terça-feira, 2 de setembro de 2014

Dona Teresinha, ex-patroa de Marina: “Casa era de madeira, coberta de palha"



Dona Teresinha Lopes, 83 anos, foi patroa de Marina Silva quando a presidenciável tinha 14 anos, embarcou num ônibus e percorreu 70 quilômetros do seringal Bagaço até Rio Branco (AC) para trabalhar como empregada doméstica.

Casada com o professor Dagmar (falecido), mãe de oito filhos, dona Teresinha foi avisada por uma cunhada que uma adolescente procurava trabalho. Durante o ano que passou com a família Lopes, de 1974 a 1975, Marina lavava, passava e cozinhava e montava altares com santinhos de papel, usava cueiro como véu, rezava e sonhava em largar o trabalho de doméstica para ser freira.

Em outubro de 2010, quando abriu seu apartamento em Brasília pela primeira vez à imprensa, para conceder entrevista exclusiva ao Terra (leia), Marina se emocionou ao falar de quando deixou o Seringal Bagaço apenas com um saco de pano nas costas e poucas mudas de roupas dentro, controlando-se para não chorar, para começar a sua trajetória como empregada doméstica:

- Eu fui fazendo escolhas aparentemente impossíveis. Você me pegou de surpresa ao fazer me lembrar disso e agora eu respondo: valeu a pena ter deixado aquela família, sem conseguir olhar para trás, adiando o choro dentro do ônibus até que ficasse escuro para que eu pudesse chorar e ninguém me visse chorando. Tudo valeu a pena porque hoje eu posso sorrir e dizer que aquelas lágrimas semearem muita esperança para mim, para minha família e para os ideais que eu acredito – disse.

Abaixo, a entrevista com dona Teresinha, que é da Igreja Messiânica:

Quando Marina veio morar em sua casa?

Ela tinha 14 anos. Quando Marina chegou a gente nem sabia o que fazer. Ela dormiu na mesma cama com uma de minhas filhas, a Silene, que já faleceu, que tinha a mesma idade dela. Dizem que fui patroa, mas a gente era tão pobre quanto a família da Marina. A nossa casa era de madeira, coberta de palha. A diferença era que a gente morava na cidade. Quem já morou em casa de madeira sabe o que é uma pernamanca, uma madeira grossa, onde são afixadas as tábuas da parede. Ela e Silene forravam a madeira com papel branco e botavam santinhos de papel. Usavam os cueiros dos meninos como véus e iam rezar. A intenção delas era ir para um convento rezar, orar, pedir a Deus.

Era um tempo muito difícil.

Sim, dificílimo. Tudo apertado. Meu filho Heimar, que trabalhava no Incra, ia pra mata, passava semana lá, e chegava com as calças capazes de ficar em pé de tão sujas. E a pobre da Marina estava aqui, tinha o que comer, e dava a mãozinha dela lavando as roupas do meu filho, passando a escova, tirando a lama. Ela chegou com poucas roupas. As roupas de Silene eram poucas, mas ela dividia com Marina. O pouco junta com outro pouquinho e fica muito.

O que Marina não sabia fazer quando chegou em sua casa?

Ela não sabia cortar nem fritar bife. Eu era muito elogiada por causa de meus bifes. Ela também tinha dificuldade de temperar o feijão. Mas eu ensinei a ela a fazer um bifezinho com molho, acebolado. Pra você ter ideia, a gente nem tinha forno. Nós tínhamos um fogão de barro de uma boca. Era uma lata de querosene partida ao meio, preenchida com barro, tendo uma boca. Era naquele fogão que a gente cozinhava. Aí a gente botava a lenha, soprava ou abanava para ficar no ponto de cozinhar. Fazer o arroz era fácil, mas cozinhar o feijão era muito mais difícil. Muitas vezes não tinha carvão e a gente usava gravetos. Comprar carne em Rio Branco era difícil, faltava. A gente comia mais conserva, enlatados. Era um tempo muito difícil, que passou, e vencemos.

Ela era tímida?

Demais. Era retraída. A gente ficava conversando e ela não entrava na conversa.

Patroa da Marina…

Esse termo de patroa é exagerado. Eu também era quase um caldo de pedra. Marina chegou e era uma a mais na família de dez pessoas. Além de mim e do meu marido, os meus filhos: seis mulheres e dois homens. Marina é que sempre ma chamou de patroa, talvez porque a casa era minha, tudo era meu. Mas a gente levava uma vida muito humilde. Marina veio de uma família muito humilde e chegou onde chegou. Nasceu com uma estrela brilhante. Ela tem muita luz, muita força, garra. Imagina uma criança que saiu da casa onde morava, no seringal, e mudou para a cidade para melhorar a vida, em busca de saúde, pois ela era muito doente. Seja como fosse, Rio Branco era uma cidade.

Qual era a doença?

Acho que era malária. Era um moreno pálido. Às vezes, quando a vejo falando, fico é com pena e penso ‘coitada de Marina, ela ainda tem alguma coisa de malária’.

E quando ela saiu?

Depois de um ano e alguns meses. Ela foi pro colégio São José, das freiras. Quando estava aqui, o sonho dela e da Silene era ser freira. Então foi bom ela ter saído, pois foi para um cantinho melhor do que na minha casa. Foi pra seguir o que ela falou quanto chegou aqui, de ser freira, induzindo minha filha, que acabou foi sendo indicada para miss e só não se candidatou porque o noivo não deixou.

Depois se distanciaram?

Eu costumava ver Marina casualmente, no centro, e nos cumprimentávamos. Uma vez ela viu o Dagmar, meu marido, e parou o carro para dizer para uma pessoa: “Esse aqui foi o meu primeiro patrão”. Que a história de Marina sirva de exemplo para os jovens de hoje. Não é desonra uma pessoa trabalhar em casa de família.

Caso Marina seja eleita, a senhora certamente será convidada para a posse. Qual a sua expectativa?

Não sei se vou aguentar tanta emoção. Mas eu sou muito forte, pé no chão, e já enfrentei muitas coisas. Que Marina bote o pé no chão, tenha garra e faça o que promete. Dê direitinho o que o povo merece. Vou votar nela, como sempre votei. Vou votar enquanto eu respirar, nem que seja em cadeira de rodas.

5 comentários:

o autor do blog disse...

Bela matéria, Altino. Tocou fundo no meu coração. É desse sentimento, da Marina e de dona Terezinha que o Brasil precisa. Parabens! (Elson Martins)

Jozafá Batista disse...

Pois eu vou discordar. Essa superioridade da pobreza, apresentada como sinônimo de competência administrativa assim, sem mais nem menos, deveria soar no mínimo estranha a qualquer mente racional.
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Na verdade até soa, mas as pessoas preferem ignorar. Porque a transformação da pobreza em virtude moral (e administrativa, no caso) é algo tão disseminado que aceita-se esse embuste sem questionamentos.
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Leio esse texto e vejo alguém que teve várias dificuldades financeiras e conseguiu, com inteligência e méritos, superar tudo isso. Mas é só. Isso não garante que o seu programa de governo, que suas ideias para o Brasil, são as melhores. Não garante nada.
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Me lembro dos escritos do Nietzsche sobre ressentimento. Sobre como a cultura ocidental transo ocidente transformou todo tipo de degeneração humana (pobreza, humildade, doença etc) em coisas positivas, interessantes, aprazíveis.
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Talvez seja por isso que todo candidato faz questão de se mostrar, a cada eleição, mais amigável, sorridente, um batalhador. Gente como a gente!
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É quase como se a história não estivesse cheia de exemplos de pessoas com origem pobre que cometeram todo tipo de equívocos, inclusive crimes. De negros que ajudavam a capturar escravos fugitivos a uma certa geração de políticos que dá entrevistas "miando" ao invés de falar.

o autor do blog disse...

Eu não falei em "superioridade da pobreza", Josafá. Na verdade,quis dizer outra coisa. Desculpa se não me fiz entender.(Elson Martins)

Alma Acreana disse...

Foi bom o sociólogo Jozafá falar de ressentimento, pois o único ressentimento que se dá entender neste texto é o de quem o sugere.

Engraçado que a Marina está entrando para a história como uma das únicas pessoas que é questionada justamente por ter uma história honesta. Por não terem argumentos razoáveis que a comprometam apelam para esse discurso fajuto de culto a sua própria pessoa. Como se fôssemos proibidos de dizer o que somos.

Quanta ingenuidade pensar que as pessoas simpatizam com Marina apenas por conta de sua história, já que nem mesmo a maioria dos acreanos e ainda menos os brasileiros a conhecem mais profundamente.

Já que o prezado Jozafá é da academia e gosta de referências, trago Sartre, que dizia que nós não somos produtos do que os outros fizeram de nós. Nós somos resultado das nossas escolhas. E a Marina que hoje ganha destaque em toda a mídia do país é aquela que escolheu, ainda anônima, ser coerente consigo mesmo. E quem não é coerente consigo, é fantoche dos caprichos alheios.

A Marina não precisa de santificação, nem que a encerremos numa redoma de cristal, como a imaculada. Não seria honesto. Assim como é desonesto o discurso que tenta maculá-la porque ela ousa dizer que foi levantada do chão, porque é fruto de uma vida coerente, e não produto de um momento. Mesmo que a Marina tivesse tão só a sua história, sem dúvida, com o que aí está, ainda deixaria a todos no chinelo.

É óbvio que o fato de Marina ter uma biografia decente ou ter sido quase misérrima não assegura nenhuma garantia para um bom governo. O único lugar em que pobreza serve como critério é nos programas assistenciais dos governos.

Agora, pela história que tem, Marina não pode governar sem ela. Perder as suas raízes equivaleria perder o horizonte norteador de vista.

Se fosse um homem piedoso e temente a deus, teria pena dos homens que se dizem críticos e de consciência esclarecida, sobretudo quando colocam água na lamparina pensando ser querosene, aumentando a bruma em vez de expandir a luz.
Mas “Eles não me compreendem: não sou a boca para esses ouvidos”. Assim falou Zaratustra, mas poderia ser a Marina.

Felicitações Altino e Elson!

Jozafá Batista disse...

Isaac, fica frio. A verdade é que tem ressentimento pra todo gosto. Já vi ressentimento contra título acadêmico, veja só! E nem deveria: as universidades brasileiras nem são tudo isso.
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Até concordo com a tua crítica ao discurso da inadequação da candidata em função de sua origem. Problema é que eu não vi isso por aí, em lugar algum. Vi o oposto: o reconhecimento dessa superação como algo legal, positivo para ela. Mas essa ideia - "São contra nós porque não passaram pelo que passamos, não sofreram, não viveram as nossas dores" - é o pressuposto básico para a ideia de superioridade moral dos fracos.
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Entenda, não acho nem um pouco errado qualquer pessoa falar de sua trajetória de vida, de suas superações. Mas, na política, sabe o que isso garante? NADA. Condoleeza Rice, Sarah Palin, Barack Obama, Lula, todos tiveram essa origem "humilde" que supostamente melhora as pessoas. O resultado está nos jornais. Aqui no Brasil não temos muitos exemplos disso somente porque a nossa democracia formal é oligárquica. Mas vamos aprender isso também - e não demora.
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Essa história de raízes, de identidade cultural, de alguém saber fazer porque já passou por aquilo, é só propaganda eleitoral. Ou auto-imagem messiânica, o que geralmente se confunde, no caso das eleições no Brasil. Desde Getúlio.
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Você cita Sartre para afirmar que somos resultados de nossas escolhas. Saiba que isso significa justamente o oposto do que você está tentando argumentar. Para Sartre, os indivíduos são capazes de reformular o seu acervo referencial, isto é, suas experiências, e criar novas possibilidades de existir e interagir no mundo.
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A questão então passa a ser: o que a Marina quer com o André Lara Resende? Como ela vai lidar com esse lobby teocrático que ronda o Brasil? Que tipo de política econômica e fiscal vai adotar? Veja, importa agora os seus programas de governo. Não sua história. Isso não garante nada.
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Jamais garantiu, aliás. Com ninguém. Nós, latino-americanos, que perseguimos desesperadamente o pai ideal, o messias que nos conduzirá mansamente à civilização, é que apostamos nisso. Não deveríamos. Há muito tempo.