segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

DIREITO DE RESPOSTA

Leila Jalul

Não havia naquela época as grandes baterias de fogos de artifício. Nem existia Xitãozinho nem Xororó. Nem Zezé de Camargo e Luciano. Nem Fafá de Belém. Não faziam falta. Os comícios eram animados por forrozeiros como o Seu Vicente, pai da Anita, do Ventola e do Luziel, além dos músicos da extinta Guarda Territorial, estes, evidentemente, nas horas de folga.

Não havia cachê nem promessa de emprego ou coisa que corresponda. Eram festas animadas, apenas e tão somente, com o sal e o açúcar das "ideologias". Festa limpa. Espaço para remendos e transas coligantes, nem pensar. Eram os rabos grossos contra os rabos finos. E c’est fini.

Tudo muito bem organizado e encabeçado pelas duas lideranças, ou pelos dois próceres, como queiram os afinados com o português castiço. De um lado, o coronel Oscar Passos. Do outro, o não menos patenteado coronel José Guiomard dos Santos.

O primeiro, um homem de caserna e, o outro, um príncipe. Se tiver termo de comparação, e tenho, o primeiro parecia com o general Figueiredo, o segundo tinha ares do atual Rei de Espanha. Homem de fino trato. Aristocrata. Não tenho a menor dúvida em afirmar que o Acre conheceu imperadores, ditadores, lordes e plebeus ilustres, mas, príncipe, príncipe, mesmo, só o coronel Guiomard.

E vamos aos comícios. Os do opositor, Oscar Passos, aconteciam, normalmente, na praça onde era o bebódromo. Os do homem da situação, numa praça de esportes bem na frente do Palácio Rio Branco. Coisa de doido.

Nas reuniões preliminares, dona Lídia, esposa de Guiomard, distribuía pequenos saquinhos com balas e cinco “merréis” dentro para que a meninada fizesse a claque: "Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!" Corrupção e prostituição são coisas velhas. Mais antigas que as pirâmides do Egito.

Quando a festa já estava animada, lá subiam os oradores. Era o momento em que se perfilavam os futuros “autonomistas”. Mas tinha momentos de baixaria. Lá na praça do opositor, uma marchinha entoada pelas “oscaretes”, de forma aviltante, insultava e denegria a honra das meninas do Guiomard.

“A Biricada está ficando louca/ andando pelas ruas, tirando as roupas/ mostrando as calças para todo mundo ver/ a bandeirola do tal do PSD..."

Dona Lídia chamava, a mim e a outros dois ou três pivetes, e nos mandava, com urgência, ver o que estava acontecendo na outra praça. Posso dizer, então, que comecei minha vida como “olheira”. Cacilda.

Tinha nada não. As irmãs Birica, no próximo comício, dariam o merecido troco, pode crer. O que é bom tá guardado. E estava. No comício seguinte, antes dos discursos autonomistas, as irmãs entoaram de forma garbosa e vingativa, cientes da vitória e de alma lavada, a marcha que, se não a reproduzo com fidelidade, com certeza, é a que melhor traduz a indignação:

“Seu Oscar Passos, ponha cobro em sua gente/ esse povinho anda falando mal de nós/ Tome cuidado e vê se se orienta/ Onde a gente bota a bunda/ O senhor não bota a venta".

"Já ganhou! Já ganhou! Já ganhou!" Vitória garantida, todos de mãos dadas. Igual a hoje, igualzinho a sempre. Tudo como era antes no quartel de Abrantes.

Mas, a bem da verdade, contam que não foram as minhas heroínas - as irmãs Birica - que estavam totalmente quietas e nos seus lugares. Dizem que minha amiga Maria era mordaz por excelência. Que foi ela quem arengou primeiro. Pelo sim, pelo não, vale mesmo é contar o caso. Uma música que virou marchinha de carnaval era cantada com muita paixão. A música dizia:

"Que pena, que pena/ segure a macaxeira direitinho, mas não gema.../Há um ditado bem certo, bem certo e verdadeiro/ de que feitiço mal feito, vira contra o feiticeiro... Que pena, que pena, segure a macaxeira direitinho, mas não gema...."

Uns acreditam que esse negócio de macaxeira tinha a ver com a branqueza do coronel Guiomard. Duvido, santa. Du-vi-de-o-dó! Desde aquele tempo os santos desviam caminho daqui. Quem souber melhor, se pronuncie.

Leila Jalul é cronista colaboradora do blog.

9 comentários:

  1. Anônimo12:04 AM

    Leila,
    A macaxeira da musíca, era porque o Guiomard tinha o apelido de Zé Macaxeira,pois prometia criar muitas casas de farinha para o povo.Silene Farias

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  2. Anônimo6:48 AM

    Leila, gosto da vitalidade de seu textos e por isso já gosto de você. Um abraço.

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  3. Anônimo6:49 AM

    Leila, gosto da vitalidade de seus textos e por isso já gosto de você. Um abraço.

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  4. Anônimo8:59 AM

    Silene Farias, obrigada pelo esclarecimento. Consegui me lembrar que houve uma passeata com um carro lotado de macacheira, mas a razão me era desconhecida. Vem você e me reforça a idéia de que tudo está como d'antes no Quartel de Abrantes. A marchinha é atualíssima, ora pois!
    Um beijo e me ligue, quero recuperar outras passagens. Ou me mande um e-mail - jbretz@brturbo.com.br

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  5. Anônimo9:06 AM

    Meu prezado Juarez, me diz muito seu elogio e mais ainda a afirmação do seu gostar. Obrigada!!
    Um dia, a Deus querer, vou escrever melhor. Matéria prima não falta.
    De novo, muito obrigada!

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  6. Anônimo1:55 PM

    Silene / a propósito do seu comentário, Guiomard Santos foi responsável pela implantação de muitos dos "núcleos agrícolas" nos municípios acreanos. Epitaciolândia resultou da evolução de uma Estação Agrícola, onde se processava a produção de mudas, produção de açucar mascavo, mel, rapadura, etc. Esse programa de governo foi, depois, fortalecido por Valério Magalhães. O que é importante considerar é que com esse programa contribuíram para fortalecer o processo histórico de transição da economia da borracha para uma economia de base agrícola que terminou sendo abortado nos anos setenta. Depois desses dois governadores, José Augusto e Geraldo Mesquita retomaram, evidentemente, em bases mais avançadas, essa idéia de construção de uma transição.

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  7. Anônimo8:32 PM

    Leila,
    Acho que suas crônicas ficariam bem em um programa de rádio,na Voz da Selva de preferência,as músicas seriam selecionadas pela Detinha.que tal?Silene Farias.

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  8. Anônimo6:53 AM

    Mário, agora está bem esclarecido. O projeto do Guiomar era coisa séria e atendeu um período de transição. Valeu o comentário.

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  9. Anônimo7:11 AM

    Silene, por enquanto, estou num casamento maravilhoso com o Altino. Tenho também um chamego com o Elson.
    É cedo ainda para me jogar em outras aventuras. Mas vou guardar sua dica! É sempre bom ter o Aquino no banco de reserva!!! rs
    Estou brincando, a verdade é que estou aprendendo muito com o Altino e, se o caldo engrossar, é possível que a gente faça um "livrinho". Estou gostando muito dessa dinâmica virtual. O negócio é tão bom, tão limpo, tão ágil e traz um consolo: se virar coisa ruim, na vai para o lixo comum, mas para uma chiq lixeira eletrônica.

    Mais uma vez, entra em contato direto comigo, ou por telefone, ou por e-mail.
    Vai lá - jbretz@brturbo.com.br
    Beijo

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