terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

MANIFESTO DOS HAITIANOS EM IÑAPARI

POR FOSTER BRONW E MIGUEL XAVIER
 
Imigrantes pedem deportação ou autorização para atravessar a fronteira Brasil-Peru


“Nada é tão ruim que não possa piorar.” Estas palavras, ditas por um especialista em Defesa Civil falando a respeito dos impactos de mudanças climáticas no Acre, podem servir para o caso de cerca de 300 haitianos refugiados em Iñapari, um pequeno vilarejo peruano na fronteira com o Estado do Acre, na Amazônia brasileira.

A maior parte dos haitianos viajou do Haiti e da Republica Dominicana ao Peru sem saber que a porta de entrada para o Brasil iria fechar no dia 12 de janeiro. Foi antes também do governo peruano ter exigido um visto específico deles.

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As agências de viagem e os haitianos que chegaram antes relataram que eles poderiam encontrar trabalho no Brasil com a demanda de mão-de-obra criada pelo boom econômico brasileiro e a grande oferta de empregos nas construções para a Copa do Mundo de 2014.

Boom que os brasileiros conhecem melhor através da imprensa internacional do que em suas realidades cotidianas. Após o dia 12 de janeiro, aqueles que chegaram à fronteira, em Iñapari, para entrar no Brasil, encontraram a porta fechada, permitindo que esta situação remontasse à tragédia da enchente que assola a tríplice fronteira do Brasil, Peru e Bolívia.

Durante os dias subsequentes aglomeraram-se haitianos em Iñapari esperando uma decisão do governo brasileiro sobre o seu presente e futuro. Grande parte dos haitianos gastou a sua poupança pagando comida e hospedagem, ficando finalmente sem recursos e parados na fronteira.

A Igreja Católica, através do padre René Salizar, abriu suas portas e muitos dormirarm no templo situado na praça central de Iñapari. A comida fornecida veio em parte da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos do Acre, através da colaboração com o município fronteiriço de Assis Brasil e o Comitê Binacional Peru-Brasil.

Como a maioria dos haitianos tinha exaurido os seus recursos, não havia outra opção além de esperar. A primeira esperança foi a visita da presidenta Dilma Rousseff ao Haiti, no início de fevereiro.

Infelizmente, não houve uma proposta para o caso deles. Somente disseram que o Brasil iria emitir 100 vistos por mês, 1,2 mil por ano e não iria exigir uma indicação de emprego, mas somente emitiriam os vistos no Haiti.

Qualitativamente é uma proposta interessante, apesar de que os imigrantes teriam que voltar ao Haiti para pedir um visto, logo agora estão sem dinheiro. Quantitativamente parece pouco quando comparado aos padrões já estabelecidos.

Por exemplo: três milhões de brasileiros são imigrantes em outros países, enquanto os haitianos esperam por uma decisão, em Iñapari, de 100 vistos por mês. Um milésimo deste número de brasileiros no exterior seria três mil pessoas, dez vezes mais do que os haitianos que aguardam no limbo.

Apesar de ser um número pequeno, quando comparado a outras situações calamitosas, são 300 seres humanos, incluindo crianças e gestantes, que estão vivendo em condições difíceis, muitos dormindo no chão da igreja. Sem proteção contra insetos, a maioria tem picadas sobre picadas, com algumas virando úlceras na pele, seja nos braços ou nas pernas.

E neste limbo caiu água, muita água. No dia 16 de fevereiro, Iñapari teve a pior inundação de sua história recente, não constando na memória dos mais velhos da cidade, com água cobrindo quase a cidade inteira.

Os residentes de Iñapari tiveram que buscar refúgio. No caso dos haitianos, o refúgio foi uma pequena escola, seca quando não chovia. Daí aumentou o sofrimento: comida, talvez uma vez por dia e água turva para beber. E este foi um sofrimento compartilhado por peruanos de Iñapari.

Os haitianos fazem apelos para as autoridades solucionar a situação, seja com a permissão para trabalhar no Brasil ou a deportação ao Haiti, o que parece uma alternativa mais digna a eles.

Manifesto


Na sexta-feira passada (25), os imigrantes haitianos retidos na pequena Iñapari assinaram um manifesto à opinião pública brasileira e peruana. Eis a íntegra do manifesto:

“Reunidos, todos os cidadãos haitianos, no templo paroquial da Igreja Católica da cidade de Iñapari, no dia 25 de Janeiro de 2012, às quatro horas da tarde, tendo conhecimento da chegada de jornalistas da cidade de Lima, capital do Perú; depois de uma longa assembléia, onde se manifestaram vários de nossos compatriotas, homens e mulheres, alguns com lágrimas nos olhos, expressamos o seguinte à opinião pública:

1. Que neste momento nos encontramos 280 cidadãos haitianos retidos, nesta cidade fronteiriça de Iñapari, sem poder passar ao Brasil, desde o dia 12 de janeiro. Muitos de nós já não temos recursos económicos para pagar hotel, alimentação e para gastos pessoais. Por este motivo, caridosamente, o Pároco de Ibéria nos forneceu o local do templo para lá nos instalarmos. Somos mais de cem pessoas dormindo e guardando nossas malas no dito templo.

2. Nós não tinhamos conhecimento da decisão humanitária que havia tomado o governo do Brasil, de outorgar vistos de trabalho para cidadãos haitianos em sua embaixada no Haiti; neste momento já estávamos no caminho viajando para o Brasil. Uma vez que na cidade de Santo Domingo, capital da República Dominicana, nos ofertam passagens de avião, dizendo que há trabalho no Brasil, a passagem pela fronteira é livre, etc., e aqui nos damos conta de que tudo foi pura mentira.

3. Solicitamos encarecidamente ao governo do Brasil que nos permita ingressar a seu país, por um Ato Humanitário, para oferecer nosso trabalho, sobretudo, como mão de obra em suas grandes construções e mega-projetos; porque nós somos gente de trabalho e não temos a nenhum tipo de trabalho.

4. Ao estar fechada a fronteira do Brasil e não podermos passar, somos conscientes que estamos expostos ao tráfico de pessoas, porque sabemos que já houve vários haitianos vítimas, afetados em seus direitos fundamentais como imigrantes na fronteira do Peru com o Brasil, de roubos, abusos e maus tratos, violação de mulheres e até assassinatos. Portanto, gostaríamos de pedir ao governo do Brasil que nos permita ingressar por sua fronteira de Assis-Brasil, para evitar o tráfico e ação de coiotes.

6. Solicitamos ao governo do Perú que conceda anistía para vários de nossos concidadãos que já tenham vencidas as permissões de estadia no Perú,  para que assim não soframos a prisão por parte da polícia nacional peruana; porque nosso país de destino não era o Perúl, mas sim o Brasil.

7. Expressamos nosso profundo agradecimento ao Padre René Salízar, pároco de Ibéria, que desde mais de um ano está solidário com nossa causa, também ao senhor prefeito de Iñapari e à Prefeitura Municipal de Assis-Brasil, pelo apoio humanitário que nos está fornecendo.

Esperando que através do presente documento nosso grito de auxílio seja escutado pela opinião pública do Perú, Brasil e Haiti, abaixo assinados.


Foster Brown é geoquímico, pesquisador do Woods Hole, professor da Universidade Federal do Acre (Ufac), cientista do Experimento de Grande Escala Biosfera Atmosfera na Amazonia (LBA) e membro da Iniciativa MAP de Direitos Humanos; Miguel Xavier é professor de química da Ufac.

2 comentários:

DoAcre disse...

Cara! esse drama dos haitianos é um negócio muito sinistro. Já ouvi de pessoas relativamente influentes, porém, com certa penetração de opinião, dizer em alto e bom som que eles (os haitianos), deveriam se lixar e levar suas "doenças" de volta para o lugar de onde vieram.
Acredito em Deus, na justiça, na força das palavras, sejam elas boas ou ruins.
Senso de humanidade transcende ao comodismo de estar em nossas casas "confiantes e felizes" com nossas vidinhas medíocres, à aceitar o fato de que seres humanos, apenas com menos oportunidades desde o nascimento não sejam tratadas com respeito e dignidade.
O Brasil se diz constitucionalmente um país democrático e igualitário, não há oportunidade melhor para fazer valer suas palavras.

Unknown disse...

uma reportagem aqui na tv do Acre mostrou um dos agentes de empresários de Cuiabá q vieram aqui em Brasiléia buscar haitianos como mão de obra e comentou que viera porque conhecia-se a tradição do tempo da escravatura de que negro de canela fina é bom trabalhador, aguenta muito... o pessoal do Acre perdeu a oportunidade de contratar muita gente boa, formada em turismo, falante de 3 a 5 idiomas, que poderiam ser aproveitados pelas demandas de projetos turisticos do estado... pensando-se talvez que fossem só gente pra trabalhar de pedreiro... por último deixaram estes remanescentes ilhados em Iñapari, e as águas trouxeram tamanho desalento a todos...