Moisés Diniz
Este artigo é motivado pela declaração da Prêmio Nobel da Paz de 2003, a iraniana Shirin Ebadi, de que “Lula não deveria fazer amizade com governos criminosos”, referindo-se ao presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad.
Shirin Ebadi foi a primeira juíza e única representante feminina na corte do monarca Xá Reza Pahlevi, visto pela população como corrupto, que esbanjava gastos em festas regadas a champanhe francês enquanto os iranianos empobreciam.
A iraniana Shirin Ebadi não diz uma única vírgula contra a relação diplomática do Brasil com Israel e não escreve sequer uma poesia contra a declaração daquele mesmo Estado de que pode realizar um ataque aéreo contra o seu país, o Irã dos aiatolás que ela ajudou a construir.
Declarações desse tipo nos levam a olhar com mais profundidade para a história do Prêmio Nobel, especialmente o da Paz. Um olhar mais criterioso vai descobrir que, nem sempre, a paz foi a motivação verdadeira para a concessão de tão prestigiado prêmio.
O Prêmio Nobel, da Nobel Foundation, na Suécia, foi instituído por Alfred Nobel, químico e industrial sueco, inventor da dinamite, em seu testamento. Alfred Nobel deixou 32 milhões de coroas (atualmente uma coroa corresponde a R$ 0,25) para aplicação e distribuição aos laureados.
Numa indisfarçável contradição, o Prêmio Nobel da Paz é pago com dinheiro arrecadado de patentes da dinamite, artefato à base de nitroglicerina, que se tornou o núcleo tecnológico para a produção de material bélico que já exterminou milhões de homens, mulheres e crianças.
É como um criminoso que leva pão para a mãe de sua vítima e garante remédio para as dores terríveis que ela sente depois da morte de sua filha inocente. Alfred Nobel inventara a dinamite, núcleo tecnológico de todas as armas de destruição e morte.
Um prêmio à paz tornava charmoso o seu criador e aliviava a culpa de ter inventado a morte que esfacela corpos e arrebenta lares inocentes. Alfred Nobel não imaginava, todavia, que sua fundação fosse tão longe, laureando criminosos e protegendo interesses econômicos e geopolíticos da velha elite.
O Prêmio Nobel da Paz foi concedido 90 vezes para 120 Nobel entre 1901 e 2009, 97 vezes para indivíduos e 23 vezes para organizações. Nesses 108 anos o Prêmio Nobel da Paz nunca foi concedido a um líder verdadeiro da esquerda mundial, nunca a um líder indígena que se contrapôs aos interesses econômicos de seu país e nunca a um líder comunista.
Sequer foi agraciado um Papa progressista como João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, responsável pela abertura da Igreja ao sopro da civilização, semeando o diálogo entre os homens e os povos, evitando a morte de milhões, pois a humanidade se abraçou mais e perdoou mais depois do Concílio Vaticano II.
O Prêmio Nobel da Paz, mesmo quando não pode desconhecer importantes figuras da luta pacifista do planeta, agracia os líderes populares junto com os seus algozes. O Nobel da Paz foi concedido a Yasser Arafat, em 1994, mas, na mesma data, foi dado a dois de seus inimigos: Shimon Peres e Ytzhak Rabin.
Quando Nelson Mandela mobilizava a opinião pública do planeta, a Nobel Foundation o agraciou com o Nobel da Paz, mas não esqueceu de laurear junto o principal algoz do povo negro da África do Sul: Frederik Willem de Klerk.
Em 1990 foi a vez de Mikhail Gorbatchov, responsável direto pelo desmantelamento da União Soviética e a conseqüente destruição do seu parque industrial e da infra-estrutura de proteção social dos trabalhadores, gerando milhões de desempregados, alcoólatras, prostitutas, mendigos aos milhões e todos os tipos de criminosos.
De vez em quando, para burlar a opinião pública, eles escolhem alguém que está lutando contra uma ditadura num país sem importância estratégica, como foi o caso da Nobel da Paz de 1991, Aung San Suu Kyi, uma ativista da oposição em Mianmar.
Lech Walesa, em 1983, cumpriu o papel de ser agraciado por ter desmantelado o socialismo na Polônia. Demonstrando que o seu papel era apenas esse, implementou uma política nociva aos trabalhadores poloneses, sucateando a economia e despejando milhões de polacos no desemprego e na violência. Em 2000 Lech Walesa tentou de novo a eleição presidencial e obteve menos de 1% dos votos.
O fim do socialismo no Leste europeu (apesar de seus imperdoáveis erros) provocou o descontrole da elite mundial, que passou a explorar mais a classe trabalhadora, a demitir mais, a reduzir direitos sociais e trabalhistas e a aumentar a sua brutal taxa de lucro no costado dos operários. Sem contraponto político, a burguesia soltou os cachorros do lucro na rua dos pobres do planeta.
Em 1978 o Nobel da Paz foi concedido ao líder de Israel Menachem Begin, um dos pais do sionismo. Em 1981, Begin ordenou o ataque ao reactor nuclear Osiraq, no Iraque e em 1982, o governo de Begin decidiu a invasão israelita do sul do Líbano.
Todavia, foi em 1973 que a Nobel Foundation ultrapassou todos os limites éticos na concessão do Nobel da Paz, agraciando Henry Kissinger. O secretário de estado norte-americano ganhou, com Le Duc Tho, o Prêmio Nobel da Paz, pelo seu papel na obtenção do acordo de cessar-fogo na Guerra do Vietnam. Le Duc Tho recusou o prêmio.
Henry Kissinger, além de ser o estrategista da Guerra do Vietnam, com milhões de mortos, é acusado de ter cometido crimes de guerra durante sua longa estadia no governo, como dar luz verde para a invasão indonésia de Timor (1975) e a golpes de estado no Chile e no Uruguai (1973).
Martin Luther King, uma das honrosas exceções, foi agraciado em 1964 com o Nobel da Paz. Um ano depois o líder negro passou a questionar a Guerra do Vietnam, irritando aqueles que o queriam apenas como líder da luta contra o preconceito racial. Em 1968 foi assassinado.
Em 1945 a Nobel Foundation concedeu o seu prestigiado prêmio a Cordell Hull, considerado um dos pais das Nações Unidas. Todavia, um detalhe grotesco da sua biografia passou despercebido.
Atribui-se a Cordell Hull influência tanto sobre o presidente de Cuba, Federico Laredo Brú, como sobre Roosevelt na negação de ambos os governos para dar refúgio ao navio San Luis que em 1939 tentou chegar à América e Caribe carregado com mais de 900 judeus que procuravam escapar da Alemanha Nazi e tiveram que regressar, tendo a maioria perecido depois nos campos de concentração da Europa central.
Destacamos apenas alguns laureados, com o intuito de demonstrar que o Prêmio Nobel da Paz não representa uma instituição séria de promoção da convivência pacífica entre os povos. Excetuados os casos de concessão a líderes verdadeiros da luta pela paz, fruto da pressão da opinião pública mundial, o Nobel da Paz tem servido a interesses nada pacíficos e nada éticos.
É a paz dos mortos sendo utilizada para vampirizar as maiorias exploradas do novo e do velho mundo. Um prêmio cercado de festa, luzes e glamour, mas adubado pela morte de milhões na periferia do planeta. Subtraídas as honrosas exceções, um prêmio pacífico e ético tanto quanto a dinamite.
Até Barack Obama já recebeu o prêmio da suspeita Nobel Foundation e, enquanto embolsava os 1,4 milhão de dólares em Oslo, fez a defesa da Guerra do Afeganistão. Enquanto isso, Mahatma Gandhi nunca recebeu o Nobel da Paz!
Moisés Diniz é deputado estadual do PCdoB e autor e "O Santo de Deus.
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