terça-feira, 13 de setembro de 2016

Torturas, mortes, meninos e lobos no Acre

POR SÉRGIO DE CARVALHO 


O Acre já enfrentou um grupo de extermínio e sabe bem a marca sangrenta que o Esquadrão da Morte deixou em sua história.

Os que exaltam assassinos como heróis e confundem Justiça com vingança são incapazes de compreender o mal que é viver em uma sociedade autoritária, arbitrária e fascista.

Se compreendem, uma pena, não diferem dos que exaltam.

Estamos vivendo uma constante tensão com o surgimento de facções criminosas no Estado e o consequente aumento da violência.

(Que pena! Já vi este filme quando morei no Rio e sei como é triste uma cidade partida por facções em guerra entre elas e com o Estado. Pra variar, sobra pra população, sobretudo a negra, índia e pobre.)

Facção criminosa traz a cultura do tráfico. A música do tráfico. A violência do tráfico. Esta cultura daninha se alastra pior que praga e alicia uma juventude vulnerável e sem oportunidades. Negra, índia e pobre.

Invisível, que apenas ganha visibilidade ao cometer um crime ou quando queima ônibus. Sua maneira cruel de dizer: existimos.

O remédio para isso é cultura, educação e oportunidade. Pode ser até clichê social, mas, sinceramente, não vejo outra saída. Outro caminho. Cultura, educação e oportunidade.

O que me assusta, entretanto, o que me deixa preocupado, entretanto, é a completa inabilidade que o Estado e a sociedade civil tem para lidar com a questão.

Frente ao problema, repleto de preconceito e sede de retaliação e vingança, afinal de contas, morrem policiais, pessoas, bens são roubados, queremos sangue. Queremos corpos empalados com barras de ferro, queremos marginais amarrados em postes.

Damos legitimidade aos abusos policiais. Ao assassinato. Agora, ao estupro. Ao policial, que também é vítima, cabe o trabalho sujo de limpeza social.

Tenho visto declarações de agentes da lei, declarações públicas, nestas mesmas redes sociais, pregando o olho por olho dente por dente. Como se a violência fosse a solução.

Postagens perigosas, inflamadas, passionais, vingativas, que ficariam bem em Gotham City, mas que não deveriam ganhar espaço em uma sociedade que sabe na carne o que é ser dominada por milícias.

Nas palavras do próprio subcomandante da Polícia Militar do Acre, emocionado com o assassinato de um colega de trabalho:

— A ação da Polícia Militar foi rápida: fizemos o cerco e um dos meliantes veio a óbito após colocar em risco a integridade física de uma outra guarnição. O outro se entregou. Infelizmente, está vivo, posso dizer dessa maneira: não teve a hombridade de reagir. Por isso, está vivo. E a nossa ação vai ser sempre assim, pesada. Toda e qualquer ação contra os nossos policiais militares nós vamos dar respostas. Pode ter certeza que nós vamos ter respostas durante esses dias.

Que tipo de respostas?

Postagens com silêncio absoluto de seus superiores. Não é um jogo de vida e morte. De ação e reação. De justiça com as próprias mãos. De ameaças. Esta não é a função da polícia. Ao menos, não deveria ser.

Diferente de dar uma resposta dura a ações que precisam de urgência e repressão, dentro da legalidade, como ocorreu aos últimos ataques incendiários, fazer justiça com as próprias mãos é um erro.

O crime (leia) envolvendo um menor de idade, não importa se é filho de um traficante, é um escândalo. Se for comprovado que foi realmente cometido por agentes do Estado, este deve se retratar, cuidar da vítima e da família. Da mesma maneira que deve prestar toda a assistência à família de policiais feridos ou mortos, como, tristemente, vem ocorrendo por aqui.

O Estado não pode ser agente de vingança. O menino foi torturado e penetrado por uma barra de ferro.

Se não foram agentes da lei, se foram membros de outras facções ou quem quer que seja os autores de tamanha brutalidade, estou horrorizado do mesmo jeito, frente à onda reacionária que encontro nos comentários das postagens com a matéria sobre o crime.

Não podemos cair na cegueira de acreditar em um estado policial. Em acreditar em Bolsonaros ou Hidelbrandos.

Aos que pensam que estou defendendo bandidos, que estou sendo imparcial e não penso nos policiais também mortos, um grande engano.

Penso em todos nós e alerto: uma sociedade assim torna-se facilmente genocida, fascista e este é o pior caminho que poderemos seguir.

Sérgio de Carvalho é escritor e documentarista