terça-feira, 28 de outubro de 2008

QUE NÃO NOS OUÇAM

Antonio Alves

Ainda essa coisa do horário. Vou insistir nesse assunto pra colocar uns pingos e pontos nos lugares certos. Começo com uma conversa mansa, assim como quem não quer nada, um papo de índio, mas depois chegarei às políticas. Acompanhem.

No encontro indígena recentemente realizado na terra dos Puyanawa, a primeira desarrumação na programação oficial foi por causa do horário. O quinto Encontro de Cultura, que deveria ser importante, estava espremido e encaixado nos intervalos dos primeiros Jogos da Celebração. Tudo bem, afinal os jogos também fazem parte da Cultura, embora sem toda aquela estrutura mental olímpica e sem a organização industrial dos “cariús” (palavra kaxinawá para designar os não-índios). Vai daí que a coisa sempre acaba sendo do jeito que é pra ser.

Pra começar, a maioria das aldeias não aderiu à mudança no horário oficial e logo no primeiro dia os técnicos do governo tiveram que ficar uma hora esperando pelos atletas. Depois surgiram os contratempos naturais: chuva, calor, barriga cheia depois do almoço, sono depois de uma noite de pajelança, essas coisas. Ainda teve a costumeira epidemia de diarréia, o consumo exagerado do rapé, uma caiçuma muito fermentada e o alvoroço hormonal da juventude ali reunida. Resultado: o horário predominante ficou sendo o velho tempo amazônico que não tem medida nem nunca terá.

O tempo no Aquiry “vareia” muito, mas dá pra observar alguns horários básicos, mais ou menos consensuais. Uma das possibilidades é dividir o dia em onze horas, a saber: manhãzinha, manhã, antes do almoço, almoço, depois do almoço, tarde, tardezinha, boca da noite, noite, tarde da noite e madrugada. Há duas vantagens nessa divisão: a primeira é a exatidão amazônica, que não sovina minutos nem regateia segundos, permitindo que as coisas sempre comecem na hora certa e ninguém chegue atrasado; a segunda é a facilidade para converter em outras convenções, a gosto do freguês, e até os mais formalistas podem ser atendidos, se fizerem questão de acertar seus relógios.

Assim sendo, quando fico insistindo no retorno ao horário antigo é que estou sacrificando minha coerência em favor de um debate interessante e, ainda por cima, tentando salvar um velho conhecido, o Estado acreano, tão mais amigo quanto menos assimilado pelo Estado brasileiro –este, incontestavelmente hostil em todas as épocas.

Por partes: a incoerência é porque eu deveria, na verdade, deixar de lado qualquer horário oficial, novo ou velho, e incentivar a vivência de outras temporalidades e a liberdade de inventar outros horários. Embora um horário oficial seja, em certa medida, necessário, o horário único é uma ditadura insuportável. É como o calendário oficial: serve para que os empregados recebam seus salários no dia certo e as crianças possam ter férias das escolas, mas tem pouca valia para a vida do corpo e do espírito. Para esta valem mais outros calendários –geralmente femininos: da lua, das águas, das árvores, das estrelas etc.

Quanto ao Estado acreano, se mantivesse um funcionamento mais próximo aos ciclos naturais, poderia guardar um certo espírito de diferença em relação ao estado colonial brasileiro e, eventualmente, quem sabe, servir como apoio às lutas do povo. É exatamente o contrário do que dizem os propagandistas do novo horário, que pensam que a Revolução Acreana foi feita para anexar o Acre ao Brasil. Que nada, antes disso a Revolução criou um Estado Independente, uma pátria de lunáticos que o Estado brasileiro tratou logo de desarmar e dissolver. O novo horário –hora de Porto Velho, Cuiabá e Manaus- não é revolucionário nem autonomista; na verdade, fundamenta-se numa submissão ao poder central igual à do antigo Território Federal.

E os políticos que cavalgam o chamado “aparelho de Estado” nem percebem que estou lhes proporcionando a chance de restabelecerem sua comunicação, se é que algum dia a tiveram, com a história e a cultura verdadeira do povo verdadeiro (os mais atentos sabem que há plurais ocultos na sentença: histórias, culturas, povos). A única coisa que se exige é que tirem o sapato na entrada ou, ao menos, desçam do salto e não venham com suas mesquinharias eleitorais.

Estou bem na entrada, vendo como se comportam. Um deles veio querendo tirar sarrinho com a minha cara, respondi logo com um desaforo. Atirarei quantas pedras forem necessárias para manter os urubus afastados. E faço questão de não personalizar a briga. Por exemplo, não vou aproveitar o assunto pra fazer política contra o Senador Tião Viana, que foi o principal (não foi o único) responsável pela aprovação da desastrosa mudança de horário. O mandato do Tião no Senado é produtivo e útil em muitas outras questões, sua respeitabilidade é um patrimônio do povo que o elegeu, é algo a ser preservado. E além do mais, a eleição já passou e a próxima é daqui a dois anos. Quem quiser fazer seu joguinho eleitoral vai ter bastante tempo pra isso.

Sei que é difícil para os habitantes dessa terra politiqueira compreenderem que o governador (anterior, atual ou futuro), seja ele quem for, é apenas um peão no tabuleiro e que estamos lutando contra peças muito mais poderosas. Mas vamos começando assim, devagarinho, como se fosse uma conversa sobre o igarapé que passa na nossa aldeia ou, digamos, uma conversa sobre o tempo. Deixa que pensem que só estamos fazendo barulho.

Vocês acham que vai chover, por esses dias?

Antonio Alves escreve no blog O Espírito da Coisa.

14 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com você, Toínho, é difílcil acreditar que boa parte dessas "estrelas", como tem chamado o Altino, consiga ter algum tipo de comunicação sincera, despretenciosa qeu de fato considere o "outro" ou os outros tantos que somos no Acre. Acabam exercendo o papel daquele modelo de pai antigo que acha que provendo com isto, com aquilo, com tempo "mais real", com um mega frigorífico-abatedouro, com usina de alcool, com exploração de petróleo, com extração de madeira e larga escala estão cumprindo sua função de provedor. Acham que é disso que precisamos. Basta fazermos uma pergunta muito simples: quem é que ganha com todos esses mega-projetos de "desenvolvimento"? Ou quem é que ganha mais levando as nossas riquezas sabe-se lá para onde? Acho que esses caras nunca olharam no olho de um "acreano do pé rachado". Se olharam não viram. Na verdade não conseguem vê-lo, vêem o acreano ideal, empregado numa indústria dessas aí que gostariam de implantar aqui. É lastimável essa concepção de "valorização cultural" dessa gente, e os deslumbrados lá de fora ainda acreditam.

Anônimo disse...

Se não é pra vivermos de indústrias gerando riquezas, vamos viver de sementinhas e raízes!!
kkkk... é por isso que o Acre não sai do buraco, o povo quer viver daquilo que nem os índios conseguem sobreviver, vivem ganhando dinheiro do governo, se sementinha e raízes dessem dinheiro, índio não precisava de dinheiro do governo. Não sou a favor do desmatamento, pelo contrário, sou a favor da preservação das matas, rios e lagos, no entando, uma preservação racional, onde a região que se possa explorar seja explorada com tecnologias para se tirar o melhor proveito e nas regiões que não podem, que seja realmente preservada, sem abrir mão aos parentes e "chegados" dos figurões que se encontram no poder.

Demien disse...

Ah, sim claro, é tudo culpa do sul malvado e opressor que quer nos toturar, fazendo-nos acordar cedo. Eu até imagino os grande politicos do sul brasileiro reunidos:
- Vamos fuder, ainda mais, o Acre?

- Sim, vamos!

- AQUELES BARBAROS BOLIVIANOS TERÃO O QUE MERECEM. VAMOS MECHER NO FUSO HORARIO DELES E TRANSFORMÁ-LOS EM ZUMBIS!!! [risadas gulturais ao fundo]

-[esfregando as mãos uma na outra]Muito bom, vejamos como eles se viram!

Mas os indios, ora vejam só, os indios não se submeteram a tal constragimento e num impeto de insubordinação durante o V encontro de cultura indigena chegaram 1h atasados.

Altemar disse...

Por tudo que já foi dito e escrito, eu só consegui entender que o fuso mudou por causa da televisão, me ajudem!

Anônimo disse...

Santa Maria do Babado Novo> como é ruim este Demien (aliás, quem escolheu este nome é pior do que ele. Será que ele sabe quem foi Demien?).
Ui, Jisuis! Risadas, "gulturais e imorais ao fundo, co m altas "mechidas" de cabeça). Um espanto esse Demonien!

Mariana Figueiredo disse...

...e a falta do que fazer continua.

Diadora Annos Xhamá disse...

"Êh povinho bunda" !!!
O único "argumento" de quem é contra o novo horário,é porque o povo (sempre o povo é coitadinho)tem que acordar mais cedo.Cambada de preguiçosos !No mínimo são funcionários públicos(me perdoem as honrosas exceções).Se trabalham na iniciativa privada têm que ser demitidos,por que não querem trabalhar.Se são autônomos nunca terão sucesso e não conseguirão escapar do jogo dos ratos,no qual estão inseridos.
Na vida real não mudou nada !continuamos pobres e atrasados nos indíces de qualidade de vida,como sempre.Este estado tem problemas mais sérios para ser debatido do que esse horário que já foi implantado e o povo(olha ele de novo..)já se acostumou.Para que cargas d`águas têm "mecher" nisto de novo ?Prefiro ficar com sabedoria popular(será ?) que diz que em m....quanto mais se mexe,mais fede.
Agora só uma pergunta:Por que diabos será que na China,que tem um território bem maior que o Brasil,só tem um fuso horário(isto mesmo !!!!)está se tornando a primeira potência mundial ?coitadinho do povo chinês...

Anônimo disse...

“Jesus me abana” esse Demien e Altemar precisam ler com a alma, cabeça e o coração não apenas com a boca “Jesus os chicoteiam”.
Caro poeta Toinho, não foram apenas as Aldeias indígenas que não se submeteram ao novo horário, grande parte dos extrativistas da resex Chico Mendes também esta como antes, há e claro os grilos, galos, e passarinhos continuaram cantando no horário não se adequaram ao novo horário.

Anônimo disse...

Por acaso somos animais silvestres para acordamos no mesmo horário que os grilos, galos, passarinhos e tudo qto é bicho!! Qual é o problema acordar um pouco mais cedo?? Daqui a pouco, ao invés de quererem voltar ao horário antigo, vão aproveitar pra atrasar umas 3h o horário para poderem dormir um pouco mais!! Acho que mecher nesse bendito horário novamente só vai dar dor de cabeça!!

Anônimo disse...

Esse nabuco sei lá o que fala muitas asneiras não sei como o dono do blog ainda publica isso. No mundo dele parece só existir preguiçosos e incompetentes. Será qua a exceção é ele ou tem mais alguem?

Anônimo disse...

O anônimo de 1:31h, você nunca viu a cutia assobiar ao meio dia?
Já vai esta com dor de cabeça tão sedo? Prepare o calmante e comece a medicação, que a luta vai começa, e sua cabeça e capaz de estoura.
Já aconteceram lutas maiores por causas bem mais interessantes onde muitas vidas foram tiradas, imagina isso nós vamos reverter rapidinho. Mesmo que pra isso, eu tenha que passar um mês ou até mais acordado de madrugada, andando de cavalo, burro ou de boi de pé ou de canoa de baixo de chuva ou sol na cidade ou nos seringais de Brasiléia colhendo assinaturas para o horário volta.Estou com você caro poeta Toinho.

Leila Ferreira

Anônimo disse...

o meche do anonimo 1:31 parece a mechida do demien. Ô é tudo um só ô nois 3 istudô junto.
Ô orariuzin safado esse tá de orariu novo

walmir.AC.lopes disse...

Texto esclarecedor. Não devemos esquecer que o Antonio Alves, antes de ser assessor é um poeta que domina a palavra escrita e as próprias idéias como poucos.
Parece que os urubus, em sua busca por carniça, tentaram envolver o assessor e deram de cara com o poeta, rasgando o bico. Ele serviu-lhes uma salada da hora.

Anônimo disse...

Demion vc é muito "feo", mesmo assim precisa saber q se fosse coisa dos sulistas a dor seria menor. O duro é saber q é coisa daqueles q elegemos para fazer valer a nossa "posição" de ACREANOS. É como v o q era aberração como o Maranão da Roseana comprar o modelo de ensino da Fundação dos marinhos e pagar por uma apariçãozinha do estado na novela da Globo (O Clone) virar fichinha na frente da farra que se faz com tais modelos de ensino (Poronga e PEEM são os mesmos q a Roseana comprou e era condenável e condemado pelos "especialistas em educação") e do pagamento de uma "novela" inteira. Nada a ver com horário, "né?". Pois bem, a quem o "novo horário" agradou?