quinta-feira, 22 de março de 2012

SONHOS SABOTADOS

POR JAIRON NASCIMENTO

O solo do Estado do Acre é formado por um pacote argiloso de aproximadamente 1,8 mil metros de espessura cujo nome foi dado pelos especialistas de formação Solimões. Esse pacote argiloso foi, ao longo de 8 a 5 milhões de anos, formado por depósitos efetuados em ambiente de mar raso, muito provavelmente em regime lagunar e/ou paludal, por ocasião do levantamento dos Andes.

Os primeiros 70 metros do pacote argiloso foi recortado em diferentes momentos e também de forma discordante aos atuais eixos fluviais, ao longo dos últimos 20 mil anos, por fluxos fluviais extintos que possuíam maior e menor energia cujas marcas são identificadas através dos materiais que eram transportados e depositados (areias, matérias orgânicas e fósseis).

Uma linha de pedra (Stone line) marca a separação da formação Solimões (mais antiga) dos depósitos fluviais, (mais recente), indicando um período de aridez nesta região que hoje conhecemos por Amazônia acreana. A argila, principal sedimento que compõe a formação Solimões, possui espessura muito fina cujas moléculas agregam-se de tal maneira que não permitem o armazenamento de água entre elas, pela absoluta ausência de espaço.

Essa é a explicação básica para se entender duas questões fundamentais que precisam ser consideradas nos planos de desenvolvimento para a região da qual estamos falando: (1) o Estado do Acre possuir uma densa rede fluvial formada por grandes e pequenos rios e, (2) Não existe água no subsolo em quantidade capaz de atender as demandas de médias e grandes populações uma vez que a sua capacidade de recarga é muito baixa. Ao compreender as potencialidades e desvantagens desta realidade geoambiental, qualquer governo sério, não sendo o caso do atual, construiria ações para tirar vantagens no processo de desenvolvimento do Estado bem como se desviaria de eventuais planos que já nascem fracassados.

Na década de 1960, os governos militares cometeram um erro muito grave ao construir a BR 317, que liga o Amazonas (Boca do Acre) à fronteira com o Peru (Assis Brasil) pelo interflúvio (parte mais Alta) da Bacia do Rio Acre. Alguns engenheiros ao lerem esta informação indagarão: Mas qual o problema? O traçado de uma estrada no interflúvio possui uma grande vantagem, uma vez que quase não há necessidade de pontes e isto se reveste na diminuição substancial dos seus custos! Ok. Mas ocorre que com a instalação de milhares de fazendas de pecuária de corte ao longo do seu curso, entre tantos danos ambientais causados, o mais grave e pernicioso, foi supressão da floresta nas áreas de nascentes dos rios de 3ª e 4ª ordem cuja função principal é captar água para o curso principal, no caso em questão, o Rio Acre.

Ademais, contando com a leniência dos órgãos de controle e fiscalização, os proprietários dessas fazendas barraram esses rios tributários como forma de oferecer água com mais facilidade aos seus rebanhos (pequenos açudes). Desde então os governos no Estado do Acre que se sucederam não apenas ratificaram como aprofundaram esta lógica perversa e criminosa. O atual, não apenas reforça como tenta enganar a população vendendo imagens publicadas pela mídia chapa branca de estar recompondo matas ciliares no lugar onde deveria estar apoiando a pequena produção ribeirinha, aproveitando a região de solos aluvionares, ricamente férteis, as margens dos rios de toda a bacia hidrográfica do Rio Acre.

Na impossibilidade de infiltrar em virtude da impermeabilização natural conforme descrito acima, as águas das chuvas que por sua vez são resultantes da evapotranspiração e da umidade trazida do mar pelos ventos alíseos, têm como única opção escorrer superficialmente sobre o pacote argiloso da formação Solimões, dando origem assim a uma densa rede fluvial cujo canal principal, no caso de Rio Branco, é o Rio Acre, único ambiente com capacidade para ofertar água em grande escala atendendo o consumo doméstico bem como a fraca e incipiente indústria local.

Contraditória e irresponsavelmente os governos que se sucederam ao longo dos últimos anos foram incapazes de gerenciar ações para proteger este frágil e impar ambiente. Sem adotar medidas de planejamento, incentivaram a ocupação indiscriminada do solo urbano e induziram a periferização que se configura como o avanço da franja urbana sem controle e/ou acompanhamento sobre os igarapés cujos vales se estendem da margem de um a do outro mais próximo por, em média, aproximadamente 3 km degradando-os e levando-os à falência uma vez que os dejetos gerados são drenados para a rede fluvial.

Conforme dados sobre saneamento gerado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o Estado do Acre disputa com Alagoas e Maranhão os últimos lugares na escala de unidades da federação com abastecimento de água tratada, coleta e tratamento de esgoto. Isto explica o motivo dos altos índices de doenças em Rio Branco e demais cidades do Estado, cujo vetor de disseminação é ambiental.

Por tudo isso não é aceitável continuarmos ouvindo velhos e enfadonhos discursos de que “a vida vai melhorar”, “o Acre tem jeito”, etc. Os 13 anos de governo do PT não foram suficientes para se pensar e construir um Acre de prosperidade voltada para a maioria de sua gente. A causa que acendeu em nossos corações a chama da luta e dos sonhos de um Acre justo com seus filhos foi sabotada por aqueles que se diz de "esquerda", mas que enganam uma grande maioria por deterem o controle do aparelho estatal, por se utilizarem de métodos coercitivos em vez do debate aberto e democrático e, principalmente, por pautarem, amordaçarem e corromperem a imprensa, projetando como "natural" a predominância de um pensamento único, calcado na "razão cínica".

Apesar da sabotagem, é necessário recolocar-se as questões e as experiências vivenciadas para o debate nos marcos das possibilidades históricas, dialogando com os que ficaram revitalizados pela companhia dos integrantes das novas gerações que despertam interesses por novas formas de fazer política. A perspectiva histórica não se coaduna com um curvar-se às migalhas que caem das mesas daqueles que controlam a máquina pública de maneira policialesca e totalitária. Não se faz coro com a bajulação oportunista e mesquinha daqueles que cercam os governantes e seus gerentes em busca de cargos públicos e/ou vantagens pessoais.

Jairon Nascimento é professor associado da Universidade Federal do Acre e doutor em Geociências e Meio Ambiente

3 comentários:

Pitter Lucena disse...

Valeu Jairon.

Janu Schwab disse...

Patz! Que aula. Gostei.

joaomaci disse...

A maior lição que se pode tirar desta análise do professor Jairon é que mantidas as ilusões da civilização ocidental e seus simbolos, tais quais desenvolvimento, democracia representativa, mercado e coisa tal, não há a menor chance de qualquer político fazer algo realmente diferente.