quinta-feira, 28 de junho de 2012

PRESO REITOR DO IFPA

O reitor do Instituto Federal do Pará (IFPA), Edson Ary Fontes, e outras 12 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça Federal por fraudes e desvio de mais de R$ 5,4 milhões em recursos federais destinados à educação.

A pedido do MPF, o reitor e outros três acusados foram presos preventivamente nesta quinta-feira (28) pela Polícia Federal, para não atrapalharem as investigações. Os acusados podem ser condenados pelos crimes de peculato, formação de quadrilha, dispensa indevida de licitação e outros crimes em concorrências públicas.

Além de Edson Fontes, estão presos Bruno Garcia Lima e Armando da Costa Júnior. Alex Costa Oliveira chegou a ser considerado foragido, mas acabou se entregando. Eles tiveram os bens bloqueados e houve busca e apreensão nas residências e escritórios dos quatro.

A denúncia contra eles já foi recebida pela 4ª Vara da Justiça Federal em Belém, que também expediu todos os mandados de prisão, bloqueio de bens, busca e apreensão.

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terça-feira, 26 de junho de 2012

NOVOS GEOGLIFOS NO ACRE E AMAZONAS

Fotos inéditas


Pesquisadores descobriram mais 20 geoglifos durante sobrevoo nas margens da BR-317, entre os estados do Acre e Amazonas, o que eleva para mais de 300 a ocorrência dessas formas geométricas no solo da Amazônia Ocidental, localizadas principalmente nas bordas de planaltos nos vales dos afluentes a sudeste do Rio Purus.

Os geoglifos são estruturas arqueológicas com desenhos geométricos de vários formatos (linhas, quadrados, círculos, animais e até formas humanas), existentes em diversas partes do mundo. No Acre, só se tornaram visíveis após a derrubada da floresta. Segundo os estudiosos, os “desenhos” descobertos na Amazônia Ocidental são obra de povos antigos e desconhecidos.

Alguns geoglifos têm idade presumida de até dez mil anos e chegam a medir centenas de metros de diâmetro. No Acre, começaram a ser descobertos em pesquisas arqueológicas no final dos anos 1970.

O Blog da Amazônia obteve com exclusividade duas imagens da nova descoberta de geoglifos. A primeira é de um geoglifo considerado "complexo" pelos pesquisadores, com caminhos paralelos, delimitados por muretas, situado a aproximadamente 20 quilômetros de Boca do Acre (AM), na margem direita do Rio Purus.

A segunda imagem, é de um geoglifo quadrado duplo, na margem direita da BR-317, próximo da divisa Acre-Amazonas, na bacia do Rio Iquiry, onde aparece formação de pastagem e as árvores de castanheiras mortas ainda em pé.

A descoberta, registrada na semana passada, aconteceu 10 dias antes da realização de um simpósio internacional de arqueologia que comemora os 35 Anos de descobertas dos geoglifos, a ser realizado de 27 a 30 de junho no Centro Cultural do Tribunal de Justiça, em Rio Branco (AC).

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segunda-feira, 25 de junho de 2012

CORRUPÇÃO NO TCE DO AMAPÁ

O Ministério Público Federal ofereceu ao Superior Tribunal de Justiça denúncia por formação de quadrilha, peculato e ordenação de despesas não previstas em lei contra cinco conselheiros, três servidores e dois conselheiros aposentados do Tribunal de Contas do Estado (TCE) do Amapá, acusados pelo desvio de mais de R$ 100 milhões, entre os anos de 2001 a 2010.

O esquema descoberto em 2010 pela operação Mãos Limpas, da Polícia Federal, funcionava da seguinte forma: os envolvidos descontavam cheques da conta do tribunal, sempre em espécie, na "boca do caixa", geralmente em agência diferente daquela em que o TCE possui conta corrente.

Para justificar os saques no orçamento, servidores da área financeira os computavam como "outras despesas variáveis". A prática de saques em espécie na conta da instituição não possui nenhum embasamento legal. Para se ter uma ideia, em um só dia, um dos conselheiros aposentados denunciado chegou a sacar R$ 100 mil, a título de "ajuda de custo".

A "orgia orçamentária", como se refere ao caso o subprocurador-geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira, responsável pela denúncia, causou prejuízos tão profundos que, após a deflagração da operação Mãos Limpas, quando os saques foram suspensos, a economia nas contas permitiu ao TCE quitar uma antiga dívida com o Instituto de Previdência do Amapá.

Segundo investigação da PF e do MPF, a divisão de tarefas na quadrilha de desvio de recursos públicos era bem definida: a maior parte dos recursos desviados ficava com o comandante do esquema e os servidores da área financeira. Os conselheiros beneficiados se omitiam de fiscalizar ou questionar as contas do próprio Tribunal, e por isso recebiam em troca altas somas.

O esquema foi montado pelo conselheiro José Júlio de Miranda Coelho, quando este ocupou a presidência do TCE. De todo o montante desviado, existe a comprovação de que Miranda Coelho realizou, pessoalmente, saques em espécie, na conta da instituição, no valor de R$ 7,5 milhões. Nenhum dos saques possui qualquer justificativa, pois não se referem ao pagamento de pessoal e também não serviram para o custeio do TCE. Além dos saques realizados, o conselheiro recebeu, entre fevereiro e julho de 2001, uma "ajuda de custo" no valor de R$ 258 mil.

O valor do patrimônio registrado em nome de Coelho ultrapassa os R$ 10 milhões e para o MPF é uma das provas de enriquecimento ilícito. O conselheiro recebia, em agosto de 2010, subsídio de R$ 18.185,11. Com base nessa quantia, calcula-se que, desde dezembro de 1998, ele recebeu cerca de R$ 3,2 milhões em valores atualizados.

No entanto, somente em carros, embarcações e aviões, as posses de Coelho ultrapassam os R$ 10 milhões, sem contar os mais de 50 imóveis registrados em seu nome, no da esposa, dos filhos e de laranjas utilizados pelo conselheiro. Na busca e apreensão realizada na casa de Miranda Coelho, por determinação do STJ, durante o inquérito, foi encontrada uma folha de cheque em branco do TCE-AP, assinada pelo conselheiro.

Transplante e celulite

Dinheiro público também foi utilizado para custear o transplante de rim de um dosconselheiros aposentados denunciados pelo MPF. Ele utilizou recursos do erário para custear o transplante, a passagem e hospedagem da doadora do órgão, além dos honorários advocatícios desta. O conselheiro ainda pediu o ressarcimento das passagens aéreas da doadora, que foi autorizado pelo diretor de finanças do Tribunal.

Outra conselheira aposentada denunciada custeou todo o tratamento de saúde com valores do TCE, apesar de possuir plano de assistência médica particular. As despesas abrangem até mesmo tratamentos estéticos, como o de combate à celulite, além de medicamentos para esse tipo de tratamento.

Consta nos autos o registro de que, em setembro de 2009, a conselheira aposentada realizou três sessões de "Accent", equipamento utilizado no combate à celulite, sendo que cada sessão custa em média R$ 500.

A conselheira pediu ainda o ressarcimento junto ao plano de saúde particular, no valor de R$ 48 mil pelo tratamento de saúde e também pediu ressarcimento junto ao TCE, recebendo os valores dos dois lugares. Entre 2006 e 2010 essa mesma conselheira aposentada recebeu reembolso que ultrapassou R$ 800 mil.

Todas essas restituições, inclusive para tratamento contra celulite, foram autorizadas pelo então presidente do TCE, José Júlio Miranda Coelho, e pelo então diretor da área orçamentária e financeira.

O esquema incluiu também um membro do Ministério Público Estadual, que oficiava perante o TCE e recebeu, entre 2003 e 2005, R$ 39 mil, destinados a "reestruturação de gabinete". A quantia também foi descontada em espécie, na boca do caixa. Há registro ainda de pagamentos a servidores fantasmas, não integrantes do quadro do Tribunal.

Pressa

O MPF recomenda pressa na instrução criminal, caso a denúncia seja aceita pelo STJ. Os conselheiros deverão ser interrogados no STJ, mas o MPF requer que a realização dos demais atos de instrução sejam realizados por um juiz federal da seção judiciária do Amapá.

O MPF também solicita uma nova decretação de afastamento de José Júlio de Miranda Coelho, pelo prazo de 360 dias, além do afastamento dos conselheiros da ativa e dos servidores denunciados. Miranda Coelho e os outros conselheiros na ativa foram afastados pelo STJ preventivamente em abril de 2012.

O COLECIONADOR DE JORNAIS

POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE



Ninguém jamais saberá por que o velho Edmundo Busby colecionava jornais, nem exatamente quando essa mania começou. O certo é que, em vez de descartá-los depois de lidos, como todo mundo faz, ele os guardava, empilhados, nos cômodos de sua casa no Beco da Indústria, 135, bairro de Aparecida, em Manaus (AM). Fez isso diariamente, religiosamente, durante algumas décadas. Quando morreu, no final dos anos 50, na casa entulhada não havia espaço nem para o caixão. Uma vizinha caridosa, dona Fanchete, que morava em frente, organizou o velório e sugeriu que o defunto fosse deitado sobre pilhas de jornais. Um deles lhe serviu de mortalha: era um exemplar raro do The Porto Velho Times, de 1909, distribuído no acampamento dos gringos que deu origem à cidade de Porto Velho (RO).

Este exemplar chegou às mãos de Edmundo Busby em Santo Antônio, no Rio Madeira, onde ele vivia naquele 4 de julho de 1909, depois de deixar Barbados, sua terra natal, numa corrente migratória que envolveu milhares de operários. Todos eles foram recrutados, no início do século XX, para a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Eram os barbadianos – termo genérico que na Amazônia identificava os negros de qualquer uma das colônias inglesas do Caribe. Era entre eles que circulava o Times de Porto Velho, impresso no meio da floresta, totalmente escrito em inglês, com notícias sobre mortes, acidentes e a ação deletéria dos piuns e mosquitos.

O exemplar do Times caboco trazia um erro tipográfico: a data impressa é 1609, com o primeiro 9 invertido transformado em 6. Talvez, por essa curiosidade, Edmundo o trouxe em sua bagagem quando, levado pela crise da borracha, migrou para Manaus acompanhado de seu irmão Henry. O coração de colecionador já pulsava, então, no peito do velho Ed, que não teve coragem ou vontade de descartá-lo. Foi aí que os irmãos Busby se instalaram com mala e cuia naquela casa humilde de madeira, coberta de zinco, com chão de terra batida, que lhes teria sido cedida, em 1917, pelo então governador Jônatas Pedrosa. Ela abrigou o primeiro exemplar da coleção de jornais.

Era uma casa escura, permanentemente fechada, tinha a cara e a cor da pele dos seus donos. Com o tempo, o uso diário do fogareiro de carvão deixou o teto enegrecido e a parede tisnada pela fuligem, o que não incomodava ninguém, porque a casa não acolhia visitas de amigos ou parentes. Os ferrolhos das duas janelas nunca se abriram para deixar entrar um raio de sol ou para arejar seus cômodos, nenhuma saia jamais cruzou a soleira da porta, nenhuma fêmea despiu seu sutiã no quarto daqueles dois celibatários. O único gemido de prazer que soou naquele ambiente foi um estalo onomatopeico produzido pelo contra-regra da Rádio Baré, simulando um beijo apaixonado entre os atores Jerusa Mustafa e Jaime Rebelo, transmitido por uma radionovela local criada por Alfredo Fernandes.  A vida só entrava ali através dos jornais e do rádio.

O Coffee e o Milk

Discretos e misteriosos, os dois irmãos viviam isolados do mundo, sem a alegria de uma mulher, de uma criança ou de um amigo, mergulhados em extrema solidão, com raros contatos até mesmo com os vizinhos com quem compartilhavam a mesma parede no Beco da Bosta. De um lado, na casa 133, residia seu Arlindo e dona Luzia com suas duas filhas, Cleide e Cléa. De outro, no n° 137, morava minha família. As brechas das tábuas de madeira tinham sido cobertas por jornais, mas às vezes podíamos ver através delas, com certa dificuldade, as sombras dos dois irmãos arrastando os pés, de manhã cedo, até o quintal para ir dar milho às galinhas.

O que víamos era pouco, mas ouvíamos tudo: os pigarros, as tosses, os flatos, os banhos de cuia com água do camburão, as sonoras mijadas na madrugada, a dispneia ofegante e até o silêncio. Acompanhávamos a Rádio Baré, sintonizada o dia inteiro pelos irmãos Busby, com música, informação, avisos para os cabocos do interior, pedidos e encomendas. Lembro de um jingle com a musiquinha: 

"Martini, Martini, Martiiiiini! Vermute sensá-cional! Rá, rá! Martini, Martini, Martiiiiini, a marca mundial!". Toda vez que tocava, o velho Edmundo rompia o silêncio e gritava, ele também, o "rá-rá" , acompanhando o riso depois da paradinha do "sensá-cional".

Sensacionais eram os apelidos. A dupla de irmãos ficou conhecida como Cófi e Milque por causa da cor da pele de cada um. Ambos eram negros, mas a pele do Coffee permanecera negra, de um negro tão retinto que azulava. Já o seu irmão passou a ser chamado de Milk depois que, em contato com a hidroquinona da borracha, no rio Abunã, contraiu o vitiligo, que embranqueceu sua pele, despigmentando-a por falta de melanina, deixando-a coberta de manchas brancas, de diferentes tamanhos que se espalharam por todo o corpo: braços, pernas, cotovelos, joelhos. Era um Michael Jackson avant la lettre. Os moleques do bairro, que acompanharam o processo de desbotamento, preferiam chamá-lo de "Descascado".

Edmundo, o Cófi, e Henry, o Milque, ou "Descascado", andavam sempre vestidos com a mesma roupa: uma jaqueta de brim azul, com golinha arredondada tipo Mao-Tse-Tung. Parecia até farda. A forma como eles sobreviviam continuava a ser um mistério, ora diziam que tinham uma minguada aposentadoria, ora que recebiam pequena pensão enviada mensalmente de Barbados. Eram, efetivamente, sobreviventes de uma guerra na selva que matou mais de 7 mil barbadianos, vítimas de doenças tropicais, malária, febre amarela e hepatite e se mais não matou foi graças ao sanitarista Oswaldo Cruz, que saneou os canteiros de obras.

Diariamente, Edmundo Busby, o Cófi, passava pela Santa Casa de Misericórdia, e recolhia exemplares dos jornais do dia anterior: O Jornal e o vespertino Diário da Tarde da família Archer Pinto, o Jornal do Commércio fundado por Rocha dos Santos e A Crítica de Umberto Calderaro. Foi assim que ele montou sua coleção. Sem dinheiro para comprá-los, lia os jornais sempre com um dia de atraso e depois empilhava-os sobre estrados improvisados de madeira, de forma organizada e metódica, sem misturar os títulos, classificando-os por ordem cronológica. Assim, parecia querer aprisionar entre as quatro paredes de sua casa acontecimentos de Manaus, do Amazonas, do Brasil, do mundo.    

Meu brotinho

A única vez que entrei naquele castelo de papel foi quando o Coffee ficou sem o Milk, que morreu deixando o irmão mais velho afogado num poço de tristeza. Eu era um moleque de 7 ou 8 anos, talvez 9, por aí, estava jogando bola na rua. Fazia uma semana da morte do Descascado. O velho Edmundo, tristonho, me chamou da porta de sua casa, se queixou que estava muito doente, não podia sair, e me pediu o favor de ir até a taberna do Seu Thomaz buscar – assim mesmo – o "remedinho" dele. Deixaria a porta aberta, para que eu entrasse com o remédio.

Fiz o que pediu. Levei uma caneca de alumínio e dei o recado à dona Maria do Seu Thomaz. Ela já sabia do que se tratava. Derramou dentro da caneca o líquido de uma garrafa – a memória é traiçoeira – não sei se era Martini, vermute sensá-cional, rá-rá, ou o concorrente Cinzano, cujo jingle tocado pela Rádio Baré recomendava: "Sim, sim, Cinzano, Cinzano sempre faz bem, muito bem, Cinzano agrada ao paladar, em se tratando de vermute eu não me engano, em quero Cinzano, eu bebo Cinzano".

Entrei na casa sombria, com um certo medo. O velho Edmundo, que morreria meses depois, estava prostrado em uma rede de tucum. Era lá que ele passava o dia, ouvindo a Rádio Baré e folheando os jornais. Bebeu o martini – ou foi Cinzano? – de uma talagada só. Deu uma cusparada com pontaria certeira, que caiu dentro do penico debaixo da rede. Foi aí que meus olhos, estupefatos, contemplaram a maior hemeroteca que o Amazonas já teve. O velho colecionador estava literalmente sitiado por uma muralha de papel, eram pilhas e pilhas de jornais, que subiam do chão até o teto, tomando conta da casa, da sala, do quarto, da cozinha e até do pequeno banheiro.

Há quem considere que acumular e guardar objetos descartáveis é uma doença, uma incapacidade de se desfazer das coisas velhas e inúteis. Tem gente que guarda escova de dente usada, prego e parafuso velho, lâmpada queimada, guarda-chuva quebrado, caneta sem tinta, garrafa vazia, rolha de garrafa. Confesso que eu mesmo não consigo jogar fora aquele aramezinho de pão de forma. Meu professor Ruggiero Romano não conseguia se desfazer de papéis usados, mania adquirida durante a Segunda Guerra, na Itália, que ocasionou a escassez de papel. Dizem os entendidos que qualquer coleção tem o poder de representar o indivíduo, ligando-o ao mundo que o cerca. Desta forma, no ato de colecionar coisas, colecionamos a nós mesmos.

No caso da hemeroteca do velho Edmundo, o que ela queria dizer sobre ele? Qual a sua   funcionalidade? Com que regularidade ele a consultava? O que é que ele buscava nos jornais antigos? As perguntas são pertinentes porque parece até que ele queria guardar o infinito entre as quatro paredes da casa escura, aprisionando o tempo escondido naqueles velhos papéis que testemunharam parte da História do século XX.

De qualquer forma, colecionando jornais, ele preenchia uma lacuna que devia ser obrigação do Estado, através da Biblioteca Pública. Aqueles velhos jornais teriam desaparecido sem deixar vestígios, se tivessem embrulhado peixe na feira. Seu destino final seria a lata de lixo. Mas estavam ali, lutando contra o mofo, o bolor e outros fungos, resistindo à morte, como o velho Edmundo Busby que deixou uma enorme responsabilidade sobre meus ombros: se eu não escrever sobre ele e sua coleção, ninguém jamais saberá que ele passou pelo planeta terra.

A memória às vezes nos engana, mas acho que a minha visita à hemeroteca do velho Edmundo aconteceu num carnaval, no final da década de 1950. Lembro que na hora em que eu saía do castelo de papel, a Rádio Baré tocava uma marchinha do Luiz Gonzaga que fez sucesso na época. Mais de meio século depois, continuo ainda ouvindo a voz do cantor Francisco Carlos:

"Ai, ai, Brotinho / Não cresça meu brotinho / E nem murche como a flor / ai, ai brotinho / Eu sou um galho velho / mas eu quero o teu amor / Meu brotinho / por favor, não cresça (bis)  / já é grande o cipoal / Veja só que galharia seca / tá pegando fogo no meu carnaval".

A coleção do velho Edmundo murchou como uma flor. Quando ele morreu, tocaram fogo em parte dos jornais; outra parte teria sido incorporada à hemeroteca do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA).  Lá se foi ele, embrulhado em sua mortalha, lá se foi o Times amazônico brigando contra o tempo, retrocedendo três séculos com sua data invertida. O resto é silêncio.

P.S. Agradecimentos: 1) À  Regina Nakamura, que me ajudou a lembrar o velho Edmundo; 2) À minha colega, doutora Leila Beatriz Ribeiro, do Programa de Pós-Graduação em Memória Social, da UNIRIO, que me fez refletir sobre o ato de colecionar, a partir de seu trabalho sobre os objetos de coleção na trajetória de Urbano, o Aposentado; 3) Aos historiadores Geraldo Sá Peixoto Pinheiro, Vânia Tadros, Luiz Bitton, Francisco Jorge dos Santos e Patrícia Sampaio, com quem organizei o livro "Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950) – Catálogo de Jornais" publicado em Manaus, em 1987 (1a. Edição – Editora Ana Cassia) e em 1990 (2a. edição Editora Umberto Calderaro); 4) Aos historiadores Luís Balkar Pinheiro e Maria Luiza Ugarte Pinheiro do Laboratório de História da Imprensa no Amazonas (LHIA – UFAM), que seguraram a peteca;  5) Aos meus alunos de Jornalismo Comparado da UFAM, que em 1978 fizeram o primeiro levantamento na hemeroteca do IGHA e a quem faço questão de aqui nominar: Izane Torres, Wandler Cunha, Inácio Oliveira, Regina Helena Magnoni, Eliana, Maria do Socorro Oliveira, Maria de Fátima Sampaio, Conceição Derzi, Otoni Mesquita, Ângela Abreu, Maísa Vilhena, Antonio Braga, Roberta Silva, Adeice Torre, Eduardo Monteiro de Paula, Orlene Marques, Jorge Marques, Maria de Jesus Martins, Circe Alves, Ana Maria Pina, Izabel Melo, Etra Lúcia Batista, Roselane Galvão, Alice Valle da Costa, Josely Moreira Ribeiro, Idalina Lasmar, Maria José Azevedo.

José Ribamar Bessa Freire e professor, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indígenas (UERJ) e pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO)

sexta-feira, 22 de junho de 2012

"NÃO POSSO RESOLVER TUDO"

Ministra do Meio Ambiente quebrou silêncio e discutiu com manifestantes



Um pequeno grupo de manifestantes conseguiu quebrar o silêncio da Ministra de Meio Ambiente Isabela Teixeira sobre questões como Código Florestal e a hidrelétrica de Belo Monte nesta quinta-feira (21), durante o Side Event do governo federal sobre políticas de redução do desmatamento do Brasil, realizado no penúltimo dia da Conferência das Nações Unidas Sobre Desenvolvimento Sustentável.

O grupo protestava inicialmente contra o Código Florestal e a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Protestava de forma silenciosa, apenas empunhando cartazes e distribuindo adesivos da campanha, que foram entregues à ministra e integrantes da mesa.

O evento prosseguia normalmente, até que o grupo resolveu ficar de pé, na frente da mesa onde estavam a ministra do Meio Ambiente, representante do governo alemão, do Banco Mundial e outros, que preferiram ignorar o que acontecia.

Não demorou muito, um dos manifestantes, começou discursar em inglês, devido a maior parte do público ser de outros países. Com frases enfáticas, o rapaz repetia que “o Brasil não é democrático e o código é um retrocesso”.

A ministra, que mediava a mesa, pediu inúmeras vezes para falar, mas o rapaz não parava. A segurança foi acionada, chegou a puxá-lo, mas a Isabela Teixeira pediu que o soltassem. Foi nesse momento que o silêncio foi quebrado. Visivelmente alterada, a ministra criticou duramente os manifestantes. O grupo se sentiu fortalecido com a atenção dada pela ministra e perguntou sobre o Código Florestal e a construção da hidroelétrica de Belo Monte. No meio da discussão, a ministra pediu insistentemente para falar.

- Nós estamos tentando ter um diálogos com você há muito tempo… Este país não é democrático, é mentiroso – respondeu uma manifestante.

A ministra Isabela Teixeira não aceitou o que foi dito e respondeu:

- Se o país é mentiroso, talvez não tivesse a menor taxa de desmatamento dos últimos tempos. A sua não é a única verdade. Isso aqui é um espaço democrático e em espaço democrático você precisa ouvir as pessoas e ser ouvido. E eu estou ouvindo os seus protestos.

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"A PIOR COISA É ESPERAR POR TORTURA"

Relato da presidente Dilma Rousseff ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais sobre sua prisão aos 22 anos, ameaças e a tortura a que foi submetida na ditadura militar (1964-1985)

"Compareceu à sede da comissão de indenização de presos políticos do Rio Grande do Sul no dia 25 de outubro de 2001 a sra. Dilma Vana Rousseff, divorciada, economista, RG 901758222, residente na av. Copacabana 1.205/503, bairro Tristeza, Porto Alegre, para prestar o seguinte depoimento:

Diz a requerente que foi presa no dia 16 de janeiro de 1970, às 16h, em São Paulo, e foi encaminhada à época para as dependências da Operação Bandeirante (Oban), que transformou depois em DOI-Codi II, Departamento de Operações Especiais, Centro de Operações de Defesa Interna da 2ª Região Militar. A denúncia diz o seguinte: art. 47 da Lei de Defesa Nacional: "Praticar atos destinados a provocar a guerra revolucionária; instituir ditaduras de classe ou de partido".

"Na verdade, àquela época, o DOI-Codi era o centro de tortura mais pesado do país, no caso em São Paulo, Operação Bandeirante. Lá você deixava de ter identidade e só ia existir legalmente quando chegasse ao Dops. E em São Paulo fui fundamentalmente interrogada no início das atividades lá praticadas.

Tinha sido transferida para São Paulo em setembro de 1969 e tinha dirigido a VAR-Palmares. Centraram o interrogatório no período de setembro de 1969 a janeiro de 1970. No entanto, como tinha começado a militância em Belo Horizonte, desde 64, logo após o golpe militar, o período de 1964 até o início de 1969 não foi objeto dos principais interrogatórios e da tortura de São Paulo no início.

Para pessoas que tinham militado em diferentes atividades políticas em diferentes Estados, o problema dos interrogatórios e das torturas era muito grave, porque era interrogado num Estado, depois era levado para outro e começava tudo de novo, tortura e interrogatório.

Comigo isso aconteceu em três Estados: São Paulo, onde fui presa, Minas Gerais, para onde fui transferida, e Rio de Janeiro, onde também fui transferida" [acredita], "em dezembro de 1971.

*Sua transferência para Minas Gerais e os interrogatórios: entrou na clandestinidade porque logo após o AI-5, de dezembro de 68, um violento processo repressivo foi desencadeado em BH.

"Naquela época, não apenas nos perseguiam, mas em algumas oportunidades as 'batidas' que eram realizadas para nos descobrir eram televisionadas. Eu comecei a ser procurada em Minas Gerais nos dias seguintes à prisão de Ângelo Pezzuti.

Eu morava no edifício Solar com meu marido, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, e numa noite, no final de dezembro de 68, o apartamento foi cercado e conseguimos fugir na madrugada, devido à suposição dos policiais do Dops de Minas Gerais de que não estávamos em casa. O porteiro disse a eles que não estávamos em casa. Fugimos pela garagem que dá para a rua de fundo, rua Goiás.

A partir desse dia, ficamos clandestinos, no início de 1969. Mudei para o Rio de Janeiro no início de 69. Em setembro, depois do sequestro do embaixador, eu ainda estava no Rio de Janeiro, me mudei para São Paulo, quando então fui presa, em 1970.

Os policiais, tanto do Exército como os do Dops que integravam a Operação Bandeirante, não me interrogaram sobre Minas Gerais e Rio de Janeiro. Mais ou menos em abril de 1970, foram agentes do Dops de Minas Gerais, cujos nomes não sei, mas que vinham de Minas Gerais. Fui sempre interrogada por militares e civis. Acho que em Minas Gerais por civis, sobretudo, e os dois principais identificaram-se como policiais do Dops de Minas Gerais. Dr. Medeiros, que era nome falso. Fui interrogada dentro da OB por policiais mineiros, que me interrogaram sobre o que aconteceu em Minas Gerais. Interrogaram sobre processo na auditoria de Juiz de Fora, estavam muito interessados em saber meus contatos com Ângelo Pezzuti, que, segundo eles, já preso, mantinha comigo um conjunto de contatos para que eu viabilizasse sua fuga. Eu não tinha a menor ideia do que se tratava, pois tinha saído de BH no início de 69 e isso era no início de 70. Desconhecia as tentativas de fuga do Ângelo Pezzuti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira.

Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata.

Acredito hoje ter sido por isso que fui levada em maio de 1970 para Minas Gerais, especificamente para Juiz de Fora, sob alegação de que ia prestar esclarecimentos em processo que ocorria na 4ª CJM, o que de fato ocorreu no dia 18 de maio de 70. Mas depois do depoimento eu fui levada. Ou melhor, teria de ser levada para São Paulo, mas fui colocada num local encapuzada que, sobre ele, tinha várias suposições: ou era uma instalação do Exército ou delegacia de polícia. Mas acho que não era do Exército, pois depois estive no QG do Exército e não era lá.

*Nesse lugar ficou sendo interrogada sistematicamente e queriam que entregasse os contatos de PM ou PC para viabilizar a fuga do Ângelo.

Não era, sobretudo, sobre minha militância em Minas Gerais. Supuseram que, tendo apreendido documentos do Ângelo (que integram o processo), achavam que nossa organização tinha contatos com PM [Polícia Militar] ou PC [Polícia Civil] mineira que possibilitassem fuga de presos. Acredito ter sido por isso que a tortura foi muito intensa, pois não era presa recente, não tinha "pontos" e "aparelhos" para entregar.

Eu considero justamente que a premissa da qual eles partiram era que existia entre eles, ou na instituição deles, algum traidor, o que explica a intensidade com que fui torturada naquele período e o uso de todas as sevícias de que fui objeto. Esse dr. Medeiros aparecia de novo e ocupava um lugar central. Nessa segunda vez, alguém o chamava de Lara e tinha outro que identifico, que se chamava Joaquim, que me pareceu não um delegado do Dops, mas um agente de segundo nível, um inspetor, coisa assim.

Uma das coisas que me aconteceram naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban. Minha arcada girou para o outro lado, me causando problemas até hoje. Problemas no osso do suporte do dente. Me deram soco, e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para SP, o Albernaz completou o serviço com um soco, arrancando o dente.

*Algumas características da tortura:

No início não tinha rotina, não se distinguia se era dia ou noite. O interrogatório começava, geralmente o básico era choque. Começava assim: "Em 68, o que você estava fazendo?" E acabava no Ângelo Pezzuti e na fuga, ganhando intensidade com sessões de pau-de-arara, o que a gente não aguenta muito tempo.

Então, se o interrogatório é de longa duração, com interrogador experiente, ele te bota num pau-de-arara em alguns momentos e depois leva para o choque. Uma dor que não deixa rastro, só te mina.

Muitas vezes também usava palmatória. Usava em mim muita palmatória. Em São Paulo, usaram pouco esse método. No final, quando estava para ir embora, começou uma rotina. No início não tinha hora, era de dia e de noite. Emagreci muito, pois não me alimentava direito.

Tinha muito esquema de torturas psicológicas, ameaças. Eles me interrogavam assim: "Me dá o contato da organização com a polícia". Eles queriam o concreto. "Você fica aqui pensando. Daqui a pouco eu volto e vamos começar uma sessão de tortura." A pior coisa é esperar por tortura.

Depois, as ameaças. "Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada, e ninguém vai te querer. Ninguém sabe que você está aqui. Você vai virar um presunto e ninguém vai saber." Em São Paulo, me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas eu não lembro, pois os lugares se confundem um pouco.

Para esse lugar em Minas Gerais você tinha o seguinte, uma característica que é marcante: todos os interrogatórios não eram feitos por militares. Os militares acompanhavam. Em SP era diferente. Os militares interrogavam, e o Dops acompanhava. Em São Paulo chegou ao ponto de a Oban invadir o Dops. Durante um certo tempo, quem controlou a repressão foi a PC, através do Dops. Na minha época, o Dops era muito forte, e os órgãos militares se encaixavam subordinadamente. O delegado Fleury tinha um grande poder, que perdeu depois para os militares. Em Minas Gerais eles trabalhavam em conjunto. Já no Rio de Janeiro estava completamente alijada a PC, era Marinha, Exército e Aeronáutica.

Em Minas, o processo de subordinação da PC pelo Exército não tinha se completado. Voltei para São Paulo em julho de 70. Fiquei em Juiz de Fora dois meses. Ao longo dos anos 70, ia e voltava na Oban. O repique. Eles tiravam a "teima" com a gente. Reviam processos. Funcionava como uma espécie de prova dos nove.

Muitas vezes aí, pelo menos lembro de uma vez, veio o pessoal de Minas Gerais me interrogar novamente. Eventualmente tinha ameaças, mas sempre tinha choques. A máquina estava ali. O motivo do interrogatório foi o depoimento de uma pessoa de nome Antônio Pereira Matos (doc. 5, enviado pela requerente, folha 205) no qual alega que eu teria sido encarregada de ajudar os companheiros a expropriarem um carro. Pararam os mineiros de perguntar sobre o Ângelo e perguntaram sobre isso. E esses interrogatórios também aconteceram no Rio pelo pessoal de Minas.

O Matos fez esse depoimento no Dops de Minas Gerais. Até então, eu não tinha aparecido em nenhuma ação armada. Eles passam a acreditar na minha participação em algumas expropriações em bancos e de uma bomba no Sindicato dos Metalúrgicos. A suposição que estava por trás é que eu participei dessas ações.

No processo em andamento na auditoria, era que eu não participava de grupos armados.

O porquê dos interrogatórios, tanto no Rio, no quartel da Polícia do Exército, feitos por mineiros, é que estavam interessados a me condenar a uma pena mais alta. Geralmente, quando era interrogada sobre isso, tinha cariocas e paulistas, mas os mineiros é que comandavam. Respondia sobre Deus e sua época.

Dentro da Barão de Mesquita ninguém via ninguém. Havia um buraquinho na porta por onde se acendia cigarro. Na Oban as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas Gerais, sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei com Terezinha. Uma bomba foi jogada na nossa cela. Na ida e na vinda, todas as mulheres presas no [Presídio] Tiradentes sabiam que estava presa. Uma por exemplo, Maria Celeste Martins e Idoina de Souza Rangel, de São Paulo. Em Minas Gerais estava sozinha, não via gente, era parte integrante da tortura.

Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não nos piores momentos. Minha mãe sabia que [eu] estava presa, mas eles não a deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada, me viu em SP logo após a minha chegada em Minas. Hoje ela mora no Rio, posso contatá-la.

Em Minas Gerais fiquei só com a Terezinha, é a história da bomba. Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora. Nunca me levaram para Belo Horizonte. Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de Polícia do Exército, 4ª RM. Lá apareceu outra vez o Dops, que me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei esperando o julgamento lá dentro.

Um dia a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que entra uma bomba de gás lacrimogêneo, pois estavam treinando lá fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital. Tive o "prazer" de conhecer o comandante, general Sylvio Frota, que posteriormente me colocara na lista dos infiltrados do poder público, me levando a perder emprego.

O general Sylvio Frota, em 77, colocou a mim e mais 96 funcionários públicos numa lista, tratando-os como perigosos, infiltrados na estrutura do governo brasileiro. Perdi meu emprego por causa dessa lista.

*O conflito regional e federal da repressão.

Você militava em Estados. Tive participação política em três Estados. Comecei em Minas, 90% da minha militância. No último ano, fiquei a metade no Rio e São Paulo. Mas investigada em três Estados. Formava um processo em Minas Gerais, outro em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.

Fui condenada nos três Estados. No Rio de Janeiro levei um ano e um mês por ter militado oito meses. Levei um ano em Minas por cinco anos de militância. Por que isso? Em São Paulo levei três meses e o resto todo. No Rio idem e em Minas Gerais idem, cumulativamente.

Recorri sobre isso e ganhei em São Paulo. Mas fui condenada por Minas Gerais e Rio de Janeiro. E tive mais de dez anos de direitos políticos cassados.

Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela. A gente sempre vai ser diferente.

No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos. Agora, ser mais novo tem uma desvantagem. O impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, mas a médio prazo, o efeito da gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos, o efeito é mais profundo. No entanto, é mais fácil aguentar no imediato.

Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri pela primeira vez que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando a minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente o resto da vida.

Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban. Pegaram um cara que disseram ser do Corpo de Bombeiros. Foi uma hemorragia no útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia.

Em Minas Gerais, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém, que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registro disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.

As marcas da tortura sou eu, fazem parte de mim.

Eu pertencia às seguintes organizações Colina, Polop, O... e VAR. A Polop deu Colina, VPR e POC.

Nada mais havendo a declarar, foi encerrado o depoimento."

*anotações do escrevente

quarta-feira, 20 de junho de 2012

FOTO INÉDITA DE DILMA EM JUIZ DE FORA


O fotógrafo Fernando Rabelo publicou no Facebook, nesta quarta-feira (20), a imagem com a seguinte explicação:

- Em 1972, Dilma Rousseff ficou encarcerada por dois meses em Juiz de Fora. Em 2011, o fotógrafo Aelson Foto Faria Amaral, que pesquisava o acervo fotográfico do Diário Mercantil no Arquivo Municipal de Juiz de Fora, localizou essa fotografia inédita (autor desconhecido), que mostra Dilma e seus companheiros durante um interrogatório na 4ªRM MG, em JF, em 1972. Na foto aparecem Marco Rocha, José Raimundo Jardim Alves Pinto, Guido de Souza Rocha, Ageu Heringer Lisboa, o atual ministro Fernando Pimentel, Gilberto Vasconcelos e Dilma Rousseff. Em outubro de 2001, nove anos antes de ser eleita presidente, Dilma Rousseff revelou em depoimento ao Conselho dos Direitos Humanos de Minas Gerais, que sofreu torturas em Juiz de Fora. Ao todo, Dilma ficou presa durante três anos em prisões no Rio e São Paulo.

GOOGLE E IMAZON SE ALIAM POR AMAZÔNIA

Os alertas de desmatamento e de degradação florestal do próximo Boletim Transparência Florestal do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) serão gerados na plataforma Google Earth Engine (EE).

Batizado de SAD-EE, o novo sistema, vem sendo desenvolvido há quase dois anos em colaboração com a Google. Em janeiro de 2012, entrou em fase final de testes, concluída recentemente.

Segundo o Imazon, as vantagens do SAD-EE são várias. Os dados e as ferramentas de processamento de imagens de satélites, edição de mapas digitais e validação do mapeamento estão disponibilizadas e rodam nas nuvens de computadores da Google. Isso tem permitido a redução do tempo para pré-processamento, análise e divulgação dos dados, podendo chegar até 50% do tempo para gerar os alertas.

Outra vantagem do SAD-EE é que ele permite a integração com sistemas de comunicação móvel (smartphones, tablets, por exemplo) e com a rede de computadores da internet. Isso vai facilitar o acesso dos alertas de desmatamento e de degradação florestal por parte dos usuários finais.

Os usuários poderão fornecer dados e informações coletadas em campo em tempo real. Dessa forma, o SAD-EE tem um enorme potencial para ser contribuir com uma plataforma integrada de monitoramento colaborativo.

A última vantagem do SAD EE citada pelo Imazon é permitir que todas essas tecnologias e dados de satélites estejam disponíveis à instituições de outros países, possibilitando o monitoramento em escala global. A ONG, com sede em Belém (PA), acredita que o SAD EE vai revolucionar a forma que monitoramos as nossas florestas.

Um vídeo produzido pela Google Outreach apresenta o trabalho de monitoramento do desmatamento na Amazônia realizado pelo Imazon. O pesquisador Carlos Souza Jr. fala sobre o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) Operacional na plataforma Google Earth Engine

terça-feira, 19 de junho de 2012

COMUNICAÇÃO DO SENADO ESCLARECE

A Secretaria Especial de Comunicação Social do Senado encaminhou nota, nesta terça-feira (19), ao Página 20, negando que o presidente José Sarney determinou corte nas transmissões da TV Senado quando da sessão solene dos 50 anos do Acre

"Senhor editor,

Carecem absolutamente de fundamento as notas publicadas na coluna Poronga, do Diário Página 20, de que o presidente José Sarney teria determinado corte nas transmissões da TV Senado quando da sessão solene dos 50 anos do Acre, realizada ontem, 18, em Plenário. O presidente Sarney, que reafirma apreço pelo governador Tião Viana e pelo senador Jorge Viana, jamais interferiu no trabalho de cobertura jornalística dos veículos do Senado Federal, que obedecem a regras públicas e aprovadas pela Mesa Diretora.

Se o jornalista se desse ao cuidado de se informar sobre os dispositivos legais do Senado Federal perceberia que o ato da Comissão Diretora nº 21 de 2009 obriga os veículos de comunicação da SECS a darem prioridade às atividades legislativas, lideradas para esse fim pelas sessões ordinárias e extraordinárias de Plenário, sessões do Congresso Nacional e reuniões de comissões permanentes, do Conselho de Ética e de CPIs. Somente após esse rol viriam as sessões comemorativas.

A TV Senado iniciou a transmissão da sessão especial relativa ao Acre assim que foi encerrada a reunião da Comissão de Direitos Humanos, que realizou audiência pública sobre os impactos das barreiras comerciais adotadas pela Argentina para produtos brasileiros. A transmissão da sessão comemorativa só foi interrompida cinco minutos antes do início da Sessão Plenária para a transmissão do jornal da TV, que traz as notícias de eventos que não puderam ser transmitidos ao vivo durante o período da manhã. A gravação da sessão dos 50 anos do Acre foi transmitida na íntegra ainda na segunda-feira, às 23h de Brasília.

Atenta à importância do Acre para o cenário nacional, a TV Senado produziu um documentário sobre o tema. “Aquiri - Estado Acre” que relata as lutas heroicas do povo acreano pela independência. Um compacto do documentário foi exibido no início da cerimônia de segunda-feira. O documentário já tem exibição programada para este final de semana. No sábado, dia 23, às 21h30 e no domingo, dia 24, às 4h00 e às 15h30, horários de Brasília.

Fernando César Mesquita
Diretor da SECS"

CATEDRAL NOSSA SENHORA DE NAZARÉ

Rio Branco, Acre

TIÃO SEGURA O ABACAXI SOZINHO


Do governador Tião Viana (PT) nesta terça-feira (19), na TV Acre, durante entrevista à sucursal da Rede Amazônica em Brasília sobre os 50 anos do Estado:

- Pra mim é uma honra governar o primeiro estado do país onde todas as cidades têm pavimentação, água e esgoto.

A principal promessa da campanha vitoriosa do governador foi pavimentar com tijolos todas as ruas do Acre.

Ele prometeu durante a entrevista que 100% das cidades acreanas terão esgoto e abastecimento de água até 2014.

Governar o Acre exige esforço hercúleo.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

GOVERNO DO ACRE PROMETE TRANSPARÊNCIA

POR FLORA VALLADARES COELHO

Prezado Sr. Altino Machado,

1. Na data de 17.05.2012, foi protocolado seu pedido de informações [leia] a respeito do valor mensal de subsídio pago aos ex-governadores do Acre e os nomes dos respectivos beneficiários; valor do vencimento individual de todos os servidores públicos e agentes políticos estaduais, com detalhamentos e quantitativos; valores individuais e quantitativos de todas a CEC’s e FC’s; e os valores pagos mensalmente às operadoras de telefonia celular, com os quantitativos de Órgãos/Entidades, números de linhas e usuários responsáveis.

2. Primeiramente, é de se dizer que, de acordo com o art. 40, inciso I, da Lei de Acesso a Informação – LAI, a Administração Pública Estadual tem o prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da vigência desta Lei, para assegurar o cumprimento das normas relativas ao acesso à informação, de forma eficiente e adequada aos seus objetivos.

3. Neste sentido, informamos que até o supracitado prazo, todas as informações solicitadas estarão disponíveis no Portal de Acesso à Informação, conforme regulamentação dada pelo Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012 e pela Portaria Interministerial nº 233, de 25 de maio de 2012, inclusive as informações sobre remuneração e subsídio recebidos por ocupante de cargo, posto, graduação, função e emprego público, incluindo auxílios, ajudas de custo, jetons e quaisquer outras vantagens pecuniárias, bem como proventos de aposentadoria e pensões.

4. Do mesmo modo, a sua solicitação referente aos valores pagos mensalmente às operadoras de telefonia celular, quantidades de linhas, bem como usuários responsáveis, será informada, no Portal de Acesso à Informação, pelo setor competente, a serem discriminadas por Órgão/Entidade.

Atenciosamente,

Flora Valladares Coelho
Secretária de Estado de Gestão Administrativa

A GRANDE FOGUEIRA DE SÃO JOÃO

Mede 4,50 metros de altura a fogueira que estará acesa durante o hinário em louvor à São João Batista, na noite de sábado (23). Foi confeccionada pela irmandade do Centro de Iluminação Cristã Luz Universal - Alto Santo, fundado pelo mestre Raimundo Irineu Serra (1892-1971), que tem como dignatária a viúva dele, Peregrina Gomes Serra


A lenha da fogueira é retirada da Área de Proteção Ambiental Raimundo Irineu Serra, que é a maior área verde no entorno urbano de Rio Branco.

Os seguidores da doutrina não fazem exploração comercial ou outros usos da madeira da área.

A única madeira que é retirada é para montagem da fogueira num volume sustentável, a partir de árvores de crescimento rápido, como faveiro e mulungu, típicas de capoeira.

É sintomático que a única comunidade que faz uma fogueira desse porte no mundo seja a que mantém a sua floresta, pois a usa de modo sustentável, sem fins comerciais.

Abaixo, um desenho de autoria do Samuel Machado Campos, de 9 anos de idade, sobre a tradição junina.


O ACRE E OS MERCADORES DA NATUREZA

POR MICHAEL F. SCHMIDLEHNER


Ativistas lançam o dossiê "O Acre que os mercadores da natureza escondem" para evidenciar que as políticas governamentais no Estado, em vez de representarem um exemplo bem-sucedido para a implementação da economia verde na Amazônia, exemplificam justamente a falência deste modelo, revelando-o como ambientalmente destrutivo e socialmente excludente.

“O Acre está pronto para REDD”, “O Acre é exemplo de economia verde”. “O Acre possui um histórico de luta em defesa do meio ambiente, desde os movimentos sociais de base, a importância de Chico Mendes, até culminar na atual política de Estado pautada na valorização do ativo ambiental florestal.“ Afirmações como estas, que projetam o Acre como modelo da economia verde vem sendo divulgadas com frequência nos últimos anos por ONGs multinacionais, instituições ligadas à ONU e pelo próprio governo deste estado.

Como o Acre chegou a servir de exemplo para estes mecanismos mercadológicos que vem sendo apresentados no âmbito da Rio+20 como soluções para as múltiplas crises que a terra e a humanidade vem enfrentando? Qual realidade social, ambiental e econômica encontramos, quando olhamos mais de perto para o Acre, além das frases propagandistas? O que se esconde atrás da imagem verde do Acre?

Em novembro do ano passado, um documento intitulado “Carta do Acre”, foi elaborado no Acre por representantes de 30 organizações da sociedade civil. Esse manifesto trouxe pela primeira vez uma crítica radical da política governamental acriana por parte da sociedade civil, revelando abertamente praticas de destruição ambiental e repressão social, apontando os interesses capitalistas que de fato dominam esta política e rejeitando a mercantilização da natureza que ela em ultima consequência promove. A Carta do Acre surtiu fortes reações por parte de instituições ligadas ao governo do estado. Organizações que haviam assinadas o manifesto, posteriormente se sentiram pressionadas para retirar sua assinatura.

Não obstante, um pequeno grupo composto por pesquisadores, ativistas e trabalhadores extrativistas acrianos ousam levar adiante as críticas, levantar mais detalhadamente os fatos que contradizem a sustentabilidade e participação social reivindicados pelos governantes do seu estado. O grupo compromete-se a analisar mais a fundo o jogo de interesses que impulsiona a construção discursiva de uma determinada “identidade” do povo acriano que estaria agora se auto-realizando por meio da economia verde.

O dossiê “O Acre que os Mercadores da Natureza Escondem” revela – por meio de cinco textos complementares e uma entrevista com a presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, Dercy Teles – chocantes detalhes da vida dentro das florestas acrianas, das represálias que seus moradores sofrem por parte de órgãos ambientais, do sofrimento de comunidades indígenas que não tem voz para denunciar a invasão de suas terras e os descasos de saúde e educação nas suas comunidades.

O dossiê levanta quais foram as condições históricas que possibilitaram a consolidação da hegemonia no Acre no contexto de uma geopolítica capitalista da ONU, do Banco Mundial e das dominantes ONGs, como a imagem de Chico Mendes foi manipulada ao ponto de servir como “patrono” da economia verde, enquanto a tutelagem dos povos da floresta viabiliza a implementação dos ambiciosos planos de manejo madeireiro, e facilita o comércio de carbono e de “serviços ambientais”, gerando lucros para empresas e ONGs.

O dossiê evidencia, na entrevista com Dercy Teles, como as comunidades chamados “beneficiários” de tais programas de fato vem sendo inibidos em exercer a autogestão dos seus territórios e recursos: “E essas bolsas que tão sendo disponibilizadas nem que fosse de um milhão de reais, mas ninguém vive parado num canto porque a vida perde a razão, né, você vai se sentir inútil, né, não tem como a pessoa viver parada só comendo e olhando pra mata sem poder fazer tudo aquilo que ele cresceu fazendo, pescando, caçando, andando, fazendo sua roça, etc.”

Ao analisar o entrelaçamento dos interesses exploratórios nos níveis global e local, os autores conseguem evidenciar como o governo acriano consegue para fora produzir o discurso verde blindando-se por dentro contra qualquer critica, e como os bancos internacionais conseguem justificar suas políticas em âmbito internacional através da “vitrine” acriana e em contrapartida, financiam o sistema de poder local.

A inexorável análise do caso do Acre leva os autores a renunciar de concepções amplamente compartilhados por organizações da sociedade civil. Descartando a possibilidade de manejo madeireiro em florestas primárias como uso sustentável, a possibilidade de melhorar a qualidade de vida e autonomia dos povos da floresta através do comercio de carbono ou serviços ambientais, os autores apontam as experiências da implementação da economia verde no Acre como importante exemplo a não ser seguido. O dossiê pretende servir para alertar os povos das florestas e os movimentos sociais no mundo afora sobre as armadilhas do discurso capitalista “esverdeado” e incentivá-las a questionar de forma mais radical seus pressupostos e paradigmas.

O dossiê esta disponivel para download a partir do site do Conselho Indigenista Missionário e será ainda lançado oficialmente por meio de uma conferencia de imprensa em Rio de Janeiro, nos dias da Rio+20.

Michael F. Schmidlehner é filósofo pela Universidade de Viena e vive no Acre desde 1995, atuando como ambientalista e empresário. Escreve no Acrealerta.

sábado, 16 de junho de 2012

AMEAÇAS DA INDÚSTRIA PETROLÍFERA NO ACRE

POR OSWALDO SEVÁ

Altino, meu caro

Não consegui encontrar a sua mensagem em que me pedia algo sobre a prospecção galopante da bacia sedimentar do Juruá, mas encontrei algo que, pelo visto, foi supostamente censurado: uma entrevista que uma repórter de jornal de Rio Branco fez comigo.

Passados três meses, nada de publicação da entrevista. A repórter enviou as perguntas, respondi todas, e dei uma corrigida na ortografia.

Bem, amigo, você conhece a pequena área, a marca de pênalti, as traves e o goleiro.

Como a entrevista não foi publicada, podemos publicá-la e entregar a suposta "censura".

Não conheço a repórter, mas gostaria que o nome dela não fosse citado nem que perdesse o emprego por causa disso.

Outra coisa: estou reconstruindo minha pagina pessoal (veja) na web, agora no portal do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, na qual incluí os artigos de minha autoria que você publicou nos últimos anos sobre os projetos de usinas no Xingu. Fiz o link para o seu Blog da Amazônia da Terra Magazine.

Eis a entrevista:

REPÓRTER - Estou com uma pauta sobre a autorização dada pelo Ibama para que a ANP promova a terceira fase de estudos sísmicos para avaliar a possibilidade de explorar a retirada de gás natural e petróleo em nosso Estado. Gostaria de saber se o senhor, como um especialista no assunto que é, conforme fui informado pelo coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário Regional Amazônia Ocidental, Lindomar Padilha, poderia opinar sobre o assunto, o que pensa sobre essa exploração na região amazônica, relatasse sua visão sobre essa intenção, que é baseada em um projeto elaborado em meados da década de 70.

OSWALDO SEVÁ - Não me considero especialista em prospecção sísmica. Mesmo assim é possível comentar a situação. Sou engenheiro mecânico, com um doutorado em Geografia, trabalhei durante 20 anos na área de Energia da Unicamp e atualmente prossigo com os mesmos temas nas Ciências Sociais - onde o meu foco principal é a situação dos grupos humanos atingidos e a Natureza prejudicada pelas atividades industriais, mineradoras e de produção de combustíveis e de eletricidade. Desse ponto de vista, é lamentável que toda a Amazônia, incluindo os territórios de países vizinhos, esteja no alvo da indústria petrolífera internacional, que sabidamente é poderosa, anti-democrática, envolvida em guerras e em atividades repressivas em vários países e cujos gerentes e engenheiros costumam cometer desmandos e atrocidades lá onde a indústria decide funcionar. Porque são funcionários a serviço de uma máquina que desconhece limites e que irá até as últimas consequências para saber onde tem e onde não tem petróleo, e, ao encontrar reservas com potencial lucrativo, vai explorá-las intensamente e sem qualquer preocupação séria com os moradores e com a Natureza.

Pela experiência que o senhor tem, qual a probabilidade de dar certo uma exploração desse porte na região?

Dar certo quer dizer encontrar petróleo e/ou gás natural em quantidade considerada atraente para a indústria? Se for isso, eu não saberia dizer, pois essa resposta necessita de informações técnicas e geológicas acumuladas e detalhadas, que, no momento, quase ninguém tem acesso. Sabe-se que na região produtora entre os rios Urucu e Tefé tem muito gás, e que o petróleo, que é retirado desde 1986, está se acabando; sabe-se que no Baixo Vale do Juruá, na região de Carauari, tem muito gás e já está sendo preparada uma exploração comercial ligando com o gasoduto de Urucu a Manaus. Além disso, quem afirmar que no Sul do Amazonas ou no Acre "será encontrado petróleo" está chutando, e, pior, está querendo que isso aconteça porque vislumbra alguma possibilidade de tirar proveito disso.

Poderia indicar os prós e os contras de se executar um trabalho como esse em uma área que em sua maior parte é composta por terras indígenas e de preservação ambiental? Quais os principais impactos seriam sentidos de imediato?

Essas atividades vão atrapalhar, incomodar, e até infernizar a vida de muita gente na região. Os levantamentos sísmicos significam que a poderosa indústria petrolífera foi autorizada a desembarcar com seus homens e equipamentos e que ali vai ficar por vários anos, tentando controlar tudo e mandar na vida das pessoas. A mata será rasgada para campos de pouso, estradas e trilhas; os sobrevôos, a circulação dos barcos e veículos, os testes com bombas enterradas tudo isso vai afugentar a caça, prejudicar as roças e a pesca; a movimentação de pessoas estranhas na área vai gerar, como sempre, conflitos, aumento do alcoolismo, das drogas, da prostituição. Se for preciso alterar a legislação, a indústria conseguirá, para ser autorizada a prospecção em Unidades de Conservação de Proteção Integral, como são os Parques Nacionais, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas. Essas áreas estarão condenadas a nunca mais serem de fato protegidas. Nas terras indígenas também são proibidas por enquanto as atividades, mas vão forçar para fazer, lá dentro ou na faixa vizinha, "do lado de fora"; para os nativos, vão ficar prometendo dinheiro, recompensas, serviços, mercadorias, e até "trabalho" para eles, e "comissões" para a Funai. Não tem retorno.

A experiência executada em Coari, no Amazonas, em moldes parecidos, foi positiva ou negativa? O que se pôde tirar de lição daquele trabalho? O senhor produziu um livro sobre o tema?

Visitei uma única vez por poucas horas a base produtora de Urucu, sobrevoei o primeiro trecho do gasoduto e pousei duas vezes no aeroporto de Coari. Não estou em condições de fazer esse balanço de prós e contras. Não escrevi um livro, nem poderia, mas fiz uma serie de três artigos longos, publicados na coluna do meu compadre Txai Terri Aquino em um jornal de Rio Branco, em 2007, um deles em co-autoria com o antropologo Marcelo Iglesias.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

GRANADA

50 ANOS DE INCOMPETÊNCIA E CORRUPÇÃO


Faz 50 anos que o presidente João Goulart sancionou a Lei 4.070, de autoria do deputado Guiomard Santos, que elevou o Território do Acre à categoria de Estado.

A mudança começou por nos possibilitar eleições de governador e de deputados à Assembleia Legislativa.

Em seguida, as dotações consignadas no Orçamento Geral da União, para o Território do Acre, foram transferidas à aplicação do governo do Acre.

No exercício financeiro subseqüente ao da promulgação da Constituição Estadual, o governo do Acre recebeu da União um auxilio correspondente ao valor global das verbas orçamentárias atribuídas ao Território, no exercício anterior.

E o Estado do Acre segue contando com a generosidade da União no repasse de verbas e créditos orçamentários que alimentam a máquina pública.

Mas os recursos da União somados aos recursos que passamos a arrecadar foram mais que suficientes, todos sabem, para deixar o Acre melhor do está.

O problema é que este meio século do Estado do Acre está marcado por incompetência, desmandos e corrupção.

Como sociedade, o que conseguimos mesmo foi transferir, de modo nada sutil, a matriz da empresa seringalista para a vida pública.

No esquema do Estado do Acre pretensamente moderninho estão barracões, casas aviadoras, coronéis de barranco, patrões seringalistas, estradas de seringa, jagunços, capatazes e seringueiros no cativeiro, presos por um sistema de endividamento.

Viva o Estado do Acre, que comemora 50 anos com o aeroporto da capital fechado para reforma.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

NÃO É PERMITIDO FECHAR AS PORTEIRAS

POR LEILA JALUL

Com todo respeito, digo ao jornalista Beneilton Damasceno, autor do artigo "Bem-vindos ao paraíso", que posso entender a sua indignação. O Acre, queiram ou não, está cheio de homens e mulheres competentes. Isso é fato. E são trocadas por pessoas “de fora” menos competentes e indicadas por ingerências políticas, até. Isso pode justificar o motivo da raiva do nobre escriba. Acho que sim.

Sempre tive a impressão, também e no entanto, que há um território maior que o Acre. Um território chamado Brasil, cujas leis codificadas permitem o direito de ir e vir para onde quiser, com quem quiser e para fazer o que bem der na telha. E é daí que há tantos “estrangeiros no Acre”, nas funções mais diversas.

Sejam médicos, juízes, advogados, professores, comerciantes, donos de empresas de ônibus e tantos outros tipos de profissionais, acompanhados por suas famílias, ou não. E ficam no Acre em definitivo, ou não. E daí?

Os territórios recentes e desprovidos de recursos humanos bem qualificados ensejam a busca de novos caminhos e novas fatias de mercado. Muitos profissionais saem de mercados saturados e pretendem vida melhor.

Mesmo assentados e servindo ao (no e o) Acre, não perderão as raízes. É bem normal que, ao término de suas funções (ou enriquecimento, que seja), ou em razão de suas aposentadorias, retornem aos lugares de origem, dos quais guardam saudades e vínculos.

Diz um velho ditado: “Quem fica parado é poste”. Também se diz que, para viver, a gente escolhe o lugar. Para morrer, qualquer lugar é lugar.

As pessoas citadas no artigo, aos que o jornalista denominou “heróis nativos” e das quais não recebi papel passado para representá-las, posso dizer, até por tê-las conhecido, que:

Miguel Jerônimo Ferrante e sua esposa Maria Augusta, pais de Glória Perez e do Saulo Ferrante, viveram longos anos no Acre. Ele, na condição de promotor, vinculado aos afazeres da Justiça e ela, nos serviços cartoriais. Miguel, um grande homem, também atuava como professor de Língua Portuguesa no Colégio Acreano. Os quadros do Acre eram limitados. Glória viveu o Acre até os 16 anos. Tomou muita água do rio, mas, com a ida dos pais para Brasília, por ser menor, foi estar com eles. Miguel Ferrante, por competência, foi nomeado ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Bastante normal que Glória Perez, já crescida, também tenha seguido outro caminho. Casou, teve filhos e foi morar no Rio de Janeiro. Algum mal nisso? Pelo que sei da vida, o destino, às vezes, é quem faz o nosso traçado.

Por méritos, entrou na dramaturgia e lá construiu sua vida de autora respeitada no Brasil, na China, França e em outros países onde a dramaturgia brasileira se qualifica como uma das melhores. Nem assim deixou de ser acreana. “Acreoca”, poderão dizer.

Sobre Adib Jatene, morando no Acre no tempo da pedra lascada, poderia ser o médico que é? Jatene é médico de renome. Nunca se ouviu falar que, onde trabalhou se, quando procurado por um conterrâneo, tenha deixado de assistir ou encaminhar os arrebentados das coronárias para o atendimento apropriado. Chega a ser aviltante este tipo de raciocínio menor. Adib Jatene é um homem do Brasil. É cientista do mundo.

Jarbas Passarinho foi homem de caserna. Viveu onde lhe determinaram viver. Serviu ao Brasil e aos superiores. Não importa em que tempo. Formou família e, por comodidade, na velhice, mora onde escolheu morar e onde está sua família. Não teço maiores comentários à vida do homem Jarbas Passarinho por desnecessário neste espaço.

De João Donato, posso dizer, é outro cidadão que nasceu no Acre, transferiu-se para o Rio, fez sua vida de músico respeitadíssimo no país e fora dele. As cercas do Acre não o aprisionaram pela simples paixão de ter nascido nele, lá pras bandas do lago do Amapá. Os palcos do grande músico estão para muito além do Teatrão. Não é favor dizer que João Donato é um dos maiores músicos brasileiros. É dever.

Ao respeitado articulista acreano (ou acriano, como goste de grafar), posso afirmar, sem medo, que nenhum dos “heróis” citados pediram homenagens aos governos acreanos. Nem para ser nome de rua, nem de escola, nem de estradinhas vicinais. Até arrisco dizer que aceitaram por educação e por não saberem que não se deve dar nome de logradouros públicos a pessoas que ainda batem as pestanas.

Quer o jornalista dizer-se incomodado com a falta de valorização dos acreanos competentes que derramam suor, que o diga, mas sem diminuir acreanos bem sucedidos fora do Acre. Quer falar mal dos picaretas que grassam por aí? Que fale. Estes, sim, merecem ser nomeados e presos, quando ladrões forem.

Não sendo assim, sem um grito de alerta, sem uma tomada de posição, a moribunda casta acreana morrerá como viveu: olhando da janela um amanhã que não chegará. Estará eternamente cheia de tédio e ódio armazenado no coração, dizendo o que não deve e contra quem não merece. E ainda mais, como entendi do texto, com pensamentos e palavras depreciativos.

O sucesso alheio não nos deve obrigar a roer as próprias unhas. Há muito sei disso.

Não é permitido fechar as porteiras do Acre.

Leila Jalul é cronista acreana e mora no interior da Bahia