domingo, 1 de maio de 2005

UMA HISTÓRIA


Furto, droga e polícia
Elson Martins

Um viciado em drogas de 23 anos invadiu minha casa no domingo, 24, levando jóias, roupas, celular e vídeo duplo (DVD e VHS.), além de oito filmes clássicos de uma videoteca que comecei a formar em 2005. Eu tinha saído com a família para almoçar na Vila Conquista, na BR-364, retornando somente às quatro horas da tarde. Nesse espaço de tempo ele quebrou a janela, arrancou porta, remexeu gavetas e até deixou a geladeira aberta, descongelando.

Foi horrível perceber que alguém tinha permanecido dentro de casa revirando coisas. Encontrei na sala, junto a TV, uma bermuda imunda, certamente trocada por uma nova que eu tinha comprado em Cobija; e no escritório as gavetas remexidas, além de sacolas espalhadas pelo chão. Fiquei temeroso que o invasor ou invasores (até então não suspeitava de ninguém) retornassem à noite para levar mais coisas. Afinal, havia maquina fotográfica, gravador digital, notebook e aparelhos de som, expostos numa casa desprotegida.

Antes de continuar com este relato, peço licença aos leitores para não identificar o arrombador que já foi detido e apontou o traficante a quem repassou o produto do roubo (a mulher deste devolveu a maior parte das jóias e o vídeo na segunda-feira à noite). Conheço seus pais e a dor que sofrem por ter um filho dependente de drogas transformado num marginal. Portanto, vou chamá-lo de K.

O personagem tornou-se viciado aos 13 anos. Ele freqüentava um bom colégio da Capital quando foi fisgado pela rede do narcotráfico. Com menos de 18, largou a família e passou a viver entre drogados. Um irmão e duas irmãs tiveram melhor sorte e estão concluindo a universidade.

Os pais tentaram colégio interno, tratamento em clínica especializada, experiências em outros Estados, sem resultado. Agora, já nem se abatem quando alguém como eu diz que suspeita dele por furto.

É da polícia?
A pessoa que me atendeu através do 190 ouviu a queixa anotando meu endereço. Mas logo retornou com a ligação explicando que eu teria que registrar a ocorrência no DP mais próximo para que uma patrulha policial pudesse ser acionada. Devo confessar que minha crença na ação da polícia para resolver casos assim era zero. Falei isso para a atendente que se mostrou solidária comentando: "É verdade"!

Desanimado, lembrei de pedir a ela o número do celular do delegado geral, Walter Prado, ex-deputado estadual e advogado que chegou a ser meu vizinho nos anos oitenta. É um "gentleman", do tipo que sempre atende telefone e se comporta como dirigente público atencioso e afável. Ele compareceu pessoalmente à minha residência, enquanto mobilizava uma patrulha da PM e duas peritas da Polícia Técnica que deviam colher impressões digitais. Estas, entretanto, alegaram impossibilidades de colher as tais impressões.

Por orientação de Walter Prado, nessa hora fui até ao 4º DP para oficializar a queixa. Ah, que pena! O escrivão não se encontrava em seu posto. Pediram que o aguardasse, mas após 40 minutos voltei para casa. O escrivão telefonou depois avisando para eu comparecer à delegacia às 20h. Não fui.

Dura suspeita
Na segunda-feira, apareceram os agentes civis Jonisson de Oliveira Pereira (Joni) e Aleksandro Lira Barros (Alex), lotados no gabinete do delegado geral para desvendar o roubo. São policiais educados - pelo menos com as vítimas, - que explicam procedimentos e estimulam a pensar em suspeitos. Seria alguém do bairro?

Moro nas proximidades do Clube Juventus, num pequeno morro mal afamado, embora tranqüilo. Construí minha casa faz 25 anos e nunca fui importunado. De fato, por alguma ética ou outra razão especial a moçada dita pesada não perturba as famílias da vizinhança.

Esse raciocínio me levou a uma suspeita natural que relutava em assumir: nos últimos seis meses, K apareceu quatro vezes pedindo comida. Nessas ocasiões e conhecendo sua história de viciado em drogas, preferia dar-lhe algum dinheiro para que fosse comer em outro lugar. Em fevereiro, ele pediu dinheiro para se esconder de uma gangue que procurava liquidá-lo.

Falei sobre K aos agentes e eles passaram a trabalhar em cima dessa pista. Encontraram sua ficha nos registros policiais, bastante suja, e insistiram em obter impressões digitais. Experiente, Alex viu o que as peritas de domingo não conseguiram ver: a mão completa de K desenhada na tela da TV (para desconectar o vídeo, ele teve que afastá-la apoiando com a mão esquerda). Animado com a descoberta, o agente levou a TV até a Polícia Técnica confirmando que as impressões eram mesmo dele.

Lado triste
Liguei para a mãe do acusado falando das investigações e do meu prejuízo (aproximadamente R$ 10 mil). Perguntei se podia ajudar-me a encontrá-lo, mas ela não sabia o paradeiro do filho. Entretanto, se dispôs a acompanhar a diligência policial até um sítio da família aonde ele poderia ter se refugiado. Coincidentemente, no exato momento em que saímos para apanhá-la, K a procurou em seu local de trabalho. E ela avisou: "ele está aqui; você pode abordá-lo, ele não é violento".

K vestia a bermuda comprada em Cobija e uma blusa vermelha, mesmo assim negou a acusação. Fiquei sem saber o que dizer, até que os policiais o agarraram levando-o para o carro (descaracterizado) que tinham estacionado em frente. Eu havia solicitado e insisti que não o molestassem. Afinal, nem havia formalizado queixa.

O trato foi cumprido em termos. Devo admitir que Alex jogou duro ao colocar algemas nas mãos de K, voltadas para trás, advertindo sobre o que lhe aconteceria se não revelasse para quem tinha repassado os objetos roubados. K ficou assustado e apontou um traficante do bairro da Base como receptador. Depois argumentou que se voltasse para a Penal seria morto lá dentro, por ordem expedida de fora do presídio.

Os agentes fizeram uma visita ao traficante às 17h, mas nada encontraram. À noite, porém, a mulher dele foi à Central de Polícia entregar quase todo o material roubado. Faltaram duas jóias e os filmes DVDs, entre os quais "O Cidadão Kane", de Orson Welles, e o "O Sacrifício" de Andrey Tarkovsky.

O risco é grande
Fiz o relato por acreditar que a sociedade de Rio Branco, de um modo geral, não imagina o que acontece perigosamente em sua volta. O viciado K, filho de boa família, torna-se a cada dia mais perigoso e dependente, e como ele tem muitos alimentando enorme rede de traficantes.

O esquema funciona com ligações dentro do presídio e, supostamente, em algum braço da polícia. Graças a essa rede criminosa se amplia a distribuição de drogas e o aliciamento de menores, bem como a ousadia dos assaltos e furtos com a participação de viciados dependentes.

A situação é apavorante quando se a vê de perto. E atordoa. Num dado momento em que o agente Alex informou ao delegado Walter Prado, por telefone, que estava com a "vítima" (eu) dentro do carro, cheguei a pensar se a vítima não era o jovem K.

Fonte: A Gazeta
Foto: Márcia Correa

Um comentário:

Anônimo disse...

Grande Elson.
Como diria o velho e bom Roberto Carlos: Tudo certo, como 2 e 2 são 5...
Rio Branco é minúscula e a regra simples: Conhecemos os bandidos e a polícia. O crime é profissional e a policia continua amadora e funcionando quando há relações pessoais que a movimentem.
Gosto do Walter Prado e concordo contigo que é um gentleman, mas o apoio que te foi dado nem de longe era institucional, como deveria e é faz muito tempo esperado pela sociedade.