quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

ADVOGADO RESPONDE JORNALISTA

João Tezza

Caro Elson Martins,

Estranhei muito ser chamado por você de “inimigo”, independentemente da adjetivação.

Desde que nos conhecemos, nunca o considerei inimigo nem imaginei que seria -essa coisa- para alguém, muito menos para você. Você me enganou! (Rs Rs: risos, não reais).

Fiquei lisonjeado com seu comentário. Principalmente agora, quando soube ter partido de um “inimigo”. Se essa qualificação é para valorizar o comentário, você está perdoado.

Pequenas observações dado o tempo que não nos vemos:

Nunca advoguei para grileiros ou invasores. Meus clientes, apesar de alguns –poucos- darem o cano, sempre foram motivo do meu orgulho profissional até porque nunca defendi, no cível, a ilegalidade.

No crime, só para esclarecer, não se defende o fato tido como criminoso. Só se defende o acusado.

O Acre só não virou uma “terra de ninguém” porque fomos vencedores, contrariando, ainda na ditadura, todas as instâncias inferiores, pelo fato do Supremo Tribunal Federal ter acolhido, nos idos de 70/80 do século passado, nossa tese de que os seringais Riozinho do Rola e Catuaba, eram privados.

O Incra defendia junto com alguns “juristas” de plantão que todo o Acre era constituído de terras públicas.

Aqui no Acre essa tese (de que os seringais são constituídos de terras privadas desde o Tratado de Petrópolis – independentemente de sua extensão) ao que eu saiba, só foi reconhecida pela coragem, brilhantismo e cultura jurídica do Dr. Jair Facundes, titular da 3ª. Vara da Justiça Federal – Seção Judiciária do Acre, em relação aos seringais Baixa Verde e Barro Alto.

Não sei qual interesse do Incra ao defender essa inconsistente e infundada tese ainda nos dias de hoje, quando o Brasil vive uma democracia. Fazer justiça é que não é.

Quanto ao fato de ter sido líder de esquerda, esclareço que fui preso diversas vezes e por vários meses e fui, finalmente, denunciado ao Tribunal da 5ª Região Militar (Curitiba-PR), onde o Ministério Público (Justiça Militar) pediu mais de 25 anos de cadeia para mim e o afastamento de meu emprego.

A Lei de Segurança Nacional à época mandava o empregador, pena de responsabilidade, afastar, sem vencimentos, o empregado durante a apuração dos fatos tidos como criminosos.

O gerente do Branco do Brasil onde eu havia sido o 1° colocado no último concurso nacional (passaram a ser regionais só depois de 1964) me deu férias com data anterior ao ofício recebido.

Os advogados da época (Lamartine de Oliveira Lyra e René Dotti) discutiam se o que cabia para revogar o artigo da Lei de Segurança Nacional que previa o afastamento sem vencimentos enquanto durasse o processo, seria Mandado de Segurança ou Habeas Corpus.

O Superior Tribunal Militar, que à época era no Rio de Janeiro, concedeu para mim Mandado de Segurança uma vez que estava proibido de conceder Habeas Corpus pelo AI- 5.

Por ocasião do julgamento (1968) eu “fugi” de Curitiba e graças aos depoimentos de meus professores (dentre eles Egas Dirceu Moniz de Aragão, diretor da Faculdade e presidente do Conselho Administrativo no qual eu, por eleição direita, representava os alunos), fui absolvido.

Quando voltei ao trabalho, já absolvido, descontaram dos vencimentos, os dias que faltei porque estava “em lugar incerto e não sabido”. Jamais pedi o reembolso.

Acho graça quando me perguntam se eu recebo alguma indenização ou pensão pela perseguição. Jamais fui obrigado a nada.

Assumo integralmente todas minhas ações tal como as videntes, sejam no passado, no presente ou no futuro. Não acho que no futuro o povo acreano (ou brasileiro) tenha que me sustentar.

De uma coisa me orgulho muito e meus filhos (Ana Rosa, João Neto, Jose Paulo, Ana Laura e Hermann) e suas mães, confirmam: Nunca recuei um micro milímetro na minha luta pela democracia e jamais cedi nada (material ou intelectual) à ditadura ou às suas benesses.

Quando soube do caso do filho do Terri Aquino, fiquei chateado de não ter sido procurado antes.

Embora não faça advocacia criminal, não suporto injustiça. O Acre me conhece: não consigo me calar, ou omitir, diante de qualquer opressão ou violação de direitos, principalmente pelo Estado.

Estudo e trabalho diuturnamente para deixar à sociedade um meio ambiente (incluindo o social) melhor do que eu recebi.

Quanto aos “jacus paulistas” terem vindo para o Acre, a grande maioria seguindo minha orientação jurídica, eles são o melhor acervo do que fiz pela minha terra e tenho para mostrar aos meus descendentes.

Procure uma propriedade rural onde qualquer peão não tenha carteira assinada e moradia digna. Se encontrar, eu redigirei (grátis) a denúncia às autoridades.

Só faço uma ressalva: seringal (com exceção da Bonal) não vale.

Por fim, quero lembrar que o tempo passa, melhora nosso humor e aumentam os presentes recebidos como o seu comentário.

Daí porque meu humor aumentou (acho cada vez mais graça de nossos políticos) e o estoque de cachaça também.

Sirva-se de ambos, a casa é sua.

A nota do advogado João Tezza foi enviada em resposta ao seguinte comentário do jornalista Elson Martins:

"Há cerca de dois anos o desembargador Arquilau de Melo andou procurando parceiros para realizar um seminário sobre direito indígena em Rio Branco. Ele argumentava que os índios precisam conhecer melhor as leis dos brancos para não incorrerem em delitos como o que o Irineu teria cometido.

Pelo que se lê dos hábitos indígenas, eles não têm sobre o roubo o mesmo conceito que os brancos têm.

Aliás, quando chegaram a esta região,os indígenas eram senhores das terras, mas os brancos lhes roubaram todas para abrir seringais, estupraram suas mulheres e destruíram suas aldeias. Entretanto, pareciam que estavam agindo dentro da lei (dos brancos). Passaram-se 100 anos até que os indígenas começassem a recuperar alguma coisa de tudo que lhes roubaram.

Era bom que o desembargador voltasse com a idéia do seminário podendo realizá-lo no Centro de Cultura do próprio Judiciário. Alguns brancos sensatos vão corar de vergonha ao ouvir relatos dessa história feitos pelos próprios indígenas.

Quanto o João Tezza, no tempo dos conflitos entre fazendeiros e seringueiros, envolvendo também os indígenas nos 70/80 do século passado, ele brilhava como advogado dos invasores e grileiros, mas recebia bem a imprensa, sempre, e contava uma história difícil da gente acreditar na época: que tinha sido líder estudantil de esquerda no Paraná, sua terra.

Eu mesmo procurava sempre ele para saber sua opinião sobre os conflitos. O cara, inteligente que só, procurava me convencer com seus argumentos e seu bom uísque, de que seus parceiros e clientes do sul fariam bem ao Acre. Não convenceu, mesmo assim, permanecemos como "inimigos cordiais".

Agora posso dizer que somos amigos e sua atitude de defender o filho do Terri de graça me convence de uma coisa: nesses últimos 30 anos o Tezza se acreanizou um pouco."

5 comentários:

ALTINO MACHADO disse...

Comentário do João Tezza Neto:

"Caro Altino,

Depois de ler a resposta do pai sobre o comentário do Elson gostaria de postar meu comentário, conforme segue abaixo:

“Nesse debate, vejo contente os fatos superarem as (tortas) versões ou falsos estigmas. Pai, quem lhe conhece de cotidiano sabe de sua generosa militância pela liberdade de ideias. Como filhos aprendemos essa lição sem discurso, mas com atitudes.

Um abraço orgulhoso do filho,

João Tezza Neto.”

Desde já lhe agradeço!"

Eduardo disse...

Tudo bem que você tem seus princípios Tezza, mas considero a sua resposta a esse beócio o mesmo que jogar pérola aos porcos...

Roberto Feres disse...

Respeito, mas discordo.
É muito cômodo concordar com a unanimidade vigente, mas isso só ajuda quem estiver ganhando com ela e nunca quem se submete.
Defender uma posição discordante desgasta no curto prazo mas constrói respeito.
No fim das contas o contraditório mostra sempre o melhor caminho.

Pietra Dolamita disse...

Agora ficam cutucando o advogado. Deixe o nobre colega defender o rapaz.
Afinal todos tem direito a defesa. E é assim se legitima o direito.
O resto é passado, e se forem desenterra seus mortos,cairemos em um eterna discussão do que é certo ou errado.

Vingador disse...

Bem,
Sabemos que durante a "colonização" do Acre, foram cometidos todos os tipos de absurdos, no entanto em pleno século 21 não podemos mais usar esse argumento de que o índio não saiba distinguir o que é certo e errado.
Se conversarmos com qualquer liderança indígena ficaremos abismados com o conhecimento que eles têm da nossa legislação, com exceção dos isolados todos os demais estão aculturados há muito tempo, não cabendo, portanto essa visão de alguns antropólogos de que eles (os índios) devem ser inimputáveis.