POR JOSÉ RIBAMAR BESSA FREIRE
Por que parada militar? Não seria mais apropriado comemorar esse dia com desfile de escolas de samba?
A pergunta foi feita, via Facebook, por Cláudio Nogueira, de Manaus. Amanhã, 5 de setembro, dois dias antes do Grito do Ipiranga, a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas bota as crianças prá marchar. Na verdade, ninguém sabe direito porque está marchando. Feriado. Data cívica. É também o Dia da Amazônia, instituído pelo Senado.
A escola vai empurrando com a barriga, aos trancos e barrancos, obrigando os alunos a memorizarem algumas datas e os nomes de alguns “heróis”. A mídia vai fazendo como pode o seu samba do crioulo doido ou a toada do caboco pirado.
Comemorar o quê?
Alguns já trazem a resposta decorada: em 5 de setembro de 1850 o Amazonas foi elevado à categoria de Província. E daí? Faça uma pesquisa de opinião, entreviste vereadores, deputados, prefeito e pergunte a cada um deles: você sabe o que significou para a vida dos amazonenses a criação da Província?
Taí, uma boa pergunta: o que teria acontecido, se não tivesse havido o 5 de setembro, isto é, se o Amazonas não tivesse se transformado numa província autônoma?
Bom, em primeiro lugar, hoje não seria feriado no Amazonas. Que pena!
Em segundo lugar, continuaríamos sendo uma comarca da Província do Pará e depois um município do Estado do Pará. Do ponto de vista político, não teríamos um governador próprio.
Não haveria também uma Assembléia Legislativa do Amazonas, da mesma forma que hoje não existe uma Assembléia Legislativa do Alto Solimões. Como o Alto Solimões nos enviou esses dois estadistas impolutos - Lupércio Ramos e Belarmino Lins - assim também nós enviaríamos para a Assembléia Legislativa do Pará, como representante do Amazonas, um montão de “fichas sujas”.
O amazonense não existiria como identidade coletiva politicamente trabalhada e estimulada. Seríamos todos paraenses, conterrâneos - ai, meu Deus! - do Jarbas Passarinho e do Jader Barbalho, mas em compensação de muita gente porreta. Falaríamos bonitinho como os paraenses, enfatizando os “nh”: maninio, queres comer farinia da vizinia?
Pesquisa histórica me levou a trabalhar os Anais da Assembléia Legislativa Provincial, onde estão as atas com os discursos dos deputados, seus projetos, os argumentos a favor e contra, enfim as diferentes propostas dos setores dominantes. Publiquei então um artigo intitulado “Quanto vale um índio no Amazonas”, onde reproduzi o primeiro projeto dos nossos deputados, que vale a pena ser relembrado.
A criação da Província do Amazonas permitiu que a elite econômica local organizasse a exploração da mão-de-obra, formada fundamentalmente por índios. Em 1850, cerca de 60% da população recenseada do Amazonas era constituída por índios. Os negros não ultrapassavam o número de 500, os donos de plantações e os negociantes ligados ao extrativismo tinham nos povos indígenas a principal fonte de mão-de-obra. Se o índio não trabalhasse, ninguém comia no Amazonas.
Os deputados da Assembléia Legislativa Provincial, representantes da minoria de 8% de brancos que aqui vivia se lançaram com voracidade sobre os índios. Os nobres deputados não esperaram sequer que a Casa fosse organizada para colocar as unhas de fora.
No dia 9 de setembro de 1852, foi lido o primeiro projeto da Assembléia Legislativa que rezava:
Art. 1 - Fica livre a todo morador poder ir contratar a troca dos indígenas bravios com os principais das nações selvagens.
Art. 2 - Feita a troca, o indivíduo apresentar-se-á com os indígenas perante o Juiz de Paz mais vizinho para assinar um termo de educação por espaço de dez anos.
Os nobres deputados voltaram a entrar na História pelas portas dos fundos alguns anos mais tarde. A Lei nº 86 de 22 de outubro de 1858 concedia “um prêmio de 50$000 réis por indígena isolado e 100$000 réis por chefe de família indígena excedente a duas pessoas, maiores de 8 anos de idade, ao empresário que colonizar e fizer residir no estabelecimento número superior a 15 indígenas”.
Para os índios, que constituíam a maioria da população, a elevação do Amazonas à categoria de Província significou o recrudescimento da exploração de seu trabalho, a invasão de suas terras, com conseqüências graves, que levaram ao extermínio de muitos povos e ao empobrecimento cultural da região.
Comemorar o quê? Quem comemora? Parada militar ou escola de samba? Viva o 5 de setembro? O que interessa agora é saber quando o Amazonas deixará de ser província.
P.S.: Conto esses e outros fatos no livro de minha autoria “Rio Babel – a história das línguas na Amazônia”. A Editora da UERJ, em coquetel realizado sábado, 3 de setembro, na Bienal do Livro no Rio, organiza o lançamento da sua segunda edição – a primeira se esgotou.
O professor José Ribamar Bessa Freire coordena o Programa de
Estudos dos Povos Indígenas (UERJ),
pesquisa no Programa de Pós-Graduação em
Memória Social (UNIRIO). Escreve no Taqui pra ti.
5 comentários:
Já que ninguèm disse nada vamos, pelo menos, relembrar este discurso:
http://www.youtube.com/watch?v=kJzTZvAJf3c
Foi em 92 e ela nem é brasileira ou do PV, e tinha 6 anos a época.
Por que non te callas III?
Errata pós alcólica:
12 anos.
Altemar,
Este video ficou muito famoso. Muito bem lembrado, obrigada!
Eu nunca esquecerei a primeira vez que vi uma pequena parte da Floresta Amazonica! Meus olhos encheram-se d'agua, foi a coisa mais linda e bela do mundo. A natureza e extraordinaria! Quanta vida, quanta coisa bela, pensei naquele momento.
Por outro lado, meus olhos enchera-se d'agua mais uma vez quando conheci tambem, a triste realidade de seus habitantes e e seus ferozes predadores... assim como chorei e choro quando vejo o brasileiro, nao importa de qual regiao do Pais, desrespeitando-a! quanta tristeza e quantas mortes!
Talves nao se comente esta materia, pois muitos sao a favor do tal "desenvolvimento acelerado" proposto pelo governo. Desenvolvimento este que causara muitos danos as pessoas, fauna e flora, ao planeta, gerando mais desigualde social do que ja existe.
Nao sou contra o desenvolvimento local, pelo contrario, gostaria que as pessoas vivessem melhor, beneficiando-se das riquezas locais de forma sustentavel e respeitando o tempo da natureza. Sei que pode parecer utopia, mas realmente desejaria ver isto um dia. Porem, o que oferem-nos e o "desenvolvimento"mais capitalista e cruel, porem, disfarcado como a melhor coisa do mundo. Nao respeitam os habitantes da Floresta, os Indigenas, fauna e flora!
O brasileiro so se dara conta de que perdeu o bem mais rico e precioso do planeta quando este estiver quase extinto, assim como um dia aconteceu com a bela Mata Atlantica.
Nao sou estudiosa, nem tenho canudos e tao pouco dinheiro, porem, tenho olhos para ver aquilo que e obvio. Aprendi a respeitar a natureza e a quem dela necessita para viver, nao nasci sabendo, mas alguem me ensinou... Exitem pessoas que ainda buscam mudar esta situacao, espero poder fazer alguma coisa tambem.
Esta faltando amor e respeito por tudo nos dias de hoje. O homem torna-se cada vez mais ganacioso, egoista, maldoso e manipulavel.
Portanto, nao vejo motivos para comemorar esta data, mas sim, ficar de luto em consideracao aqueles que morreram buscando uma solucao para o problema no meio deste "mundo cao", infelizmente.
PAra quem tiver interesse: 1309466437_Relatorio Violencia-com capa - dados 2010 (1).pdf - Relatorio de Violencia contra os povos indigenas no Brasil - 2010.
Este relatório é uma publicação do
Conselho Indigenista Missionário (Cimi),
organismo vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Aquí no Acre este dia se comemora tocando fôgo nos pastos das fazendas enchendo o peito de cada acreano de fumaça. Aquí mecanizar a terra para os fazendeiros tem um custo muito elevado... Então a fórmula é fogoooo!!!
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