quinta-feira, 2 de abril de 2009

DEMOCRACIA DIGITAL NO ACRE

Rodrigo Fernandes das Neves

O Estado do Acre está caminhando a passos firmes para o que se convencionou chamar de um “governo único”, ou “governo eletrônico” para alguns. Não há dúvidas que em todo o mundo o investimento estatal em tecnologia tem crescido enormemente, mas o Estado do Acre, com as inovações que propõe, se colocará, confirmando-se o que está planejado e que já se encontra em andamento, em posição privilegiada e destacada, inclusive em uma comparação internacional.

Trata-se, na verdade, de uma série de investimentos em infraestruturas e sistemas que permitirão, dentre outras coisas, o oferecimento de serviços públicos de forma rápida, eficiente e com baixo custo, por meio da Internet. Assim como diversos governos em todo o mundo, está-se investindo aqui em um projeto que, em princípio, gerará benefícios na relação chamada “G2C” - ou seja, Governo para Cidadão - a exemplo de consultas médicas a serem marcadas pela Internet e a realização de matrículas escolares pela Grande Rede, tudo ao alcance de um clique (apenas dois entre uma gama de serviços que migrarão para o meio eletrônico).

Esse esforço exigirá um investimento considerável em infraestrutura tecnológica, resultando na construção de uma rede metropolitana de alta velocidade, instalada sobre fibra ótica e que interligará os órgãos públicos na nossa Capital. Em paralelo, por meio de um projeto em andamento, para que os cidadãos possam utilizar os serviços disponibilizados online, será oferecido à população, em todo o Estado, inclusive nas comunidades isoladas, acesso público gratuito à Internet, formando uma verdadeira “floresta digital”, como está sendo chamado o projeto. Tal proposta representa uma estratégia revolucionária de inclusão digital, e que faz todo sentido quando se pretende oferecer grande parte dos serviços públicos por meio da Internet.

Entretanto, ainda que o objetivo primário seja o oferecimento de serviços do Governo para o Cidadão, a infraestrutura instalada criará as condições materiais para outra revolução, esta sim uma mudança “paradigmática”: uma rede que permite um fluxo multidirecional de comunicação nos modelos C2G e C2C – cidadão para governo e cidadão para cidadão, respectivamente – além do tradicional G2C, que é o objetivo primário.

Essa possibilidade de apropriação livre da rede por parte dos cidadãos, que não ocorrerá naturalmente, mas como fruto da organização e demanda social, é extremamente empolgante, e pode criar um ambiente que caminhe para o florescimento de uma “democracia digital” originalmente acriana, onde a população possa se expressar cultural e politicamente e onde, em um futuro não muito distante, possa opinar e interferir positivamente na formulação de políticas públicas e na elaboração das normas e das leis no Estado.

Esses canais, baseados em tecnologias de informação e comunicação, tornam possíveis a deliberação e a interação política conjunta entre administradores públicos, representantes políticos e cidadãos, em benefício de uma coesão que se contrapõe à tendência geral de fragmentação social e perda da capacidade de ação coletiva. Isso exige, entretanto, a mudança da cultura democrática das instituições e uma grande capacidade de gestão pública da informação e do conhecimento. Esse processo está se iniciando e, ao que parece, não terá retorno quando a população identificar valor e significado na rede.

Devemos ter em conta que a construção desses espaços públicos virtuais tem o potencial de induzir o debate político plural, de forma que é obrigação de nossa sociedade demandar a criação de serviços inovadores de democracia digital, o que deve ocorrer em paralelo à criação de oportunidades universais de acesso às tecnologias de informação e comunicação e a formação educacional adequada para dotá-los de habilidade de manipular o conhecimento, proporcionando, dessa forma, a inclusão de sujeitos não usuais aos sistemas políticos tradicionais.

Diante desses desafios, um grupo de pessoas, do Acre e de fora, está iniciando um movimento que pretende discutir todas as oportunidades que surgirão deste caldeirão tecnológico, em busca de uma rede aberta, democrática e participativa, que permita o resgate do interesse individual nas questões públicas e a manutenção da diversidade cultural, refletindo em benefício coletivo e duradouro para nossa sociedade. Dessa forma o Acre, mais uma vez, poder servir de exemplo para o mundo e demonstrar a possibilidade de surgimento de uma nova forma de cidadania e florestania digitais.

Aqueles que se interessarem pelo tema e queiram conhecer melhor o início desse movimento independente e de base, que pretende contribuir para a liberdade e criação de novas oportunidades na Rede, pode entrar em contato pelo e-mail, de maneira a contribuir com idéias e sugestões de organização e trabalho. Nosso futuro começa agora.


Rodrigo Fernandes das Neves é procurador do Estado do Acre, com atuação na área ambiental.

4 comentários:

Unknown disse...

Alexis de Tocqueville, depois de 174 anos de publicar "A democracia na América", nunca se sentiu tão maravilhado com a possibilidade do modelo norteamericano se alargar por outros espaços americanos; todo mundo poderá influenciar as decisões.
Muito feliz esse insight do dr. Rodrigo Fernandes das Neves, chamando a atenção para a essa "estratégia revolucionária de inclusão digital"; "uma 'democracia digital' originalmente acriana".
Todos (que somos usuários frequentes das tecnologias da informação) entendemos o significado das preocupações e expectativas narradas pelo dr. Rodrigo, principalmente quando relacionada com as questões que envolvem a "busca de uma rede aberta, democrática e participativa, que permita o resgate do interesse individual nas questões públicas e a manutenção da diversidade cultural, refletindo em benefício coletivo e duradouro para nossa sociedade."
Por outro lado, a afirmação seguinte é quase uma desbordoada: "Dessa forma o Acre, mais uma vez, poder servir de exemplo para o mundo e demonstrar a possibilidade de surgimento de uma nova forma de cidadania e florestania digitais."
O fascínio pela tecnologia digital pode nos levar a deixar Tocqueville muito alegre (todos influenciando as decisões), entretanto, não podemos esquecer que num plano distinto destas expectativas respiram os indivíduos que tomam as decisões diretamente associadas ao poder político-econômico.
Na década de 1960, Wright Mills enfatizava esse aspecto, analisando a sociedade dos sonhos de Tocqueville. Nesse sentido, uma análise real da sociedade acreana pode identificar como as decisões relevantes (na acepção millsiana) vêm sendo tomadas ao longo do tempo, onde o “debate político plural” requerido fica restrito ao âmbito das esferas das pequenas decisões (à la Mills).
Sem dúvida, o projeto “‘floresta digital’, como está sendo chamado o projeto”, conforme descrito, é uma ação sensacional, monstruosa, mas, também, merece ser analisado dentro de sua realidade.
Dr. Rodrigo, parabéns por estar envolvido em tão grandiosa tarefa.

José Porfiro - jporfiro@uol.com.br
da UFAC.

Internacionalistas Mundo Afora disse...

Uau!!! Finalmente uma notícia boa.
Parabéns pela iniciativa inovadora.

Rodrigo Neves disse...

Caro J. Porfírio,

Suas considerações sobre meu artigo estão corretas. Não tenho dúvidas de que a tecnologia pode servir para qualquer coisa: inclusive para libertar ou para dominar.

Quanto ao que você chamou de "desbordoada" (sobre o Acre se destacar internacionalmente como exemplo), justifico dizendo, primeiramente, que coloquei na condicional: pode. Segundo, considero que não há experiência semelhante em qualquer lugar (quanto à floresta digital), ainda que, em países centrais, isso ocorre pelo simples fatos que as pessoas não precisam do Estado para estar digitalmente incluído. De toda forma, estarão colocadas as condições materiais para um novo processo democrático: a oportunidade é única, ainda que dependa de vontade política, educação, organização social etc etc (veja os trechos "Isso exige, entretanto, a mudança da cultura democrática das instituições e uma grande capacidade de gestão pública da informação e do conhecimento... o que deve ocorrer em paralelo à criação de oportunidades universais de acesso às tecnologias de informação e comunicação e a formação educacional adequada para dotá-los de habilidade de manipular o conhecimento...")

O que eu entendo, de toda forma, é que temos que trabalhar para que a rede a ser criada sirva, primordiamente, à liberdade. Temos essa responsabilidade. É com essa preocupação que acho que devemos, quem percebe os riscos e oportunidades, nos mobilizar e agir, agora!

Estamos abertos à sua contribuição e maiores debates.

Abraços

Thiago Carrapatoso disse...

Bela iniciativa! Estou ansioso para ver como se pode aplicar as facilidades de ferramentas online na gestão de um governo. Acabei de ler um artigo online que pode dar uma ideia do que se pode fazer (em inglês): http://radar.oreilly.com/2009/04/the-future-of-our-cities-open.html

Quanto mais participativa, melhor será para todos!

Abraços,