sexta-feira, 22 de agosto de 2008

TÃO CEDO, MÁRIO?

Antonio Alves

Estava na Terra, lendo um bom livro e ouvindo a algazarra dos passarinhos, adiando para o dia seguinte a necessária vinda à cidade para tratar dos negócios urbanos, quase sempre associados a dívidas e outros incômodos. Tudo parecia calmo e bem, mas um telefonema do jornalista Altino Machado me trouxe a notícia triste: Mário Lima havia falecido, naquela manhã, num hospital de São Paulo. Não tive mais gosto pelo livro nem pelos passarinhos, interrompi meu já tão breve retiro para vir à cidade saber mais notícias. No caminho, revi o contato tão produtivo que tive com Mário ao longo da vida.

Eu era colega de sala do Roberto, irmão do Mário, e a casa em que eles moravam, na ladeira do Ipase, ficava no caminho que ia para minha casa. Claro, a parada ali era obrigatória, depois da aula, para tomar um copo dágua, ver os desenhos do Roberto, tomar um livro emprestado e até ficar para almoçar ou jantar, deixando minha mãe preocupada, numa época em que não existia celular e poucas famílias tinham telefone.

Mas ali, entre amigos, eu estava mesmo em casa. E também na escola, pois aprendia de tudo com aquela quantidade enorme de livros, revistas, discos, quadros e cartazes espalhados pela casa. Qualquer dúvida, era só perguntar para o Mário. Desde que o pai, Seu Dadá, ficara em Brasiléia e se transformara em patrimônio histórico daquela cidade, Mário era o homem mais velho da casa e líder inconteste dos irmãos e dos sobrinhos. Começou a trabalhar, cursou Economia na UFAC, lia avidamente o Pasquim e qualquer publicação esquerdista que escapasse à censura ditatorial da época, jogava xadrez, ouvia o melhor da música brasileira e, enfim, respondia a todas as nossas dúvidas juvenis.

Pra completar, era um cara bonito e namorou algumas das mais belas acreanas daquele tempo, duas ou três delas tendo sido bem classificadas em concursos de miss, o que levou um locutor de rádio a apresentá-lo, num programa, como “o garoto das misses”, provocando inveja e ciúmes generalizados. Isso se deu no final dos anos 60, quando Mário retornou de uma viagem ao Rio de Janeiro, cheio de modas, e foi mostrar na Rádio Difusora o primeiro disco de um jovem cantor, de voz impressionante, que iria se tornar, segundo a avaliação acertadíssima do Mário, numa das maiores estrelas da MPB. O nome do artista era Tim Maia, que invadiu as verdes florestas amazônicas cantando o “azul da cor do mar”.

Foi também por esse tempo, uns poucos anos depois, que Mário e Jimmy Barbosa, que era dono do Cine Acre, fizeram a primeira experiência com cinema em terras acreanas. Na verdade, eles pensaram e produziram o filme, que foi rodado no Sul, era uma história dramática e complicada, nem me lembro o nome. O filme estreou no Cine Acre, é claro, e andou circulando por aí, mas o sucesso não foi lá essas coisas e os cineastas iniciantes não se animaram a novas produções.

Nos anos 70 passei sete anos longe, primeiro em Brasília, depois no Rio, e voltei enrolado com essa política que não me larga até hoje. Já não era mais aluno do Jesus, irmão do Mário, na escolinha de futebol do Juventus. Quase não tinha notícias do Roberto, agora médico e professor, que ficou morando no Rio. Quando ao Mário, professor de Economia, padecia por conta de suas idéias. Quando o PMDB ganhou as eleições, em 82, esperava-se que fosse fazer parte da equipe de governo, mas foi escanteado pelos políticos porque não se filiava a nenhum grupo e tinha, segundo um cacique da época, “idéias próprias”. Ainda foi Presidente do Banacre por algum tempo e quando Iolanda Lima assumiu o governo nomeou-o Secretário de Planejamento. Foi a primeira vez que vi alguém falar na importância do planejamento nas ações de governo, acho que foi aí que a Secretaria passou a ser também “de Coordenação”. Mas em apenas 10 meses de um governo interino e cercado pelo baronato político, não havia muito o que fazer. Acho que a experiência fez com que o Mário radicalizasse sua opção pela Academia e sua formação marxista. Rumou para Campinas, onde era professor universitário, e de onde enviava seus textos para a Gazeta e, mais recentemente, para o blog do Altino Machado.

Guardo com carinho as polêmicas que promoveu em minha página na internet, sempre as releio para avivar as idéias. Nossas discordâncias eram abertas e fraternas. Não se colocava na posição de professor. Não me lembrava minha condição de adolescente a quem ele ensinara os primeiros movimentos no tabuleiro de Xadrez. Dialogava, apenas, sem facilitar seu texto, pressupondo a igualdade e a autonomia. Seu pensamento atento, crítico, rigoroso, não deixava passar sem registro e comentário os dilemas da sociedade brasileira e amazônica. Não sei se seus ex-alunos, que hoje estão na política e na administração do Acre, aproveitaram a oportunidade de continuar aprendendo com suas intervenções no debate público. Geralmente os “gestores” ficam encastelados no pragmatismo de suas funções políticas ou executivas e não encontram tempo para ler nem dialogar com quem está “de fora”. Principalmente se o interlocutor toca em assuntos incômodos –como petróleo, usinas, madeira e outras coisas sobre as quais muita gente tem medo de falar, por absurdo que pareça. Mário botava o dedo em algumas feridas.

Isso me dá um sentimento de inconformismo com sua partida. Logo agora, ainda tão jovem, na plenitude de seu vigor intelectual, com tanta coisa para ensinar às novas gerações, e num momento em que precisamos tanto de pensamentos livres e desatrelados do poder... Conforta-me, ao menos, saber que ele deixa aqui uma boa herança para seus filhos, parentes e amigos, um tesouro de conhecimentos num baú de boas lembranças.

O amigo deixa saudades, o professor vai fazer falta.

Antonio Alves é cronista acreano.

2 comentários:

walmir.AC.lopes disse...

Meu contato com o Mário foi apenas virtual e durante curto espaço de tempo. Suficiente, no entanto, para confirmar algumas qualidades, evidenciadas pelo poeta Antonio Alves em seu texto. Entre elas, ter idéias próprias.
Até dá pra entender o posicionamento do tal cacique do PMDB citado pelo Toinho. Partidos políticos, no plano geral, são um espaço pequeno e sufocante demais pra caber homens de idéias próprias.
Estarei em São Paulo dia 26/08. Esperava encontrar o Mário e conhecê-lo pessoalmente. Não deu tempo. Se no mundo real conquistamos amigos, muitas vezes virtuais, no mundo virtual conquistei muitos amigos reais. O Mário teria sido mais um. Bom descanso, amigo.

ALTINO MACHADO disse...

Comentário do Toinho Alves:
"Impressionante.
Hoje vi nas gazetinhas o Martinelo dizendo que o último e-mail que Mário lhe enviara terminava com uma citação, acho que do Che, algo como "ser consequente até o final". Pois fui olhar na minha caixa de entrada e lembrei que a última mensagem do Mário, datada do dia 30 passado, me deixara intrigado por causa do título, em maiúsculas: MUITA CALMA NESSA HORA. Olha só o texto:
"Uma nota importante sobre os ataques cardíacos.
Há outros sintomas de ataques cardíacos, além da dor no braço esquerdo.
Há, também, como sintomas vulgares, uma dor intensa no queixo, assim como náuseas e suores abundantes.
Pode-se não sentir nunca uma primeira dor no peito, durante um ataque cardíaco.
60% das pessoas que tiveram um ataque cardíaco enquanto dormiam, não se levantaram. Mas a dor no peito, pode acordá-lo dum sono profundo.
Se assim for, dissolva imediatamente duas Aspirinas na boca e engula-as com um bocadinho de água.
Ligue para Emergência (193 ou 190) e diga ''ataque cardíaco'' e que tomou 2 Aspirinas.
Sente-se numa cadeira ou sofá e force uma tosse, sim forçar a tosse pois ela fará o coração pegar no tranco;
tussa de dois em dois segundos, até chegar o socorro. NÃO SE DEITE !!!!
Um cardiologista disse que, se cada pessoa que receber este mail, o enviar a 10 pessoas, pode ter a certeza de que se salvará pelo menos uma vida!
Eu fiz a minha parte.. FAÇA TAMBÉM A SUA""