domingo, 14 de dezembro de 2008

GERALDO VANDRÉ - ENTREVISTA

Leandro Colon, do Correio Braziliense


Aos 73 anos, Geraldo Vandré afirma que não sabe quem é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para ele, a política brasileira depois do AI-5 não existe mais. “Naquele tempo eu não tinha presidente. Agora você tem, não tem? Eu não tenho. Quero ficar longe dessa realidade que você está”, disse o autor da música Disparada numa conversa de 40 minutos por telefone na terça passada.

Ele também reclama do uso público de suas músicas hoje em dia: “Como tudo mais que as pessoas usam como querem e não pagam nada para ninguém”. E nega que tenha feito música de protesto ao regime militar. “Era uma crônica da realidade, talvez”.

O AI-5 não só encerrou a carreira de Vandré no Brasil, como o transformou num homem solitário, longe dos palcos, recluso num mundo particular, muitas vezes chamado de paranóico pelos amigos. Um mundo com frases desconexas quando fala do presente, mas lúcidas e irônicas ao tratar do passado. Quem foi Vandré? “Foi um artista, uma pessoa que fazia música, arte, canção popular”, diz ele, para logo provocar: “Pergunte ao governo quem foi Vandré”.

O paraibano e advogado Geraldo Pedrosa de Araújo Dias (Vandré era uma homenagem ao pai) vive em São Paulo, num pequeno apartamento no centro da cidade. Mas não é fácil encontrá-lo em casa. Nos últimos dias, disse estar cuidando da saúde num lugar incerto. É aposentado pelo Ministério da Fazenda, por ter trabalhado na extinta Sunab antes de 1968.

O que isso significou o AI-5 na sua carreira?
Eu parei ali. Acabou a carreira. Não tive mais carreira.

Por que optou por essa reclusão e não voltou mais a cantar?
Porque é outro país, não é o meu. Mudou demais. Naquele tempo não tinha presidente. Agora você tem, não tem? Pois, bem. Eu não tenho. Não tinha e continuo não tendo. Eu tenho outras coisas a fazer, eu fui expulso do serviço público por causa dessa canção (Para não dizer que não falei das flores). O que você chama de governo cobra impostos sobre o meu crime. Sou advogado, de outra época, do tempo em que se estudava leis nesse país. Antes havia lei e se estudava leis.

Quem foi Geraldo Vandré?
Um artista que fazia música brasileira, canção popular.

O senhor acha que os jovens de hoje deveriam saber quem foi Geraldo Vandré?
Você deveria perguntar isso para o governo deles. Você não tem governo? Pergunta para o governo quem foi Geraldo Vandré.

Os amigos dizem que o senhor se fechou.
Quem tem mundo particular tem, quem tem não tem.

E o show em Brasília, nunca aconteceu?
Não.

O que o senhor diria para o pessoal que o aguardava para aquele show?
Vou fazer um dia esse show. Isso vai ocorrer no seu tempo.

E hoje, continua compondo?
Estou fora de atividade comercial. Eu estudo música, tenho uma canção que escrevi para a Força Aérea, Fabiana, mas que não foi gravada comercialmente.

No passado, o senhor negou que tivesse sido preso ou torturado. É isso mesmo?
Essa é a realidade. Vocês querem a do sofrimento. Não vende jornal não, né?

O senhor tem músicas guardadas?
Isso é secundário.

O que é fundamental na sua vida?
Ficar longe dessa realidade que você está.

E quando o senhor ouve a sua música, o que sente?
Quando ouço, gosto do que fiz.

Para não dizer que não falei das flores é uma música de protesto?
Não existe isso. Tenho que fazer música, interpretar e fazer crítica de arte? Não é música de protesto, é música brasileira. É uma crônica da realidade, talvez.

A música ajudou a estimular o AI-5?
Não sei, aí tem que perguntar para aqueles que são os responsáveis pelo AI-5.

O que o senhor acha do presidente Lula?
Não conheço.

Por que adota essa postura de dizer que não existe governo?
Porque não sou filho de revolução. Não tenho nada a ver com isso.

O que o senhor ouve hoje em dia?
Eu estudo música, faço escala. Estudar música é uma coisa só. É o exercício de pegar um instrumento e praticar.

E televisão?
Quase nada, só jornal, alguma coisa disso.

Sente saudade dos anos 1960?
Tenho muita coisa para fazer, não dá tempo de sentir saudade.

Em 1968, o senhor criticou as vaias para o Chico por ganhar Sabiá. Mantém essa posição?
O que falei que não tinha cabimento vaiarem o Chico, só isso.

Como o senhor vê sua música até hoje sendo tocada e cantada nos bares, inclusive por jovens?
Como tudo mais que as pessoas usam como querem e não pagam nada para ninguém.

O senhor já foi votou para presidente?
Sim.

Em quem, pode revelar?
Sim, em João Goulart para vice-presidente e no marechal Lott para presidente, em 1960.

Depois disso, nunca mais votou?
Nunca mais votei para presidente.

Qual seu compositor preferido?
Temos compositores excelentes, mas atualmente não conheço nenhum.

E do passado, quem seria excelente?
Tinham muitos, Chico, Vinicius, Tom, Baden.

O Naná diz que o senhor queria fazer guerrilha com o violão?
Meu caminho não é esse, não, nunca foi.



Leia mais no Correio Braziliense.

12 comentários:

rcastela disse...

Um jornalista que gosta dos "dois lados", da imparcialidade, poderia dizer quanto que Vandré foi torturado pelo menos, porém a vida seguiu seu rumo, continuam tendo importância e significado os que estiveram do lado de uma guerra justa...aí falam que você defende a luta armada, claro todas as lutas são armadas, a arma da crítica, a crítica da arma.

SILVIA disse...

Geraldo Vandré respresentou um ícone, uma geração, uma sociedade que lutava por seus direitos, os jovens tinham o desejo de mudança de dias melhores para todos.. hoje somos Imparciais como os acontecimentos, e aceitamos os ditames

Anônimo disse...

Caminhando e cantando.... heheheh

Anônimo disse...

Este Geraldo Vandre e igual a relogio,sabe fazer hora,e nao espera acontecer.

Anônimo disse...

Altino,
Conheci teu blog procurando pelo Vandré.
É engraçada a História. Nos acostumamos,no lado esquerdo da via, enquanto combatíamos a ditadura e seus seguidores, a uma imagem idealizada dele...
Já tinha ouvido falar aquelas histórias de paranóia,etc, mas pelo visto eram apenas contações que romanceavam um pouco mais a vida de um cara que, como tantos outros, teve coragem de dizer a coisa certa.
Se o resto da vida dele não vale meio livro, tudo bem,pois mitos são assim mesmo, uma sucessão de histórias e comentários sobrepostos, da qual tiramos aquilo que combina mais com a gente, o resto é detalhe.
De todo modo, vamos (sempre agradecidos) deixá-lo nas suas reflexões.
A propósito, ganhaste mais um leitor.

ALTINO MACHADO disse...

Paulo querido, espero que faça morada por aqui também. Espero contar com a sua colaboração para melhorar o conteúdo deste modesto blog. Tê-lo a partir de agora como leitor, aumenta minha responsabilidade. Bele aquisição no último dia do ano. Paz, saúde, luz e amor no próximo. Aceite um abraço caloroso e distribua com Raimunda e filhos.

Unknown disse...

Geraldo Vandré só fez musicas, e fizeram delas uma guerra violenta contra ele.

Unknown disse...

Geraldo Vandré fez apenas musicas com letras inteligentes, e fizeram delas uma guerra insana onde ele foi o maior prejudicado.

Tales disse...

È triste ver a realidade dos mais velhos no Brasil,o fato é que esse mundo mudou e pra pior nos tempos antigos não existia frescura ou tu seguia a lei ou tu não seguia
Me orgulho dos idosos que foram esquecidos nesse pais,pois eles lutaram para o bem de todos e é uma pena jorgamos nossa juventude no lixo num baile funk,numa festa rave,afinal me orgulho dos idosos e das pessoas de coragem,mas não sei se nossos netos se orgulharão de nós....

Unknown disse...

Com todo respeito que merece o compositor de canções inteligentes como "Disparada" (considero "Caminhando" monótona, chata e anos-luz de "Sabiá", se é que elas podem ser comparadas) Geraldo Vandré tem que reconhecer que foi o fomentador de um dos maiores micos da música brasileira: a cruzada contra o rock'n'roll e as guitarras.

A visionária Nara Leão estava ao lado de Caetano, vendo da janela uma passeata organizada pelo Geraldo e contando com vários outros (até o Edu Lobo!!!) e a comparou às marchas dos camisas negras.

Era um facismo musical.

YogaLivreeuSou disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ALTINO MACHADO disse...

Apenas reproduzi neste blog a entrevista realizada por Leandro Colon