terça-feira, 20 de dezembro de 2011

O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL

POR LUCIANO MARTINS COSTA

Na semana passada, o portal G1, do grupo Globo, enviou a Rio Branco, no Acre, uma repórter para documentar o que seus editores consideravam uma curiosidade digna de suas telas: a inauguração do primeiro grande shopping center da cidade (ver).

A jovem cumpriu a encomenda com disciplina: o texto, intitulado “Primeiro shoping muda hábitos da população do Acre” é um primor de jornalismo provinciano: aquele que, embora produzido a partir de um ambiente cosmopolita, enxerga apenas uma fração do objeto analisado, reforçando idéias preconcebidas.

A jornalista tomou um taxi no Hotel Terra Verde, se deslocou até o centro de compras, onde realizou as entrevistas, depois conversou com lojistas da cidade, escreveu sua reportagem e passou horas no saguão do hotel lendo os comentários dos leitores.

A reportagem deu curso a uma sucessão de manifestações preconceituosas contra as populações do norte e do nordeste do país, revelando que o brasileiro não conhece o Brasil.

O texto da jornalista, correto do ponto de vista da pauta que lhe foi encomendada, revela, porém, certos vícios do jornalismo brasileiro contemporâneo: a ênfase no aspecto comercial, a obsessão por infográficos e estatísticas e nenhuma sensibilidade para contextos sociais  e culturais envolvidos com o tema.

Se tivesse saido um pouquinho da rota traçada por seus editores, a repórter teria descoberto uma cidade interessante, provavelmente a capital do país que mais mudou nos últimos vinte anos, transformando-se de uma aldeia lamacenta em uma cidade vibrante, alegre, cheia de novidades e que no entanto preserva muito de suas características tradicionais.

Se tivesse parado para olhar os acrianos (com “i”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, conforme lembra o texto), a repórter teria conhecido o estado mais republicano do Brasil, onde as crianças aprendem o hino nacional e o hino do estado, conhecem a bandeira nacional e a do estado – sem, no entanto, o aspecto separatista e xenófobo que caracteriza outras regiões do país.

Teria observado que em Rio Branco, a capital, pode-se acessar a internet gratuitamente em vários locais públicos, como praças, que há mais bibliotecas públicas, proporcionalmente à população, do que em qualquer outra capital, que há mais semáforos com temporizador do que em São Paulo e que o sistema de trânsito foi planejado recentemente levando em conta o fenômeno do crescimento das cidades médias e as mudanças de hábitos de uma população tipicamente rural.

E que a mudança de hábitos é causada pelas transformações ocorridas nessas cidades, não pela inauguração de um shoping center.

A reportagem sobre o shoping acabou sendo apenas isso: uma curiosidade.

Mas poderia ter sido uma oportunidade para mostrar aos brasileiros a gente que habita esse pedaço de terra que foi grudado ao território nacional pela vontade dos acrianos.

Luciano Martins Costa escreve diariamente no Observatório da Imprensa.

10 comentários:

lindomarpadilha.blogspot disse...

Tudo bem, Luciano, mas "de uma aldeia lamacenta a uma cidade vibrante"? menos!

Rio Branco é sim uma cidade maravilhosa mas, não por causa de seus administradores dos últimos 20 anos, nem por causa de semáfaros ou shoping. Ao contrário, é uma cidade maravilhosa justamente porque ainda preserva um pouco da simplicidade de sua gente. Não estraguemos isso! já basta o mal que fizeram com a mudança do horário, desrespeitando a vontade do povo, tudo para se "assemelhar" às vontades do Centro-Sul.

Lindomar Padilha

M. Salera disse...

Lindo texto Luciano. É como você disse, acabou sendo uma curiosidade. A verdade é que se fossem fazer um documentário sobre a região e as pessoas, mais uma vez filmariam a floresta, as aldeias, os igarapés, como sempre fazem, contribuindo para a falsa imagem que o sul do país tem da região, que aqui é só floresta, bichos e índios.

Roberto Feres disse...

menos Luciano...
transito planejado???
internet gratuita, mas que não funciona....
menos Luciano, bem menos...

Enzo Mercurio disse...

Antes tinha o velho mercado livre que ficava onde é hoje o calçadao onde tem as estatuas em homenagem aos seringueiros ; era so lama .
Mais na epoca os Acrianos estavam acostumados.
Agora em relaçao ao " Sul maravilha " ver apenas mato e bicho aqui no norte isso tambem tem explicação .É que eles estão tão absorvido com as grandes cidades que nao enxergam mais nada.
Alias é assim que a grande maioria dos Americanos nos enxergam - SÓ MATO E BICHOS.

Francisco Nazaré disse...

Faltou ele citar a periferia que também está como a vinte anos, sem saneamento, segurança, iluminação....

RodB disse...

Impressionante como os comentaristas aqui vêem problema em tudo, não conseguem enxergar nada de bom que possa ser de alguma forma associado à administração da FPA. Sim, somos uma das cidades que mais mudaram nos últimos anos. E graças à FPA. Graças à eles. Engulam isso, porque é a realidade. Critiquem zilhões de coisas: segurança, saúde, índices econômicos e de IDH, pra tudo isso cabe questionamento sobre ter piorado ou não ter melhorado o suficiente. Mas as mudanças da cidade não há o que questionar, neste ponto Rio Branco se destaca a nível nacional, com espaços públicos bem cuidados e uma intensa remodelagem urbana de uma cidade que era caótica. Rio Branco melhorou demais, como nenhuma capital brasileira conseguiu em tão pouco tempo. Méritos à quem merece. Visitem Porto Velho se quiserem ver uma cidade que foi na direção contrária e vejam se eles quando passam por aqui não saem invejando o que aconteceu em Rio Branco. Temos problemas como todas as cidades brasileiras, mas o saldo é positivo. Se vocês acharem uma administração que eliminou todas as mazelas de uma cidade brasileira, me apontem por favor, estou curiosíssimo pra conhecer.

@MarcelFla disse...

Calma RodB, melhorou? Claro, às vezes até penso que piorar não podia, agora por isso devo endeusar alguém?! Não fizeram mais do que deveriam, afinal é este o seu trabalho. Quanto ao texto do Luciano, está ótimo, bem patriótico, colocando o autor em patamar digno de membro de uma AERP, mas tenho que concordar com o Roberto Feres, o transito aqui é caótico, tenho sérias dúvidas sobre a dita "engenharia de tráfego" do Detran, e a Floresta Digital, parece que foi só mesmo pra vender antena.

Paulo Henrique disse...

Luciano, obrigado por me ajudar a entender o conceito da "internacionalização da Amazônia"!
A Suiça é aquí em Rio Branco, enquanto o Haiti fica em Brasiléia...
Você é o cara!

RodB disse...

Mas o problema é exatamente esse, Marcel. Reconhecer, elogiar um trabalho é visto por você como endeusamento. Deixo claro no meu comentário que muitas críticas podem ser feitas e elogio o governo num ponto em que acho que merecem elogios. O problema é que os cegos pelo partidarismo ou os que guardam ranço de lideranças políticas - e estes são tão numerosos quanto os "puxa-sacos" - não enxergam nada de positivo. O que é bom e elogiável "não é mais que a obrigação". Pudera as administrações anteriores terem feito a sua obrigação, certamente os problemas seriam bem menores atualmente, até porque as mazelas de Rio Branco vêm de muitas décadas atrás e o desafio é minimizá-las agora que chegaram neste ponto (é utópico resolvê-las todas, só conseguiremos diminuir). A internet gratuita tem problemas? Vamos cobrar, reclamar. Mas e as 26 capitais que nem internet gratuita com problemas possuem? Criticar é fácil, não falta o que criticar, mas é preciso também saber reconhecer quando alguma coisa é bem feita. Longe de perfeição e que ninguém espere perfeição, porque esta sempre foi inalcançável.

alisson disse...
Este comentário foi removido pelo autor.