Walmir Lopes
Algumas pessoas jovens imaginam que trio elétrico é invenção de baiano. Outras, bem mais velhas, acham que foi o diabo quem inventou pra atazanar nosso juízo. A mim, embora pertença cronologicamente ao segundo grupo, cabe discordar de uns e de outros, expondo aqui minhas razões.
Acho que os baianos e o diabo fizeram uma cópia barata, vulgar e sem o romantismo do modelo original. Esse modelo de show musical itinerante nasceu no Acre, mais precisamente no seringal Bagaço, sendo seu criador a grande figura de João Barros, carinhosamente chamado de “João Barrão” - provavelmente para diferenciá-lo de um filho com o mesmo nome.
Com sua embarcação, espécie de rebocador tracionado por um possante MWM, semanalmente subia com destino a Rio Branco. Arrastava a reboque em sua esteira espumante, uma fileira de pequenas embarcações de colonos ribeirinhos, as quais, sem autopropulsão e tendo os braços de seus donos entorpecidos pelo afago da enxada e do terçado, somente com muita dificuldade alcançariam a remo o porto da capital.
Para comercializar sua produção ou levar seus doentes ao encontro dos cuidados médicos, fazia-se mister o apoio logístico daquele anjo benfazejo do Bagaço. Na minha curiosidade de menino, cheguei a contar vinte canoas de uma só vez. Não bastasse isso, o comandante ainda brindava seus “passageiros” com um verdadeiro show de luzes e sons, encantando também a todos por onde passava.
Os lampiões dos barracões e as lamparinas dos tapiris não se apagavam à noite, enquanto não cruzasse através da ferrovia líquida, aquela locomotiva arrastando seus pequenos vagões, cujo apito de alerta a prenunciar sua passagem era substituído pelo canto de um Francisco Alves, uma Dalva de Oliveira, um Orlando Silva. De quebra, uma valsa de Strauss ou um tango de Gardel.
A variedade era grande e atendia todos os gostos. Essa sonoridade saía de velhos long plays, que através da agulha de uma radiola e de potentes alto-falantes espalhavam generosamente suas melodias, que em ondas suaves, interpenetravam a tudo e a todos.
Nessa passagem, o comboio feiticeiro nos mantinha presos à beira do barranco, até que ultrapassasse a segunda ou terceira curva, quando nossos ouvidos já não captavam mais sua presença, e então nos liberava.
Na seqüência, lampiões e lamparinas amortizavam uma a uma suas luzes, como pequenos vagalumes após uma noite de amor. Grande João Barros, do Bagaço! Você impressionou pra sempre o coração daquele menino!
P.S.: Caro Altino, esta crônica retrata um passado ainda bem presente em meu coração e minha memória, apesar dos 50 anos passados desde então. Realmente era fascinante. No entanto, por mais que eu me esforce em reproduzir os fatos, somente quem assistiu à passagem desse comboio em noite de lua cheia pode assimilar conceitualmente o que sinto. Abraços a você e à amiga Leila Jalul.
Walmir,
ResponderExcluirSou integrante de um grupo de folguedo,o Marupiara Jabuti-Bumbá, que faz uma homenagem aos padres, José e Peregrino em uma de suas letras e músicas. O César Farias tem também uma música que fala do João Barrão,que diz a letra que nem o boto feiticeiro era mais sedutor do que ele."O regatão,o seu João,no banzeiro do amor...lá se vai o seu João,o regatão, João barrão...Um abraço, Silene Farias
Cara Silene,
ResponderExcluirFico feliz sabendo que há pessoas que procuram salvar a memória do nosso Acre através da exaltação merecida de pessoas que só fizeram o bem e transmitiram alegria gratuitamente, a exemplo do João Barrão, que tive o privilégio de conhecer pessoalmente, sendo testemunha pessoal de sua personalidade alegre e carismática. O César Farias acertou na veia. É isso.
Um grande abraço e obrigado pelo comentário. Walmir
João Barrão era meu avô. Nunca vivi nenhuma dessas maravilhosas experiencias pq nasci em SP. Mas ouvi muitas historias boas dele. Fiquei muito emocionada com o texto e hj 12/6 é aniversario do meu avô, esse grande acreano! Abraços
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