terça-feira, 27 de setembro de 2005

TRAGÉDIA AMAZÔNICA

Fora de foco na mídia e no governo

Altino Machado (*)

É a região cujo solo abriga riqueza mineral incalculável e alimenta a maior floresta tropical do mundo. É um território extenso e único por causa da variedade fenomenal da flora e fauna. Abrange nove países, sendo o Brasil detentor de 60% da área total. Nela caberiam 14 Alemanhas ou 20 Inglaterras. Não existe outro lugar com tamanha variedade de espécies de pássaros, peixes e insetos: abriga um quinto da água doce do planeta, sua marca natural é tão ou mais famosa do que a da Coca-Cola, e no imaginário de um estrangeiro compete com o futebol e o samba quando o assunto é o Brasil. Suas florestas tropicais desempenham importante papel no ciclo terrestre global do carbono. A floresta que está em terra firme compreende 41% da área total de florestas úmidas do planeta, com aproximadamente 250 milhões de hectares e cerca de 30% do estoque global de carbono vegetal.

Essas são algumas das carcomidas muletas nas quais a imprensa brasileira costuma se apoiar para falsear grandiloqüência quando trata da Amazônia. A região segue ignorada pela mídia e a maioria de seus profissionais alimenta uma carga de preconceito contra o cotidiano e as pessoas que nela habitam. Nos anos 1980, por exemplo, para cada reportagem que publicava sobre a região, a Folha de S. Paulo tascava o chapéu "Quarto mundo".

A Amazônia recebia atenção da mídia nacional até meados da década de 1980. Os principais jornais e revistas mantinham escritórios nas capitais da região, com correspondentes que produziam uma quantidade significativa de reportagens. Alegações de sucessivos cortes orçamentários obrigaram os veículos de comunicação a reduzir suas estruturas. Diversas sucursais foram fechadas. A maior parte das empresas de mídia passou a manter apenas stringers na região. Dessa forma, os temas relacionados à Amazônia passaram a ser abordados apenas de maneira esporádica e quase sempre com enfoque pitoresco ou preconceituoso.

Estiagem e injustiças

A Amazônia costuma ganhar destaque mundialmente por ocasião de catástrofes ambientais, como o incêndio que em 1998 destruiu quase 30% das florestas, savanas e lavouras do estado de Roraima; massacres, como o assassinato de 29 garimpeiros por índios cintas-largas em abril do ano passado, em Rondônia; crimes, como o assassinato do campeão de iatismo Peter Blake, no Amapá, em dezembro de 2001; eventos curiosos, como o Ecosystem, a megafesta rave promovida em 2001 nos arredores de Manaus.

A imagem que fica, em certa medida já consolidada, é a de que a Amazônia, embora tenha potenciais inestimáveis, é uma região sem lei, semi-abandonada, entregue ao Deus-dará e habitada por selvagens – sejam índios ou brancos criminosos.

Está quase impossível um debate sério que envolva governo, sociedade, imprensa e organizações não-governamentais, porque as categorias formadoras de opinião parecem longe de ser impactadas por conteúdos de qualidade sobre a Amazônia.

A Amazônia está sendo castigada pela maior estiagem de que se tem notícia em sua história, mas o fato tem sido ignorado pela imprensa, em que pese a estiagem tenha agravado a intensidade das queimadas e a poluição do ar. Além disso, a imprensa ignora o cotidiano de injustiças, violações aos direitos humanos, crimes ambientais, corrupção e sonhos e fracassos exposto pela política.

Turbilhão ignorado

Está evidente que a suposta grande imprensa já não se interessa sequer pelas catástrofes da região, pois é mais fácil e econômico pautar-se por edições que jorram prontas para suas redações sobre os furacões Katrina, Rita ou Severino Cavalcanti. Os trópicos estão em chamas, mas a sociedade brasileira está mais bem-informada sobre os incêndios na Europa, porque lá há jornalistas para relatarem diariamente o que presenciam.

Nos últimos 10 dias, as imagens dos satélites indicam que o Brasil ardeu em chamas, exceto o norte da Amazônia, acima do Rio Solimões. O famigerado Arco do Desmatamento, que se estende do Acre ao norte do Pará, gerou um braço que está adentrando na direção de Cuiabá e Campo Grande. Dá para ver que a vizinha Bolívia e os estados de Rondônia e Acre tiveram extensas áreas de floresta consumidas pelo fogo, gerando prejuízos, esgarçando conflitos e expondo a crescente insanidade do modelo de ocupação que predomina na região.

O mais grave disso é que a mídia regional, sufocada pelo conformismo e pela censura e a autocensura, também se revela incapaz de se posicionar com firmeza.

A cobertura da Amazônia está cada dia mais segmentada, circunscrita sobretudo ao ambiente da web, que oferece ferramentas fáceis e de longo alcance, como os blogs, que possibilitam compartilhar com mais pessoas uma parte do turbilhão de fatos que se sucedem ignorados pela imprensa nacional.

Ali pertinho

Faz dois anos que apontei, neste Observatório, os "Equívocos de uma apuração apressada" da Veja, que preferiu calar, como costuma fazer quando erra, mas que se reabilitou no fim de agosto com a reveladora reportagem "O fogo destrói a natureza e também os pulmões de quem vive na Amazônia". Aliás, a Veja e o Jornal Nacional, da Rede Globo, foram os únicos que se interessaram pontualmente pela dramática situação da Amazônia nos últimos dias.

Na semana passada, centenas de jornais brasileiros reproduziram material no qual citavam como sendo parlamentares do Acre, e não do Amapá, o senador João Alberto Capiberibe e a deputada Janete Capiberibe, o casal que teve os mandatos cassados. Por desconhecimento ou preconceito, a mídia foi incapaz de fazer uma referência ao histórico deles, que foram perseguidos pela ditadura militar e expuseram ao mundo a primeira tentativa de política pública de um modelo de desenvolvimento sustentado, quando Capiberibe governou o Amapá em dois mandatos, de 1995 a 2003.

Não se tem registro de que a Amazônia tenha sido visitada por algum ministro da Fazenda. O governador acreano Jorge Viana, que cumpre o segundo mandato e costuma assinalar esse fato, fracassou na tentativa de atrair o ex-ministro Pedro Malan. Espera o cumprimento da promessa feita por Antonio Palocci. Aliás, Viana costuma contar, sem revelar o nome, que certo dia convidou um ministro para conhecer o Acre que ele governa e obteve a seguinte resposta:

– Ótimo convite, Jorge. Tenho uma agenda a cumprir em Belém, no Pará, e como o Acre é pertinho, darei um pulo até lá.

A Amazônia está fora de foco na mídia e no governo.

(*) Jornalista, editor do Blog do Altino

Fonte: Observatório da Imprensa

Um comentário:

Anônimo disse...

Altino / gostaria de comentar dois pontos de teu excelente texto:
"A Amazônia recebia atenção da mídia nacional até meados da década de 1980." Perfeito, Altino. Nesse período, quando contávamos com a cobertura de jornalistas como Elson Martins, a questão agrária era tema da moda e a luta pela terra ainda ecoava os momentos das Ligas Camponesas e da Campanha do Araguaia e o braço forte das forças da repressão ainda se fazia presente em sua vgersão mais violenta.
"Está evidente que a suposta grande imprensa já não se interessa sequer pelas catástrofes da região, pois é mais fácil e econômico pautar-se por edições que jorram prontas para suas redações sobre os furacões Katrina, Rita ou Severino Cavalcanti."
Na verdade, acrdito que agora trata de se criar uma cortina que não permita a plena visibilidade do que acontece na Amazônia. A maioria dos governos na Amazônia foram capturados pelos "empresários da fumaça". Veja, por exemplo, a caravana que desembarcou no Acre: um dos seus membros é o líder dos desmatamento para formação do lençpol de soja que vai cobrindo o país. Significa uma massa extraordinária de dinheiro que pode ser posto a serviço do dono.

Para finalizar, gostaria de lembrar que teu ponto de vista encontra uma elaboração acadêmica no livro da Professora Marilena Correia da Silva - O Paiz do Amazonas.