quinta-feira, 15 de março de 2012

O ÚLTIMO MÁXIMO GLACIAL

POR JAIRON NASCIMENTO


O transbordamento dos rios acreanos que atingiu aproximadamente 200 mil pessoas (somente em Rio Branco foram aproximadamente 150 mil) comoveu todas as pessoas de bem e mobilizou outros milhares na ajuda humanitária imperiosa e necessária.

Obviamente, as pessoas atingidas foram vítimas de um fenômeno natural cíclico inexorável. Todavia, o que se presenciou foi um governo estadual e municipal despreparados para enfrentar este tipo de catástrofe natural, em que pese 18 das 22 cidades sedes dos municípios acreanos estarem localizadas às margens de algum rio que todos os anos, por força dos indicadores climáticos, têm suas águas substancialmente acrescidas.

O fato indica não apenas o despreparo dos governos estadual e municipal, especialmente de Rio Branco, como também denuncia a sua incompetência, o descaso, a negligência e a ignorância deliberada quanto aos fatores reguladores do sistema geoambiantal que atuam nas bacias hidrográficas onde estão inseridas as cidades acreanas atingidas pelas cheias.

O último máximo glacial (avanço das calotas polares) ocorreu há cerca de 18 mil a 14 mil anos. Várias foram as alterações na paisagem de todo o planeta. Na Amazônia, especialmente na região sul-ocidental, onde estão localizados os Rios Juruá, Purus e Acre, a principal mudança foi a alteração no perfil longitudinal desses rios, bem como de todos os seus tributários.

A concentração de grande quantidade de água em forma sólida nos extremos da terra implicou no recuo do nível do mar com conseqüente início de um ciclo erosivo de fases, criando-se uma paisagem com três níveis de terraceamento que perdura até a presente data, conforme se pode observar na imagem acima.

Esses terraços são chamados de superior, médio e inferior e estão dispostos, alinhados ou não, ao longo das bacias hidrográficas formadas pelos rios citados, cuja cronologia de sua formação é decrescente, ou seja, o mais alto é mais antigo e o mais baixo mais recente. Além disso, todo Rio, notadamente os meandrantes, elaboram planícies de inundações, como forma de, ocasionalmente, dissiparem através destas, o excesso de energia no sistema.

O vetor de ocupação da região geográfica da qual estamos tratando foram estes mesmo rios cuja economia da borracha e da castanha introduziu o embrionamento dos principais pólos urbanos que no Acre se tem conhecimento. O modelo de ocupação desses pólos urbanos, desde a sua gênese até o momento atual, foi distintamente marcado pela exclusão, neste caso geoambiental, e não poderia ser diferente posto que a economia do extrativismo engendrava os primeiros genes do capitalismo inglês, introduzindo assim, na Amazônia sul-ocidental, o seu fenótipo.

A exclusão geoambiental foi “empurrando” as pessoas que, pela falta de opção para sobreviverem nos seringais, em razão dos curtos ciclos de ascensão e declínio da economia gomífera, procuravam os núcleos urbanos em formação para viverem. A instalação dessas moradias foi paulatinamente ocorrendo, obviamente, nos lugares mais baratos cuja localização está no terraço inferior bem como nas planícies de inundações onde ciclicamente são alcançados pelas águas dos rios e igarapés que servem essas regiões.

Ds 22 municípios que formam o Estado do Acre, 18 possuem suas sedes localizadas à margem de algum desses rios ou tributários. O caso de Rio Branco, a capital do Acre, é emblemático. Maior cidade do estado, galvanizou ao longo de sua história 2/3 da população do Acre. Seu crescimento tem se dado em todas as direções e ao longo das margens do Rio Acre que são cada dia mais densamente ocupadas por milhares de pessoas, diante da inércia, ignorância e incompetência do poder público das diferentes esferas governamentais que negligenciam um dos principais papeis da governança nas cidades, o planejamento.

Não é surpresa posto que nos últimos 13 anos de governo dos irmãos Vianas, Binho Marques e seus capachos, as principais ações teve como marca principal a estética que, segundo nos ensina Zygmun Bauman em “Modernidade Líquida”, possui o gene do nazismo e do fascismo.

Nos últimos anos, os governos do Acre, além de renunciarem ao planejamento, estimularam a ocupação indiscriminada dessas áreas de preservação permanente na medida em que construíram várias estruturas de serviços dentro delas. Mesmo localizadas às margens do Rio Acre, Epitaciolândia e Porto Acre (cidade nova) foram às únicas a não serem atingidas posto que seu núcleo urbano está localizado exatamente em cima do terraço superior não alcançado pelas cheias, mesmo em situação excepcional, como foi o caso recente.

O drama das demais cidades, incluindo-se Rio Branco, todos nós, lamentavelmente, continuaremos assistindo a cada ocorrência de fenômenos semelhantes ao que acabamos de presenciar, principalmente se alguma medida de planejamento urbano séria não for tomada que leve em conta a geomorfologia acreana sucintamente aqui descrita.

Jairon Alcir Santos do Nascimento é professor associado da Universidade Federal do Acre e doutor em Geociências e Meio Ambiente

4 comentários:

Fátima Almeida disse...

Semana passada Evandro Ferreira publicou artigo em jornal local sobre o modo equivocado como plantaram espécimes da palmeira imperial ao longo de vias pavimentadas nesta capital. Sem dúvida, ele não foi consultado e nenhum outro especialista como ele, em palmeiras. Metade delas já morreram, contabilizando-se prejuízo, segundo dados de seu artigo, de 500 mil reais, até os dias de hoje. Este artigo do prof. Jairon também deixa evidente que a gestão pública da cidade não recorre à produção científica. Por isso que estão sempre nomeando a eles que estão no poder de fascistas. Obviamente, quem tem coragem para chamá-los assim não precisa deles. Toda angústia é devido ao fato de vê-los fazendo tanta asneira, com desperdício do erário, sabendo onde tudo vai dar e sem poder fazer nada.

joaomaci disse...

O professor Jairon demonstra muito conhecimento em Geociência. Mas acho que no caso de Rio Branco é preciso admitir que há sim um planejamento que nos últimos anos incide sobre a configuração da cidade. PORÉM, tal planejamento faz vista grossa para o público que sofre com as enchentes. O planejamente é somente um instrumento para a valorização imobiliária das áreas onde estão as terras dos ricos e poderosos deste lugar.
É de arrepiar!!

Acreucho disse...

Pensei que era só eu que achava que neste Estado se faz obras sem recorrer a nenhum estudo ou padrão científico conhecido para dar parâmetro ao que deve ser feito... Constroem-se estradas sem consultar geólogos, plantam-se espécies sem nenhum critério, se faz obras de infraestrutura sem nenhum planejamento técnico... Quando será que isso vai acabar?

Peter disse...

Um grande exemplo do estimulo a ocupação indiscriminada dessas áreas de preservação permanente foi o que ocorreu logo ao lado da nova ponte como quem vem pela Amadeu Barbosa do lado direito onde se pode observar várias estruturas de serviços dentro delas, como uma quadra e acessos por baixo da via. Também nesta mesma via podemos ter uma da idéia da forma como a cidade foi crescendo ao observar várias construções irregulares se proliferando ao longo da Amadeu em um vasto espaço onde se poderia realizar a construção de um novo bairro planejado e com toda infraestrutura necessária. Ex (http://www.bairronovo.com/porto-velho-ro.aspx). satisfações companheiros!!!

Se você acha a educação cara, experimente a ignorância!!!