sexta-feira, 8 de março de 2013

NEM TODOS ESTAMOS LOUCOS

POR VALDECIR NICÁCIO

Meu caro Altino,

Eu estava indignado com a reação insana daquela população que tentou linchar aquele ser humano (veja) acusado de  estuprar uma criança. Quando li o noticiário, me senti uma espécie de ser humano de segunda categoria.

Aquele homem com o rosto deformado de pancadas, agindo passivamente diante daquelas pessoas sedentas de sangue, enquanto os policiais (na frente das câmeras) pareciam dar proteção.

Naquele momento pensei: é a falência das instituições que faz com que as pessoas cometam atos bestiais acreditando que estão fazendo justiça.

Quero lembrá-lo que este é o segundo caso em pouco mais de um mês.

No caso anterior, o acusado de matar a mulher e enterrá-la dentro da própria casa também foi vítima do ataque de fúria de populares.

Obtiveram mais "sucesso" e conseguiram decepar uma das mãos do acusado e quase decepam a outra mão, além de causar-lhe grandes ferimentos nas costelas, cabeça, tronco e membros inferiores.

Em razão do meu trabalho, poucos dias depois fui visitá-lo no presídio e lá me impressionei, não só pelas condições físicas do infeliz, mas por ser perceptível o grau de  comprometimento mental do acusado.

Saí de lá horrorizado e perguntando a mim: Quem é mais doido? Quem está mais doente? Ele, que cometeu a loucura de matar a própria namorada, ou aquelas pessoas que se dizem sãs e saudáveis e fizeram aquelas atrocidades com ele? Então concluí que todos estão doentes. 

O mais chocante é ver alguns colegas seus da imprensa fazendo apologia e incentivando atitudes como estas. Existem "jornalistas" que sentem orgasmos múltiplos quando falam de casos assim.

É compreensível, embora inadmissível, que o cidadão comum, que vive com insegurança pairando sobre suas cabeças e totalmente descrentes da possibilidade das instituições darem respostas às suas angústias, tome atitudes insanas e extremas, como fazer justiça pelas próprias mãos. Mas quando vemos formadores de opinião incentivando e tirando proveito político e econômico de tais situações, chegamos a concluir que estamos todos loucos.

Que bom que nem tudo está perdido, pois ainda temos pessoas como você e eu que não perdemos o sentido da vida nem o conceito do que é ser humano. Portanto, contente-se, nem todos estamos loucos.

Valdecir Nicácio é mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Essex - Inglaterra

4 comentários:

Maiara Lopes - Consultora Mary Kay disse...

Parabéns pelo texto Mestre Valdecir Nicácio...
Realmente, a sociedade está doente. Está louca. Parabéns pela sua saúde. Realente é um dos poucos saudáveis que tenho visto nestes dias. Fazendo um paralelo, é o mesmo que ocorre quando os nobres vereadores se dão aumento salarial de 96,6%. Ou seja, o próprio doutor atesta-se sadio. Modéstia a parte.
Mudando de assunto! Mestre Nicácio, como está a garotinha de 7 anos? O senhor esteve com ela? Como está seu estado de saúde? Não tenho visto matérias que informem como a garotinha está.
Att.,
uma doente (louca).

Jozafá Batista disse...

Some-se a este episódio a agressão ao filho da colega Golby Pullig, ocorrido em um ônibus. O rapaz foi expulso do ônibus, aos chutes, porque um passageiro "sentiu-se incomodado com o adolescente que falava ao celular" (expressão utilizada pela Nota à Imprensa, enviada pela empresa de ônibus com o objetivo de esclarecer o caso).
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Há alguns meses, neste mesmo blog, eu disse o mesmo que o articulista: estamos todos doentes, a violência tornou-se natural e mesmo necessária. As reações foram, naturalmente, violentas.
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Pois repito: uma sociedade é violenta quando tem medo. É este o nosso caso. Alguém, ou algo, está fazendo com que todos tenham medo, continuamente, levando-os a defender a moral como último refúgio da normalidade. E, para defenderem a moral, agem como animais.
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Mas é preciso defender a moral? Quem ganha com a defesa da moral?

joaomaci disse...

Eu ainda não fui diagnosticado clinicamente como louco, mas não descarto esta possibilidade.
E realmente é condenável, repugnante e aterrorizante o que ocorre nestes casos de linchamento.
Agora, vou me dar o direito que a web permite e lembrar ao nobre Mestre em Direitos Humanos, que muito do que leva as bestialidades que ele aponta como sintoma da loucura coletiva, da qual ele estaria a salvo, surgem de pequenas atitudes que se apoiam em dogmatismos, sejam morais ou de outra ordem, como os patrióticos que ele invocou num texto neste mesmo blog, ano passado, falando sobre a relação dos brasileiros com os bolivianos. Veja aqui: http://altino.blogspot.com.br/2012/04/boicote-de-acreanos-contra-bolivianos.html
É isso aí, loucura e coerência parecem não andar juntos na interpretação do mestre.

joaomaci disse...

Perdão. No comentário anterior a frase correta é: parece que SANIDADE e coerência parecem não andar juntas...