dizem que existem trilhões de dolares escondidos nas florestas tropicais, mas até agora poucas companhias viram pelo menos parte deste dinheiro" diz Eric Noehrenberg, diretor de mercado da Federação Internacional das Indústrias Farmacêuticas, baseada em Genebra. "Eu chamo isso do mito do ouro verde".

Investimentos socialmente responsáveis estão a todo vapor. É só olhar o crescimento do Dow Jones Sustainability Index, que lista negócios com força de trabalho racialmente diversificada ou de tecnologia de energia limpa. Embora sejam iniciativaas oficialmente abençoadas e que uma parte de floresta tropical do tamanho da Suiça tenha sido separada somente para estes tipos de negócios, a floresta em si tem recebido muito pouco destes investimentos. Infelizmente mitos são duros de morrer.

No final dos anos 90 John Forgach, um executivo do Chase Manhattan Bank, lançou o fundo conceitual A2R, esperando atrair investidores para negócios com a biodiversidade. "Eu não estou interssado apenas em salvar a floresta" ele uma vez declarou. "Eu quero ganhar dinheiro". Com dinheiro do Banco Mundial e de outros doadores ele viajou pelo mundo em busca de companhias ambientalmente corretas que precisassem de capital, financiando coisas do tipo colheita de baixo impacto, ecoturismo e agricultura orgânica. Seus ativos alcançaram US$ 27 milhões e ele falava em alcançar meio bilhão. No final de fevereiro, com o mercado de ações estável e muitas de suas companhias se desvalorizando, os credores "simplesmente tiraram a tomada do plugue" diz ele. "Eu acredito em sustentabilidade. É um jeito muito mais inteligente de fazer negócio. Mas este conceito de negócio é para tempos melhores". Forgach agora é professor na Universidade de Yale.

O Governador do Estado do Acre, Jorge Viana, ainda tem esperança. No seu Estado, o governo federal financia 84% das despesas locais. Na economia local somente os fazendeiros criadores de gado foram para a frente e, na medida em que suas pastagens aumentam, também aumenta o desmatamento. Mesmo assim, Jorge Viana, um engenheiro florestal, acredita que a salvação da amazônia reside no manejo da floresta tropical: madeiras valiosas como o mogno e o cedro são cortadas cuidadosamente para permitir que novas árvores possam crescer e ser colhidas no futuro. Jorge Viana está dando subsídios e distribuindo concessões para a retirada de madeira para grandes companhias e comunidades locais que tenham ganhado certificação ou "selo verde" de autoridades florestais internacionais. "Uma vez que as pessoas passem a ver a floresta como algo valioso, então elas passarão a defende-la" diz Jorge Viana.

Mas será que vai ser assim? O histórico na extração manejada de madeira nos trópicos é decepciante. "Deveríamos estar vendo a segunda, terceira e quarta geração de madeira tropical manejada no mercado agora e não tem nenhuma" diz Niro Higuchi, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA. Agora os madeireiros asiáticos estão vindo para o Brasil, diz Niro Higuchi "porque suas próprias reservas não existem mais". Somente algumas companhias madeireiras da amazônia alcançaram o padrão internacional de "sustentabilidade" e a mais famosa de todas, MIL/Precious Woods, está em risco de ficar sem madeira bem antes do planejado ciclo de corte de 25 anos. "Depois que você retira as maiores e mais valiosas árvores de 100 anos de idade, a coisa fica muito mais difícil" diz Philip Fearnside, ecologista do INPA.

A grande questão por trás dos econegócios é se a preservação deveria ser um negócio propriamente dito. Três anos atrás a Pirelli, fabricante de pneus italiana, lançou o "Xapuri", um pneu de caminhão feito com látex extraído das florestas do Acre. A fabricante perde dinheiro no negócio, mas recolhe dividendos sociais por ajudar os seringueiros pobres, que, não fosse pelo subsídio, talvez já tivessem desaparecido muito tempo atrás. "Se você aplicar a lei do mercado, você estará criando falsas expectativas" diz Beatriz Saldanha. Salvar a floresta, ela sabe, "é um esforço que vale a pena no seu próprio direito e um que a sociedade deve apoiar. O resto é só ilusão verde".

Um comentário:

Anônimo disse...

Querido Altino,
Claro que li a matéria do Mac Margolis publicada no seu blog, que aqui em casa tem leitura diária. Eu gosto muito desse artigo.
Mas vou aproveitar o embalo para te dar um furo de reportagem, notícia ainda não divulgada na imprensa.
AmazonLife e Couro Vegetal da Amazônia são agora duas empresas diferentes.
Amazonlife será, a partir de agora, uma distribuidora de produtos da Couro Vegetal da Amazônia e outros desenvolvidos por ela mesma. Terá a exclusividade de comercialização do couro vegetal Treetap® e estará trabalhando para colocação de outros produtos da floresta nos mercados nacional e internacional.
A empresa AmazonLife, da qual a CVA ainda detém alguma participação, recebeu investimentos de empresários europeus e entre outras novidades estará abrindo loja em Ipanema agora no mês de Novembro. Super Bacana!
AmazonLife recomeça com sangue novo, novos sócios, novas alianças.
Apesar de ainda não termos um acordo com o BNDES que garanta a sobrevivência da CVA, persistimos na nossa missão.
Seguimos conscientes das enormes dificuldades de introdução desses produtos no mercado, mas certos de que não existe outra saída.
Água mole em pedra dura, um dia fura.
Continuamos defendendo as mesmas idéias: parcerias verdadeiras e transparentes, incentivos fiscais, subsídios, crédito sem juros e investimentos a fundo perdido em capacitação e desenvolvimento de produtos.
Assim sendo, num solo mais fértil e adubado com estes recursos, materiais e humanos, podem começar a surgir os sucessos de maneira mais freqüente e abundante.
Seguimos acreditando no nosso produto e em alguns teimosos como nós, soldados da Rainha, que assim perseverantes, nos sentimos recompensados por riquezas verdadeiras, mistérios e sabedoria da Amazônia. Vamos em frente.
Te espero na festa de inauguração.
Beijos da Bia