sábado, 26 de agosto de 2017

Advogado: "Indígena huni kuin é perseguido por igrejas evangélicas, polícia e judiciário"

O advogado paulista Konstantin Gerber, que atua na defesa do indígena Raimundo Nonato Rodrigues de Carvalho, 37, preso em Feijó (AC) suspeito de estupro de vulnerável e porte de cocaína em rapé, enviou neste sábado (26), uma nota como direito de resposta. 

Konstantin Gerber

Na qualidade de advogado de defesa de Bainawa Inubake, diante da divulgação de sua foto e nome, solicitamos correções e respostas às ofensas publicadas nas matérias do “Blog do Altino Machado”:

Direito de resposta - Liberdade Bainawa

1. A escrita de seu nome na língua Hãtxa Kuĩ” é Bainawa Inubake. Em sua língua, seu nome significa caminho do céu.

2. No post de quinta-feira, 24 de agosto de 2017, onde se lê que “(...) Raimundo Nonato Rodrigues de Carvalho, de 37 anos, foi flagrado com rapé contendo substância derivada de folha de coca (...)” e que “(...) a Polícia Civil do Acre cumpriu, na tarde de 5 de agosto, em Feijó, mandado judicial de prisão, pois ele é acusado por parentes de sua etnia de estupro de vulnerável”, ambas passagens do texto devem ser corrigidas.

3. O inquérito do processo em que é acusado de violência sexual (estupro) não foi concluído, seguindo em segredo de justiça, mas caso a suposta vítima se retrate da falsa denúncia, este segredo de justiça deve ser imediatamente levantado pelo juiz.

4. Processos judiciais podem ser instrumentalizados para fins de perseguição política, ainda mais, quando se tornam midiáticos. Campanhas difamatórias podem gerar danos irreparáveis.

5. Se existem conflitos familiares na aldeia em que Bainawa Inubake foi criado, hoje praticamente toda evangelizada, isso deve ser levado em consideração. Não é de hoje que existem notícias de conflitos familiares entre Huni Kuĩ evangelizados e aqueles que exercem o modo de vida e defendem a cultura Huni Kuĩ tradicional.

6. Se existe comportamento machista deste ou daquele, é preciso discutir e debater o tema da violência contra a mulher com todas e todos Huni Kuĩ. Além do mais, existem casos de crimes, porém, os nomes destes indígenas nunca foram expostos, o que pode colocar as vítimas, sobretudo de assédio ou violência sexual, em situação de opressão e terror com medo de denunciar. Nenhum indígena até agora foi denunciado e anunciado como feito neste momento pela Fephac por crime de estupro pelo blog de Altino Machado, justamente contra a pessoa de Bainawa Inubake.

7. Estamos pedindo que o caso de Bainawa Inubake seja levado para a justiça Huni Kuĩ, para que o direito costumeiro deste povo seja respeitado, nos termos do art. 8.1 da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

8. Agora, se comprovado de que se trata de uma campanha difamatória motivada por intolerância religiosa contra Bainawa Inubake, este deverá ser absolvido.

9. A decretação da prisão preventiva derivada deste processo teve por fundamento a declaração da suposta vítima, mas não só. Em cumprimento à ordem de prisão, Bainawa Inubake, quando estava a caminho para a assembleia da Fephac, foi preso em flagrante por transportar medicina indígena.

10. Deve ficar claro que à época da expedição do decreto de prisão preventiva, Bainawa Inubake estava ministrando tratamentos como pajé, conforme atas de reuniões da aldeia novo segredo.

11. Aí vem a notícia derivada de laudo de constatação da Delegacia de Polícia do Município de Feijó - preliminar ao exame toxicológico - de que havia cloridrato de cocaína no rapé que transportava. Ora, é sabido e consabido que o rapé é medicina indígena a conter tabaco e cinzas de cascas de árvore.

12. O tabaco é conhecido como Dume Putu tendo como guardião espiritual Heske, que é o chefe do tabaco. O rapé é utilizado em cerimônias, em relaxamento depois do trabalho e em rituais de cura. É agente de comunicação com o espírito da floresta.

13. O rapé vem também referido no livro da Cura Una Isi Kayawa como “importante medicina do conhecimento tradicional”, afirmando-se que “conecta com o espírito de cura”, página 81.

14. No Brasil, traficante é quem a polícia quer que seja. O modus operandi é de violação sistemática ao devido processo legal em todo território nacional, com a maioria dos processos de tráfico contando como única prova do crime o apenas e exclusivo testemunho de agentes do Estado.

15. Bainawa Inubake é cacique (líder da aldeia Novo Segredo) e presidente do Centro de Cultura do Espírito da Floresta Yurubaka Nai Bai Yuxibu Baibu composto por pajés Huni Kuĩ do Rio Envira, sendo responsável por reestruturar e expandir a cultura do conhecimento tradicional Huni Kuĩ, com valorização e respeito dos mais velhos (anciões) nas aldeias do Formoso, Mē Txanaya, Novo Segredo, dentre outras.

16. Bainawa Inubake é um pajé e possui a formação da jiboia e as chamadas formações com a Mucá (batata sagrada) e com o Nixi Pae (conhecido também como ayahuasca).

17. É pai de família (pai de cinco filhos e mais um sexto vindouro), casado com Samã Yurubakã, que está grávida de oito meses, que é pajé e agente de saúde. Samã realiza em conjunto com seu par, importantes projetos nas aldeias do Envira focados na saúde, na educação e na cultura do povo Huni Kuĩ do rio Envira.

18. Bainawa Inubake trata-se de um txai, pajé, cacique, “txaná” (músico, artista) tem formação em educação, foi professor, alguém que se preocupa com projetos educacionais, culturais e de saneamento. Homem de caráter, correto, íntegro, respeitoso, moralmente reto. Não admite deturpações e manipulações contra os povos originários e suas medicinas. Trata-se de defensor nato dos direitos dos povos originários que está sendo perseguido e desvalorizado por igrejas evangélicas, polícia e judiciário, em meio a um castelo teórico para imputar crimes sem provas.

19. Bainawa Inubake participou de diversos festivais no Estado de São Paulo, levando para o espaço público respeito, valor e sensibilidade do povo Huni Kuĩ, em atividades até agora sem fins lucrativos, procurando-se comunicação constante com a Fephac para cumprimento e preenchimento de todos os requisitos do Estatuto desta. É protagonista do documentário premiado internacionalmente “Os últimos guardiões Huni Kuĩ” (https://vimeo.com/191013483). Sua intenção é continuar produzindo festivais de cultura, apresentações artísticas e livros didáticos.

20. Com o intuito de fomentar a economia sustentável ao longo das aldeias, foi desenvolvida uma produtora cultural no Estado de SP e está em vias de estruturação uma associação para defesa dos patrimônios culturais Huni Kuĩ e Guarani. Dentre os objetivos, está o de constituir uma rede de economia solidária, com fomento ao artesanato e à agrofloresta, e também reerguer a OPIRE (Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira) de modo a instituir protocolos comunitários com declarações de princípios para medicina indígena e divulgação da cultura.

21. No atual momento, alguns dos objetivos centrais do Conselho do Centro Yurabaka Naibai Yuxibu Baibu consistem em contribuir para: saneamento básico; construção de casa de reza; construção de casas de parto; auxílio às parteiras; oferecimento de transporte; estabelecimento de infra-estrutura para comunicação; criação de radio web; construção de estúdio de música mantido por energia solar; projetos de energia solar; monitoramento de terras indígenas; e projetos educacionais e culturais para defesa da cultura do povo Huni Kuĩ.

22. Esclareça-se, por fim, que medicina indígena é: direito humano, art. 31 da Declaração Universal dos Povos Indígenas da ONU; e que está está definido e protegido como conhecimento tradicional pelo art. 2.2 d) da Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial de Salvaguardas da UNESCO, bem como fartamente disciplinado pela Convenção e Lei da Biodiversidade.

23. Liberdade Bainawa!

Rio Branco, 24 de agosto de 2017

Konstantin Gerber
OAB-SP 290.415

3 comentários:

Unknown disse...

Conheço o Bainawa. Trata-se de um homem correto e divulgador de suas origens. Trata-se de um índio trabalhador e batalhador de seus objetivos. Rogo a Deus que a justiça seja feita, e libertem o Baianawa o mais rápido possível. Haux haux

Gabrielle Canela Souza disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jorge Oliveira disse...

As práticas evangélicas se mostram cada vez mais fanáticas e intrusivas, sendo a maioria absoluta dos orientadores voltados para a captação de dinheiro das pessoas mais simples e pobres, através do convencimento provocado por drama e embuste teatral, além de transe psicológico.
É absolutamente criminosa a infiltração e protagonismo destes vigaristas religiosos na desculturação indígena e deformação de religiosidade que é amparada pela sabedoria ancestral, entidades e plantas que cultuam.
Intervir na cultura indígena é crime de lesa-povo.