Antonio Alves
Já vi a cena várias vezes, já não me surpreende: alvoroço, aplausos, assovios, as pessoas em pé nas cadeiras e os fotógrafos se esforçando para colher, no meio da multidão, uma imagem da franzina senadora Marina Silva (PT-AC), ex-ministra do Meio Ambiente e uma das estrelas mais visíveis no céu do “outro mundo possível” do Fórum Social Mundial (FSM). Desta vez eram duas estrelas, Marina e Leonardo Boff, o mais conhecido dos criadores da Teologia da Libertação, hoje um escritor totalmente convertido ao pensamento e a militância ecológica.
Na platéia, a maioria era de jovens, muitos pertencentes aos chamados Coletivos que surgiram com a realização das conferências nacionais de Meio Ambiente, quando Marina era Ministra. A eles, que organizavam o Encontro, juntaram-se centenas de pessoas de variadas idades e procedências, num dos mais numerosos eventos do FSM, até agora. Havia, certamente, mais de duas mil pessoas -muitas em pé, do lado de fora da tenda instalada no campus da Universidade Federal Rural da Amazônia.
No alvoroço de ontem, não faltou o côro “Marina Presidente”, que se repete nessas ocasiões e que causava em Marina indisfarçável embaraço quando estava no Ministério de Lula, ao lado da favorita Dilma Roussef. Hoje ela apenas baixa a cabeça e ninguém sabe o que diz aos seus botões. Depois o coro se transformou em apelos para que todos se sentassem e ficassem quietos. Finalmente, começaram as falas.
Três jovens desafiaram a impaciência do público e até conseguiram arrancar aplausos com discursos semelhantes aos do movimento estudantil das décadas passadas, embora moderados pelo ideário ambientalista e seu inevitável tom de pacifismo e respeito á diversidade. Depois falaram os convidados.
Leonardo Boff é enfático mas tem a calma de um pregador franciscano e mantém sempre um certo tom filosófico e analítico. Diz que a crise do capitalismo é “terminal” e não parece preocupado com gozações, embora exponha detalhadamente seus argumentos para esclarecer que não está sendo “voluntarista” com tal declaração. Vai da economia à espiritualidade, passo a passo, organizadamente.
Marina é mais militante, lembra a “neguinha” das passeatas e dos comícios. Isso me surpreendeu, fazia tempo que não a via assim. Não deixa de citar números e informações, também conta histórias e causos, até faz filosofia: fala de um novo projeto civilizatório. Em tudo demonstra noção das dificuldades práticas, mas argumenta em favor da utopia, dos sonhos e ideais. E aconselha os jovens: “não sejam pragmáticos”.
Não sei se outro mundo é possível -estou certo de que este não tem mais jeito-, mas me alegra ver Marina na luta. Além do mais, acho divertido vê-la sair num carro de bombeiros para escapar da multidão que quer esmagá-la com abraços e imobilizá-la em poses para fotos. E se já não sou tão jovem para manter utopias, posso ao menos me sentir vingado: o pragmatismo também entra em crise.
◙ Antonio Alves é jornalista
2 comentários:
Querido amigo Toinho. A crise acontece quando estamos chegando às extremidades, fugindo da máxima "In Medio Stat Virtus" "a virtude está no meio".Crise de identidade, creio eu. Quanto à crise financeira, acontece quando se acredita nas mentiras lançadas pelos que estão no poder. Crimes que até agora estão impunes. Manipulação de Balanços, etc..Tu sabes Comodismo, omissão e pragmatismo andam sempre de mãos dadas. Nem sempre ser pragmático é ser desonesto ou antiético a não ser com você mesmo e com seus princípios. Mas ser pragmático é sempre um caminho mais rápido e menos desgastante de justificar nossa incompetência e nossos erros para a sociedade. Entendo que o mundo tem jeito, o nosso, da amizade, do amor, do carinho, mesmo quando passamos muito tempo sem nos ver, quando nos encontramos é como se tívessemos nos encontrado ontem. Agora, eles, são de outro mundo, esse não tem jeito.
Ser pragmático para mim é utilizar um discurso carregado de ações, mas se a máxima for de quantidade, qualidade, maneira e relação é outra história, uma combate a outra. Pode ser também implicaturas, dêixis, anáfora, pressupostos, subentendidos, até aí tudo bem, mas quando cai para o lado do silogismo "non sequitur", a conclusão sempre é para enganar besta.
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