Marina Silva
Um recente levantamento revelou a fragilidade do nosso Pantanal. O estudo demonstrou que cerca de 85% da cobertura vegetal nativa da planície pantaneira está intacta, enquanto no planalto, onde nascem os rios, restam apenas 40% da cobertura original. As áreas restantes foram devastadas e seguem sob risco de um processo contínuo de degradação, pressionadas principalmente pela agropecuária, mas também pelas mineradoras. O que ameaça todo o bioma, já que o impacto dessa destruição recai sobre a região inteira, dada sua interdependência. Os danos sofridos pela vegetação do planalto têm efeitos diretos sobre a planície pantaneira.
O retrato do que acontece está no trabalho Monitoramento das Alterações da cobertura vegetal e uso do solo na Bacia do Alto Paraguai - Porção Brasileira, fruto de uma parceria entre as organizações não-governamentais SOS Mata Atlântica, WWF Brasil, Conservação Internacional, Avina e Ecoa. O mapeamento teve apoio da Embrapa Pantanal e deve ser lançado nos próximos meses.
Outro estudo, batizado de Análise Ambiental Estratégica (AAE), realizado pelo COPPE (Centro de Pesquisa de engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), em 2008, traz também um diagnóstico de outra área do Pantanal, conhecida como a Morraria de Urucum. A região guarda a terceira maior jazida de minério de ferro e manganês do país. A pesquisa (disponível em http://www.lima.coppe.ufrj.br/aaepantanal) demonstrou que um dos primeiros impactos da mineração é a redução na quantidade de água, fundamental para a manutenção do ecossistema pantaneiro.
Os dois estudos indicam as áreas mais vulneráveis - aquelas cuja degradação vem se espraiando nos últimos anos - e as atividades que apresentam maior ameaça à região. Para muitos pode até parecer tolice defender a preservação da cobertura vegetal com feições de cerrado do planalto pantaneiro, especialmente quando se compara com a lucratividade do pasto que o substitui e que alimenta a atividade da pecuária.
Mas o maior equívoco, ao se analisar a situação do Pantanal, é justamente o de não percebê-lo como uma unidade maior, uma bacia hidrográfica, com áreas interligadas, tanto secas como alagadas, que precisam coexistir. Para que a exuberante planície pantaneira sobreviva, é importante garantir a preservação das áreas mais altas do bioma.
O Plano de Zoneamento da Cana-de-açúcar não pode incluir a região da Bacia do Alto Paraguai como área indicada para o cultivo ou para a instalação de novas usinas de açúcar ou álcool. Isto colocaria em risco todo o ecossistema do Pantanal. Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), entidade que agrega 60% dos produtores de cana brasileira, disse, em encontro recente realizado pelo Instituto Ethos, que considera um contra-senso desmatar para plantar cana.
Ele é favorável ao zoneamento agroecológico e, pelas suas palavras, "deve ser definido o não plantio de cana no Pantanal". Apesar de posições manifestadas por representantes do próprio setor, não há consenso no governo quanto ao tratamento a ser dado à região, o que já está causando atraso de mais de um ano na definição e divulgação do zoneamento.
Pressões para a liberação de novas usinas na região vêm de longa data. Várias tentativas foram feitas ao longo dos anos para reverter decisão do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que desde 1985 proíbe a instalação de novas destilarias de álcool na bacia hidrográfica do Pantanal. Por isso, o Plano de Zoneamento da Cana-de-açúcar deveria por um ponto final na questão, reconhecer as características ambientais da região e estabelecer regras específicas de proteção.
A sociedade vem fazendo a sua parte. São iniciativas como a Plataforma de Diálogo do Pantanal, que reune organizações civis e empresas, na busca de um equilíbrio entre a exploração e a preservação do meio ambiente. O Pantanal é a maior área úmida do mundo e foi declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Brasileira de 1988.
Não podemos repetir ali o que aconteceu com a Mata Atlântica, devastada e reduzida a apenas 7,9% de sua área original, com sérias consequências para o clima e a qualidade da água, do solo e da vida de milhões de pessoas do Sul, do Sudeste e do Nordeste. É necessário aprender com os erros do passado.
Não fazê-lo pode nos levar a situações dramáticas e quase irreversíveis, como a que o mundo está vivenciando hoje, diante do desafio dificílimo de reinventar-se para enfrentar as mudanças climáticas.
◙ Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.
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