terça-feira, 15 de julho de 2014

"Jesus é lixo" e o Israel bíblico é completamente outro do Israel Estado

POR JANU SCHWAB 


Com porquês, acordei assim, de sobressalto, como se o coração me viesse à garganta. Não me sinto em Gaza. Tampouco judeu, apesar dos avós sefarditas e asquenazes. Por hora, tenho comigo um receio de sê-lo. Receio não porque estão a bater em minha porta como Gestapo, quebrando minhas coisas em reprise de Kristallnacht, mas porque, na distância absoluta de um mundo e meio, vejo muita gente pagando com o Mal o Mal que nunca chegou a sentir.

Explico. Uma triste fotografia me pulou a cara trazendo corpinhos já sem vida de tantas bombas. Pareciam bonecos ao léu e à poeira. Mas eram crianças palestinas. Três segundos foram mais do que suficientes para colar na minha retina a certeza de que nada sei do que acontece por lá ainda que simule por aqui a dor de quem vive intensamente a lógica dessa dor. E junto ao retrato, li pedaços da Lei de Talião na forma de comentários.

O pensamento Ocidental, por mais global que consiga ser, tem base naquela faixa estreita de terra menor que meu silencioso Acre. Talvez por isso muita gente se atreva a dizer somos todos Israel ou Gaza. E opine, acuse, critique, xingue e cuspa meias verdades, mais vaidades do que verdades, sem saber que a Palestina não é só o Hamas e Israel não é ele inteiro o Likud. Generalismo é combustível de muitos conflitos.

Enquanto uns comemoram o tetra da Copa, outros estribilham a treta da Guerra. O trocadilho é menos infame que a desproporção assombrosa entre a teimosia e a resistência disfarçadas de causa e consequência no confronto entre Israel e Hamas. E é mais inocente do que comentários guiados pelo senso bíblico do neopentecostalismo enxergando semelhança entre fé cristã e as decisões políticas do Estado de Israel.

Pedidos em bom português de “orai por Israel” na segurança de perfis de Facebook, pululam por entre autorretratos de vaidade, estrelas-de-Davi, menorás e bandeiras alviceleste, nas igrejas, nos cultos, em camisetas e tatuagens. Desde quando evangélicos são judeus, pergunto a um amigo crente. Jesus era judeu, ele me responde. Quem tem problemas com os judeus são os católicos, ele completa.

O outro e suas decisões são sempre motivo para picuinha. O que muda é a proporção do ataque. Tenho para mim que as flâmulas israelenses balançam nas Marchas para Jesus como uma ode ao casamento entre Estado e religião, comum em Israel, desejado no Brasil por muitos. Tudo vale na escalada contra gays, lésbicas, umbandistas, daimistas, espíritas e até católicos. É como dizer: meu deus é melhor que o seu.

Mal sabem os nossos ultraconservadores  que os ultraconservadores deles, imbuídos de um tal conceito de “preço a pagar”, cospem não só em muçulmanos, árabes-israelenses e judeus Neturei Karta, mas também em cristãos, sejam eles romanos, ortodoxos ou neopentecostais. "Jesus é lixo", alguém pichou num muro em Jerusalém. Amós Oz, categórico, disse: estes são hebreus neonazistas.

Ao ver um brasileiro cristão cuspir pedras e tuítes contra palestinos e pedir orações a um Israel bíblico completamente outro do Israel Estado que hoje parece fazer vista grossa a suásticas nazistas pintadas por judeus extremistas em igrejas e mesquitas, a imagem dos corpos de palestinos já sem vida me volta aos olhos e se mistura ao horror do holocausto na Europa. E pergunto: o que sabem essas pessoas daqui sobre as coisas além do umbigo? Nada, arrisco dizer.

Sem porquês, dormi, assim, em ofegâncias, como se Silas Malafaia, Mahmoud Abbas e Bibi Netanyahu me sentassem por sobre o peito e rezassem imitando a flâmula de uma vela, para frente e para trás. Sonhei com bombas a me ofender os ouvidos e a fazer de mim um imenso boneco sem vida de tanta poeira. Acordei, assim, de sobressalto, como se o coração me viesse à garganta.

Janu Schwab é publicitário

Um comentário:

João Nicácio disse...

Falou, falou , falou e não disse nada sobre os mais de QUINZE MIL foguetes lançados sobre população CIVIL...
O tempora o mores, já dizia o Catão...