Marina Silva
Acontece em São Paulo, durante toda esta semana, a "Conferência Internacional sobre Biocombustíveis: os biocombustíveis como vetor do desenvolvimento sustentável", com representantes dos setores público e privado, cientistas, organizações não-governamentais, movimentos sociais, especialistas. Terá dois segmentos: um, de apresentação aberta de temas e outro, exclusivo para delegações chefiadas por ministros de mais de 100 países, que debaterão os temas levantados na primeira parte.
Nessa mega-reunião são esperadas duas mil pessoas, mas o objetivo não é sair de São Paulo com uma resolução ou documento semelhante. A intenção é muito mais promover uma interação entre sociedade e governos. De qualquer modo, cabe perguntar: o que seria desejável acontecer nesses dias? Qual o encaminhamento mais estratégico, considerando-se a conjuntura de crise-expectativa, na qual se mistura o temor de dois grandes colapsos (o ambiental e o econômico-financeiro) e o livre-pensar sobre o rumo que tomará os Estados Unidos a partir do próximo ano, tanto num quanto noutro caso?
Os assuntos levantados - segurança energética, mudança de clima, sustentabilidade, inovação tecnológica, mercado internacional - conduzem o tema dos biocombustíveis para uma múltipla encruzilhada, à qual aportam dilemas muito sensíveis que estabelecem fronteiras, não só para o conhecimento, como também para o comportamento futuro de indivíduos, instituições e governos. Na verdade, o grande pano de fundo deste encontro é outro tipo de indagação: até que ponto estamos dispostos a mudar nossos parâmetros, para enfrentar conjuntamente um momento extremamente desafiador para a humanidade?
Não é fácil se situar e agir quando regras antigas se esgarçam ou se mostram em fim de validade. Ao mesmo tempo é muito enriquecedor pensar-se como agente de um novo pacto, do qual a humanidade não pode mais fugir. Talvez até o fato de uma reunião tão representativa como esta assumir-se como encontro de interação, seja uma saudável maneira de reconhecer a impotência dos diferentes grupos para impor sua agenda numa situação de tantos significados e dimensões. O importante é que esse reconhecimento venha acompanhado de disposição efetiva para a escuta de todas as contribuições, principalmente daqueles segmentos que sentem, na ponta do processo, os riscos de que a excepcional oportunidade dos biocombustíveis seja desviada para os escaninhos de sempre, ávidos apenas pela lógica das vantagens de mercado, sem nenhum compromisso com a sustentabilidade social e ambiental.
Se houver essa abertura, será um grande resultado, muito mais do que avanços em consensos intelectuais ou técnicos. Além disso, biocombustíveis, por ser um tema de tantos tentáculos, é um excelente mote, especialmente para o Brasil, que pode gerar termos de referências para essa discussão.
Temos uma experiência relevante, numa matriz importante, para balizar rumos: a da governança, vital para processos complexos que caminham em fronteiras de interesses conflitantes e, por isso mesmo, dependem de visibilidade e participação para não serem desvirtuados. Vital também como salvaguarda para a correta inserção, num possível mercado crescente de biocombustíveis, de variáveis como capacidade de suporte dos ecossistemas, direitos sociais, segurança alimentar, necessidade de transparência institucional.
Resolver a equação ambiental-social implica fazer o zoneamento agrícola dos países e até mesmo uma espécie de zoneamento global para determinar o quantum de biocombustíveis passíveis de serem agregados à geração de energia no planeta. É preciso chegar às normas com rigor suficiente para impor limites aos plantios destinados à produção de biocombustíveis, condicionando sua expansão a ganhos de produtividade nas mesmas áreas ou mudança do padrão tecnológico.
Para se atingir esse patamar é necessário um esforço de transferência de tecnologia e conhecimento para que mais países possam produzir, a partir de critérios universais. E, para o Brasil, transferir sua experiência traz uma vantagem adicional: para que biocombustíveis possam vir a se transformar de fato numa commoditie, saindo do ciclo de uso endógeno, é preciso que exista uma forte demanda interna, nos países potencialmente produtores, para assim poder deslanchar no mercado global.
■ Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre, ex-ministra do Meio Ambiente e colunista da Terra Magazine.
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