sábado, 21 de fevereiro de 2009

TIO AFIF E O PUM REDENTOR

Leila Jalul

Não sou chegada a humor negro, tenho pavor de pegadinhas e odeio aqueles quadros televisivos (vídeocassetadas) que mostram pessoas em situações de vexames e em tombos colossais e perigosos.

Tenho que convir, no entanto, que há situações dramáticas que, se não na hora, passado o susto, merecem três rodadas de gozação.

Tio Afif Zeth e sua esposa Zaida Faduk Zeth, após anos de trabalho no comércio e muito investimento no "over night", decidiram morar no Rio de Janeiro, a mais quase ex-maravilhosa das cidades, mais especificamente na Av. Atlântica, o mais caro metro quadrado do mundo. Tudo mais, tudo mais, tudo mais. Eles e as filhas Belkiss e Sulema mereciam aquele panorama magistral, espectral e divinal.

Como sempre quero pensar, tudo acaba. O que é bom, o que é ruim, tudo tem termo. E assim, o bom-bem-bom do tio Afif foi interrompido com um assalto ao prédio. Quatro bandidos, bem armados e musculosos, renderam toda a família na garagem e subiram para o arrastão. Um fim de festa arrasador para quem estava acabando de chegar de um convescote no Recreio dos Bandeirantes.

Os bandidos não estavam para brincadeiras. Agarraram logo a Sulema, a caçula do casal, e decretaram abrissem a porta, sem delongas e rapidinho, de preferência. Assim foi feito. Na ampla sala estavam em quarentena dois amigos e contraparentes do casal: Dona Letice Maria e seu filho Rachid que se restabelecia de uma delicada cirurgia nos periféricos.

Sem piedade, ao chegarem no interior do apartamento, foram ordenados a que sentassem num sofá de muitos lugares. Na ampla salona, lotada de cristais e moveis finos, um dos bandidos vigiava a galera enquanto Tio Afif acompanhava os demais em busca dos tesouros.

Os diálogos que transcrevo não estão em ordem, mas, quem tiver os ticos e os tecos nos devidos lugares, compreenderá.

- Senta tia! Chora baixinho, tá? Não gosto de mulher chorando no pé do meu ouvido, sacou?

- Ei, dona , essas duas alianças no seu pescoço são de ouro? É viúva?

- Sim.

- Faz tempo?

- Não. Tem menos de seis meses.

- Fica fria. Minha mãe também pendurava essas joças no pescoço. Sabe, não conheci meu pai. Minha mãe diz que ele era bom. Fica fria, não quero esses negócios. Sou um bandido respeitador. Agora, coroa, vamos parar com esse baticum de boca rezando. Isso mexe com meus nervos, compreende?

- Oi, tio, tem um rolex aí? Vamo que vamo! Desembrulha!

- Tem não, senhor.

Nesse particular, confesso, Tio Afif não mentia. Era homem das verdades. No fundo falso da gaveta não tinha um Rolex. Tinha quatro. Ele era fashion e denominava seus relógios de "As quatro estações". Gente fina é outra coisa!

- Vamos, puxa os ouro!

- Tem essas pulseirinhas das meninas e este colar que dei para minha esposa. É de esmeralda e de estimação. Tudo bem? Pode levar.

- Anda, tem dóla?

- Ali na gaveta tem uns mil e quinhentos. São da minha filha. Pode levar.

- Tem reaus? Euro?

- Tá na carteira. É tudo que tenho. É para passar a semana e para emergências. Meu filho mais velho (puta jogada!) viajou e levou meu cartão. Só volta daqui a quatro dias. Pode levar.

Aí começou a encrenca. Tio Afif havia feito uma festança de frutos do mar no Recreio dos Bandeirantes. Nervoso, enquanto durou o assalto e enquanto pôde, segurou as pontas. Porém, a certa altura do limpa-tudo, as ostras, os mexilhões e os camarões assassinos que bem lhe poderiam ter causado uma pancreatite aguda, começaram a eclodir diretamente do baixo ventre, rumo ao rumo da lapa do mundo. Insuportáveis ruídos e cheiros, tanto para o mais reles quanto para o mais sofisticado dos ladrões. Quanto mais o chefe reclamava, mais e mais tio Afif ficava nervoso e insistia em continuar contaminando o meio ambiente, e, por fim, borrou-se todo, manchando o caro tapete persa sob seus melados pés.

A coisa parou aí, ainda que restando serviço por fazer. Não tão satisfeitos com os badulaques , um tanto de grana e algumas bebidas e roupas de marca, os ladrões resolveram bater em retirada, não sem que o chefão advertisse em alto e bom tom:

- Olhe, seu peidão, a gente ainda se vê. Melhoras, tais me ouvindo, cheiroso?


- Calma, amigo, vou melhorar.

- Hoje não dá! Nóis volta! S'imbora, turma, tô sufocado! Esse babaca tá podre! Desunerou-se e se esqueceram-se de enterrar. S'imbora!

Leila Jalul é procuradora aposentada da Universidade Federal do Acre e cronista, autora de Suindara (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora LTDA, 2007) e Absinto Maior (2007).

3 comentários:

Anônimo disse...

Palavras a mais, palavras a menos, estou peidando de tanto rir.Não sou o tio Afif, mas preciso ir nos fundos para não borrar o persa.

Anônimo disse...

Cagão

Anônimo disse...

Eu nunca ví tanta besteira.
Assim, também posso ser um grande escritor.