terça-feira, 21 de abril de 2009

RETROCESSO ACELERADO

Marina Silva

Aconteceu na Câmara do Deputados, na semana passada: a Medida Provisória 425, que trata do Fundo Soberano, foi aprovada com um inusitado contrabando. Emenda incluída pelo relator, deputado José Guimarães, do PT, dispensa de licença ambiental as obras de duplicação ou ampliação de rodovias. Ou seja, se a estrada existe, ainda que seja uma pequena vicinal, pode ser transformada em BR asfaltada, sem se avaliar a oportunidade do empreendimento do ponto de vista dos custos socioambientais.


Aconteceu em Santa Catarina e foi amplamente divulgado: o Estado aprovou um verdadeiro código antiambiental, em conflito com a legislação federal e a Constituição, que entre outras medidas, diminui de 30 para 5 metros a área marginal de proteção a córregos, riachos, rios, a ser observada em qualquer propriedade rural.

Está acontecendo no Congresso Nacional: 18 projetos de decreto legislativo já foram apresentados para sustar ou anular medidas administrativas de proteção do meio ambiente e de criação de terras indígenas, tomadas pelo MMA e pelo Ministério da Justiça.

Está na iminência de acontecer no Congresso Nacional: modificações no Código Florestal para jogar no lixo décadas de conquistas da legislação ambiental brasileira e sacramentar o absurdo ocorrido em Santa Catarina, abrindo caminho para que aconteça o mesmo em outros estados. Tudo em nome do desenvolvimento.

Se formos conferir o significado da palavra desenvolvimento no dicionário veremos que está definido como "estágio econômico, social e político de uma comunidade, caracterizado por altos índices de rendimento dos fatores de produção, isto é, os recursos naturais, o capital e o trabalho".

Não há desenvolvimento sem o aproveitamento equilibrado dos recursos naturais. E hoje, esse aproveitamento incorpora significados decorrentes do acúmulo de conhecimentos que demonstram cabalmente a imperiosa necessidade de manter em equilíbrio nossa relação com o planeta. Ser ambientalista é exatamente isto: é trabalhar e defender o aproveitamento correto dos recursos naturais porque disso depende a continuidade e a qualidade da vida.

Houve um tempo, recente, em que os ambientalistas eram motivo de piadas, de gozação. Foi uma difícil caminhada até atingirmos um patamar de consciência da população que dá suporte ao uso responsável do ambiente natural. Mas ainda há quem não se convença, mesmo diante de graves desastres ambientais, mesmo diante de uma crise da proporção desta que vivemos agora e que ameaça o futuro da humanidade e do planeta.

Nossa constituição, promulgada em 1988, deu respaldo à atuação dos segmentos da sociedade preocupados com tais questões. Caminhamos de forma positiva, construindo uma legislação cuidadosa, equilibrada no trato das questões ambientais, que demonstrou a viabilidade de conciliar proteção ambiental e exploração econômica.

Neste segundo mandato do presidente Lula, no entanto, diversas autoridades governamentais e do setor empresarial estão buscando inverter a história e cunhar um novo diagnóstico: não mais o meio ambiente como vítima das atividades econômicas mal conduzidas, mas a atividade econômica como vítima da proteção do meio ambiente.

Os últimos ataques de uma série acabam de ser feitos, segundo a imprensa, pelos ministros de Minas e Energia e da Agricultura, no Fórum Empresarial realizado em Comandatuba. Para o primeiro, "é mais fácil subir num pau de sebo do que conseguir permissão ambiental para construir uma hidrelétrica". O ministro deve conhecer o caso da hidrelétrica de Balbina, inaugurada no estado do Amazonas na década de 80, considerada por muitos o maior desastre ambiental já acontecido no país. Hoje em dia, graças à legislação ambiental, é "mais fácil subir num pau de sebo" do que provocar irresponsavelmente outro desastre do porte de Balbina.

O ministro da Agricultura teria dito que a legislação ambiental brasileira "foi quase toda produzida pelo Executivo, por meio de Medidas Provisórias, decretos e outras normas, sem discussão no Parlamento". Não faz justiça ao enorme esforço feito no Parlamento e na sociedade civil brasileira para debater e conseguir a aprovação, primeiro, dos dipositivos ambientais constitucionais e, em seguida, leis e normas que deram ao Brasil respeito internacional e agora podem virar pó, sob toneladas de argumentos que não se sustentam num confronto honesto com a realidade.

Quem ataca? Quem defende? Nem consciente nem inconscientemente é crível apontar o meio ambiente como obstáculo ao desenvolvimento. Ele só é visto como impedimento por uma concepção atrasada, na qual vale tudo para atingir objetivos que nem de longe podem ser considerados os da sociedade em geral.

Investir contra a proteção devida ao meio ambiente, isto sim trabalha contra o desenvolvimento capaz de dar melhores condições de vida a todos, seja nas grandes cidades, seja no meio da floresta, para populações ribeirinhas ou urbanas.

É lastimável constatarmos a movimentação que se faz para promover um enorme retrocesso em nossa legislação ambiental. E ela é alimentada pelos sinais contraditórios que partem do governo, com medidas que desconstituem tanto seus próprios avanços quanto conquistas históricas a duras penas alcançadas. Parece que está mais do que na hora de a sociedade tomar satisfações.

Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.

2 comentários:

Cruzeirense disse...

A medida Provisória 425 é o tipo de trabalho que engrandece e faz o Brasil crescer. Ao contrário de entraves como essa sENADORA que só entristece e envergonha sua ex-classe seringueira.

Fátima Almeida disse...

Está cada vez mais dificil manter a unidade do partido dos trabalhadores que já vem em crise há alguns anos desde a saída de Heloísa Helena que conseguiu sozinha, sem apoio de empresários, num universo de 100 milhões de eleitores, 8 milhões de votos, sendo que um foi o meu. Acho lamentável duas lideranças como Marina (norte) e Heloísa (nordeste) atuarem em separado. Retrocesso acelerado, título da matéria, aponta para a urgencia de acelerar a formação de uma resistência, com retorno às bases e mobilização. Não há a mínima possibilidade de conciliação entre esses dois modelos de desenvolvimento.Aliás, Naná Medina já alertava nos cursos de educação ambiental que essa palavra, pelo prefixo "des" é negativa pois pressupõe um não envolvimento. A transoceânica foi um golpe fatal no santuário de Madre de Dios, abriu as portas para entrada do vírus letal da exploração desenfreada.Ali vai acontecer o que ocorreu aqui no Acre nos anos setenta. Todas as bacias dessa região fronteiriça estão comprometidas, desde então. Cinco madeireiras estrangeiras estão em ação, afora as que estavam por aqui e transferiram-se para aquela área. Lula é o capitão da IRSA- Integração de Infra-estruturs regional Sul-americana, com financiamento do BID E FUNPLATA (fundo financeiro para o desenvolvimento da bacia do prata), e ainda o BNDES. As iniciativas de resistencia como a da ong rios vios não têm pernas nem fôlego, sozinhas, para enfrentar o poderio das empreiteiras. No Brasil está ocorrendo um retrocesso na legislação ambiental enquanto que no Peru e Bolívia ainda nem se construiu uma base de dispositivos constitucionais ambientais. Enfim, vai ser uma hecatombe.