quarta-feira, 13 de agosto de 2008

ALFONSO DOMINGO

Biógrafo de Luis Galvez identifica
sua obra em minissérie da TV Globo



O jornalista, diretor de documentários e escritor espanhol Alfonso Domingo, 53, é autor da novela "La Estrella Solitaria" (Algaida Literaria, 448 páginas), que revelou ao país dele a aventura de seu compatriota Luis Galvez Rodrigues de Arias, o aventureiro que proclamou, em 14 de julho de 1899, o Estado Independente do Acre e pediu o reconhecimento das nações

Ou, conforme escreveu Javier Macua na apresentação do livro, em 2003, Domingo revela "a história de uma bala perdida que desenhou um país no meio da selva e um homem politicamente incorreto para seu tempo”.

Galvez é retratado por Domingo como um personagem real que organizou ministérios, criou escolas, hospitais, um exército, corpo de bombeiros . Ele concebeu um país moderno para a época, com preocupações sociais, ambientais e urbanísticas. Foi juiz, emitiu selos de correios, sendo um deles entre os mais cobiçados pelos filatelistas, além de ter idealizado a atual bandeira do Acre - uma estrela vermelha solitária destacando-se no verde e amarelo da insígnia brasileira.

Galvez chegou a proibir no Acre o casamento com jovens menores de dezesseis anos, que era costume numa região onde a companhia feminina era privilégio de poucos. O país Acre, que surgiu cercado pela floresta exuberante, no barranco do rio, era habitado por 13 mil almas.

Galvez era jornalista, espadachim e mulherengo. Nasceu em 1864 e trocou Cádiz por Buenos Aires. Passou pelo Rio de Janeiro e Manaus, onde dirigiu um cabaré no apogeu da exploração da borracha. No Amazonas, conheceu Guillermo Uhtoff e ambos decidiram fundar o Estado Independente do Acre.

Quando o Acre ainda era possessão da Bolívia, Galvez trabalhava como jornalista no Amazonas e denunciou a existência do Bolivian Syndicate - um acordo secreto entre o país boliviano e os Estados Unidos, que cobiçavam a valiosa exploração de látex.

- O retrato de Galvez que surgiu era o de um homem capaz, com grandes idéias, um homem que queria e podia levantar um país. Sua epopéia me parece maravilhosa, porque, ademais, não tirou um único rendimento econômico, ao contrário, quase se arruinou. Era uma espécie de Lord Jim reivindicando seu nome. Uma grande figura - disse o escritor com exclusividade ao Blog da Amazônia.

O Estado Independente durou apenas nove meses e Galvez acabou expulso do Acre. Regressou para a Espanha. Enfermo e sozinho, morreu em Madrid, em 1935. Antes, porém, em 1902, numa entrevista ao Diário de Buenos Aires, Galvez deixou uma previsão como testamento político:

- Os ianques têm uma mão sobre o coração da América do Sul. Porém não se vê. E quando se vê será tarde: o polvo haverá multiplicado seus tentáculos e poderá dar impunemente a pressão que lhe convier às suas insaciáveis e enormes conveniências.

Domingo conheceu melhor a aventura de Galvez ao percorrer o Acre, em 1992, para realizar o documentário Acre, la Amazonía olvidada" sobre a terra de Chico Mendes. Passou cinco anos pesquisando a vida do compatriota, inclusive o arquivo - apenas dois caixões - que está em Pernambuco. Não existem mais parentes de Galvez na Espanha, mas de Uhtoff, sim. E o escritor não esconde a afeição por esse personagem, segundo ele, o Sancho Pança da história, o que estava por trás do primeiro estadista do Acre e autor dos desenhos dos selos do Estado Independente, os primeiros de um país.

- Um personagem fascinante, pícaro, aventureiro e que colecionava borboletas. Há família sua em Cádiz e existem fotos dele, um personagem que dilapidou sua fortuna familiar. Ele sim, esteve no corpo diplomático espanhol – o demitiram por dívidas de jogo em Viena - e dali saiu a lenda do Galvez diplomático - acrescenta Domingo.

"La Estrella Solitaria", publicado há cinco anos, serviu para a novelista Glória Perez, da Rede Globo, compor um personagem mais real na minissérie "Amazônia - De Galvez a Chico Mendes", onde o aventureiro espanhol apareceu com sua amante Maria Alonso, dançarina da Companhia Zarzuela, com quem viajou para o Acre. Domingo não viu a minissérie na íntegra, mas disse ter ficado surpreso com a presença de Maria Alonso, uma personagem que afirma ser ficcional em sua obra.

- Só pude ver pela internet algumas cenas e vejo que, efetivamente, é minha Maria Alonso. O que posso fazer? Em princípio, certificar-me de que isso é assim, vendo a totalidade dos capítulos da série do Acre, e logo depois demonstrar que esse personagem é invenção minha. Não quero processar nem meter-me em pleitos jurídicos, mas gostaria que o meu livro fosse publicado no Brasil para que todos pudessem ver de onde se originou.

"La Estrella Solitaria", recebeu o Prêmio Ciudad de Salamanca. Foi editado por Algaida, que tem os direitos durante uma série de anos.

- São eles os que, em qualquer caso, deveriam empreender ações judiciais se as acreditam oportunas e com o meu consentimento - assinala o escritor.

Porém, a novelista Glória Perez o contesta e pediu à reportagem o endereço eletrônico de Domingo para contatá-lo e enviar os DVDs da minissérie.

- Consultei o Alfonso Domingo para saber se Maria Alonso era personagem histórico, para poder manter o nome. Era. Por isso mantive. Mudei o caráter dela. O certo é que o trabalho do Alfonso foi fundamental para que eu pudesse traçar um Galvez mais perto do real, uma vez que ninguém nesse país pesquisou sobre ele. Nunca escondi isso. Falei exaustivamente dele em todas as entrevistas. O livro está citado nos créditos da minissérie e não foi por falta de sugestão minha que não o lançaram no Brasil. Muitas vezes declarei o quanto seria importante para o Acre que se fizesse esse lançamento - afirma a novelista acreana.

E Galvez segue exercendo seu fascínio sobre os acreanos. Em breve, quando o prédio da Assembléia Legislativa do Acre for reaberto, após as obras de uma reforma, o público encontrará uma estátua de Galvez na entrada, assinada artista Christina Motta, a mesma que fez a estátua do poeta Carlos Drummond de Andrade, em Copacabana (RJ), e do poeta Juvenal Antunes, em Rio Branco (AC), que é um outro ícone dos aventureiros que povoaram a região acreana.

- Galvez foi o primeiro legislador do Acre - argumenta o deputado Edvaldo Magalhães (PC do B), presidente do Legislativo.

De Madri, onde reside, o escritor Alfonso Domingo conversou com o Blog da Amazônia. Clique aqui para ler a entrevista e a reação da novelista Glória Perez.

4 comentários:

surama chaul disse...

Deixo aqui o mesmo comentário q já fiz no bloga da Amazônia:

Poxa! até um (outro)espanhol no meio dessa epopéia amazônica q não acaba nunca! será que ainda vai aparecer alguém que fale p/ os acreanos quem realmente foi Galvêz ? q confusão! que tal “Amazônia- de Galvêz a Chico Mendes” - parte II? alôôôô, alguém se habilita na consultoria?

morenocris disse...

Parabéns, Altino. Excelente material. Levanta questões novas e antigas, que só nós, da Amazônia, já conhecemos a fundo. É só mais um registro jornalístico de qualidade impecável. A novidade fica por conta de novos personagens. É redondo o dito anterior, mas não dá para fugir. O Acre é doce também. Além da poesia, ânimo, rede, dureza. Acho que porque no Acre, o Rio é Branco.

Beijos.

Maíra disse...

Altino, adorei o seu blog. Li seu texto sobre a obra de Alfonso Domingo e achei extremamente coerente. Estou trabalhando com o Galvez do Márcio Souza e recentemente pude ler "La estrella solitaria", ambos são fascinantes.

ALTINO MACHADO disse...

Grato pela visit, Maíra. Volte sempre. E gostaria de conhecer o seu trabalho. Escreva-me.