sexta-feira, 9 de setembro de 2011

POLÍTICA 2.0

Marina Silva

Nem o clima de deserto que castigou Brasília no Sete de Setembro intimidou os cerca de 25 mil manifestantes da Marcha contra a Corrupção, em pleno centro do poder.


A despeito do calor, a maioria foi de preto, para expressar seu luto diante da corrupção e da impunidade.

Gente muito jovem, em grande parte, foi dizer aos Poderes da República que não aceita a complacência e o corporativismo com que corruptos costumam ser tratados. É gente consciente, cidadã, que com razão considera aberrante o desfecho do caso da deputada filmada recebendo dinheiro sujo e absolvida pela Câmara, em votação secreta, acobertada do público.

Quem foi às ruas também não se conforma com o pragmatismo raso, que usa a necessidade de governabilidade como álibi eterno para políticos de todos os partidos. O movimento que pôs tanta gente no centro de Brasília não é espontâneo -rótulo enganador que sugere certa ingenuidade.

Houve a iniciativa de quem se dispõe a não aceitar o lugar de mero espectador da política. Pipocou nas redes sociais, foi autoconvocatório. Barrou quem queria entrar com bandeiras de partidos. Pacífico, livre, não atacou o governo, mas disse o que o revolta.
 

Agora desafia análises apressadas que, usando categorias e modelos mentais insuficientes para entender o presente, partem para rotular e desqualificar. "É de direita", "é moralista", "é apolítico".

Talvez porque não estavam lá, à frente, faturando para seu grupo a sempre forte presença da população na rua, assustadora para quem, no poder ou na periferia dele, está pronto a servi-lo a qualquer preço. Falam como coro grego que vê sua função de intermediário esvair-se, pois a própria plateia resolve assumir a ação.

O povo apareceu, como gritaram em Brasília. Que é um movimento político, não há dúvida, mas não nos termos partidários ou do maniqueísmo da disputa entre esquerda/direita, progressista/conservador. No mínimo, as passeatas de Brasília e de outras cidades, mesmo que em menor número, mostraram que é possível se mobilizar em torno de um alinhamento ético e da busca por direitos e cidadania.

Mostram ainda que as novas metodologias e formas de comunicação funcionam e podem crescer em força, capacidade de agregação e na prospecção de novos aplicativos democráticos.
É a borda caminhando para o centro, o seu lugar legítimo.

Isso deve incomodar muito quem pensa que as questões do poder não são da conta do povo. Como alguém postou no Twitter: "O "basta à corrupção" de hoje, fruto de uma espécie de autoconvocação, pode ser o embrião de um histórico movimento de cidadania".
 

Esperamos que sim, embora não saibamos ainda no que vai dar. Mas certamente vem por aí a política 2.0.

Marina Silva escreve às sextas-feiras na Folha de S. Paulo

2 comentários:

Altemar disse...

Diretamente das margens do Rapirrã:
Tem gente que conta que o Pero Vaz de Caminha não fechava uma cartinha que não tivesse, no fecho, um pleito de um mimo. O seu Laurentino Gomes descreve no 1808 que o "Joazinho" era da pesada, tanto que o Napa (o Bonaparte) disse: 'Foi o único que me enganou'. Tem outros tantos ao longo da cronologia que gostavam de um "agrado", tinha até proeminentes brasileiros que beijavam a mão de presidente americano (apud Bourdoukan), mas e ai? Que bom que acordaram, se expressam, PENSAM.
Agora é bom lembrar que manifestações de rufo similar, em passado recente, deram a senha para um rufar de tambores bem diferente do que ora professam.
Obrigado pelo texto da Dona Marina.
A história é mesmo um tesouro, boas noites.

P.S.: Ops, outro peixe!

Francisco Cândido Dias disse...

Os manifestantes do 7 de setembro não fizeram nenhuma diferenciação entre bons e maus políticos. Colocaram todos no mesmo saco, o que é uma injustiça, mas que é a paga pela total falta de transparência dos homens públicos para com os seus eleitores. Tanto o Congresso aprontou que, hoje, somente os mais bem informados conseguem separar o joio do trigo. A péssima, a horrorosa e escabrosa imagem institucional do Poder Legislativo empana o brilho e o desempenho individual que qualquer um dos seus membros. Para a grande massa, a classe política é corrupta e desonesta. Ninguém, em sã consciência, aceita mais um Sarney, um Renan, um Jucá, um João Paulo Cunha, um Maluf gozando de imunidade parlamentar. Ninguém, no seu juízo normal, aceita o tipo de negociata que é feita à luz do dia para distribuir cargos e ministérios, gerando corrupção e roubalheira. Estas coisas vêm se acumulando, enchendo, estressando a gente decente que paga impostos e trabalha honestamente. No dia de sua independência, o brasileiro deu o primeiro passo rumo a um movimento que pode assumir proporções muito maiores, pois não aceita mais assistir a grande maioria dos deputados, em votação secreta, absolver uma deputada ladra, corrupta, desonesta, apanhada em flagrante delito. Não existe democracia sem políticos eleitos pelo povo, sem partidos registrados e sem Congresso funcionando. Mas o brasileiro mostrou que está atento e que basta um grito para que exploda. É bom que os políticos entendam o que aconteceu no Brasil no dia 07 de Setembro de 2011. Foram todos colocados no mesmo saco. Não escapou ninguém. Ou os políticos decentes captam o clamor das ruas ou os justos pagarão pelos pecadores. O recado foi dado.