domingo, 13 de julho de 2008

OUTRA VEZ, O PETRÓLEO

Mário José de Lima

Depois de algum tempo de calmaria, o tema da exploração petrolífera volta ao noticiário, ainda como um resultado dos esforços do senador Tião Viana para fortalecer sua base de apoiadores nos esforços para convencer a empresa Petrobras a desenvolver trabalhos de prospecção em terras acreanas. Desta vez, o novo convertido à causa da exploração petrolífera é o empresário da área da hotelaria George Pinheiro que divulgou um artigo depois de integrar mais uma viagem patrocinada pelo senador à Província Petrolífera de Urucu.


Em seu artigo, Pinheiro desenvolve o argumento pró-exploração apoiado, principalmente, em dois eixos. Primeiro, nos prováveis níveis de investimentos que a existência de uma “província petrolífera” propiciaria para a região. Para isso faz referência aos investimentos realizados na Província de Urucu, estado do Amazonas. Em segundo lugar, faz referência ao fato da montagem do parque de exploração naquela região limitar-se a uma área desmatada de cem hectares. Com estes dados, pretende o autor do texto informar quanto ao caráter não predatório da exploração.

George Pinheiro se declara integrante dos esforços para que o Acre alcance “uma fonte perene de receitas”, pois, segundo ele, assim alcançaremos “o direito de escolher o nosso futuro, com a manutenção de nossa Floresta, de nosso meio ambiente, com sua exploração ecologicamente correta e compartilhada por toda a sua população”.

Existem importantes pontos ausentes no argumento de Pinheiro. Não é possível tratar a questão imaginando o Acre como uma ‘província isolada’ imune aos acontecimentos do resto do mundo e, também, imaginar que o que acontece no Acre em nada afete ao que acontece no resto do mundo. Assumindo os dois eixos propostos no artigo - ambiente e promoção do desenvolvimento - a base do argumento necessita ser ampliada.

A capacidade de geração de receitas de um campo petrolífero na região, nesse estágio do conhecimento das reservas mundiais de petróleo, não nos permite imaginar nada de longuíssimo prazo, como proposto no artigo. M. King Hubbert, geólogo e consultor da companhia petrolífera Shell articulou a noção que a produção de petróleo atingiria um máximo quando metade dos recursos economicamente recuperáveis fosse explorada. A noção apoiou o modelo que previu o auge da produção de petróleo na base continental estadunidenses. Em abril de 1998 os Estados Unidos, pela primeira vez, importou a maior parte do petróleo que consumiu. O conceito de auge de extração de um finito recurso não renovável restringido pela geologia e geografia tem recebido apoio de padrões similares de crescimento, auge de produção e declínio de recursos minerais, gás natural e carvão em regiões específicas. A noção de Hubbert, aplicada em termos mundiais, leva a conclusão de que esse ponto máximo da produção petrolífera seria alcançado por volta de 2004. Ou seja, na atualidade já estamos percorrendo a asa descendente da curva de exploração petrolífera.

A idéia do petróleo como fonte perene de receitas, portanto, não parece ser das mais adequadas diante do que se pode deduzir das estatísticas atuais. Não nos é permitido acreditar na existência de uma “província petrolífera” capaz de mudar a situação mundial da atualidade. Existisse tal possibilidade e a região já estaria tomada por unidades de exploração. É conhecimento público que a Petrobras desenvolveu estudos que lhes permitem conhecimento, mesmo que preliminares, do potencial de petróleo na região.

Por outro lado, não se pode imaginar que um investimento isolado de uma empresa seja capaz de elevar os níveis de rendas pessoais. Empresas investem para obter lucros. Com a Pe-trobras não será diferente. Estes são pontos que devem ser considerados quando pretendemos fazer afirmações a propósito de “desenvolvimento compartilhado por todos”. A capacidade de geração de emprego local, por empresas de elevada especialização, será muito restringida. A operação dos equipamentos a serem operados é realizada por pessoal de elevado nível de formação e especialização. A existência do aeroporto, em Urucu, indicada por Pinheiro, pode ser uma demonstração disso - os aviões que por ali circulam realizam o vai e vem de funcionários da unidade moradores em outras localidades.

Como se usa Urucu como referência, poderemos ir um pouco além, e sugerir outras referências para apoiar a formulação de uma posição quanto à exploração de petróleo. Uma boa referência está na Bahia, onde se situa o município de São Francisco do Conde um recordista quando se fala em valores do PIB municipal. Mas, a visita não deve limitar-se às instalações da unidade produtiva da Petrobras dado estarmos interessados na avaliação da “participação de todos” a qual se refere Pinheiro. Quando ultrapassados os por-tões das instalações industriais chegaremos a uma população submetida a péssimas condições de vida que, também, tornam o município em um campeão às avessas, dado que um campeão da desigualdade e da pobreza.

Neste ponto, algumas considerações são necessárias, quando se pretende tomar uma posição quanto a exploração de petróleo. O pico da produção de petróleo apresenta-se para o mundo como um problema de administração de riscos sem precedentes. Como o máximo foi alcançado, os preços dos combustíveis e a volatilidade dos preços crescerão dramaticamente e sem mitigação oportuna, as despesas econômicas, sociais e políticas serão sem precedentes. As opções de mitigação viáveis existem nos lados da oferta e da demanda, mas, para que pudessem ter impacto substancial deveriam ser iniciadas há mais de uma década de antecipação ao pico. Os representantes dos países mais industrializados, reunidos recentemente, nada decidiram quanto medidas mitigadoras seja no lado da demanda seja do lado da oferta. Os riscos nos negócios do petróleo continuarão.

Outro ponto a considerar é que, em virtude das condições estruturais de sua base produtiva, a região acreana possui baixa capacidade de retenção das rendas ou recursos em circulação. Parcela considerável da renda gerada é canalizada para fora da região. A maior parte da renda é transferida para pagar pelas necessidades das ‘importações’ regionais. Importante parcela das mercadorias que compõem o consumo dos acreanos é importada. A renda gerada pela exploração petrolífera não fugirá disso.

Por outro lado, a questão am-biental não pode ser enquadrada numa perspectiva que considere, apenas, o avanço da desflores-tação. Sem uma compreensão da amplitude do papel da Amazônia como um todo e, particularmente, o Acre, nas condições de vida no país, estaremos laborando numa falsa visão. O turismo ecológico, na atualidade, forma um amplo e crescente campo de negócios ao redor do mundo e apresenta uma excelente capacidade de incorporação das populações locais na sua operação.

Entre assumir administrar um espaço econômico sacudido pelos riscos, que é como podemos caracterizar o campo dos negócios petrolíferos, na atualidade, o Acre pode escolher avançar na promoção de um modelo de desenvolvimento diferente. O que precisamos, hoje, é concluir que precisamos dar uma base sólida e garantida de sobrevivência humana para a população regional. Ou seja, é tempo de desenvolver um programa de desenvolvimento que se apóie na segurança alimentar, na garantia da moradia, do desenvolvimento humano e comunitário - alimentos, moradia, saúde, escola.

Não se trata de propor a construção de muros entre a região e o resto do mundo. Garantindo o desenvolvimento humano em seu sentido mais amplo e rico, estaremos construindo mecanismos e caminhos que articulem a vida na região com o resto do mundo através de portas bem mais amplas do que a acumulação de capital.


Mário José de Lima é professor do Departamento de Economia da FEA-PUC/SP. Publicado originalmente na Gazeta.

Um comentário:

walmir.AC.lopes disse...

O texto do Prof. Mário Lima foi bastante esclarecedor. Coloca por terra algumas falsas utopias que os defensores da exploração petrolífera tencionam fazer crer aos acreanos e propõe alternativas mais razoáveis, mais de acordo com o perfil e as necessidades do povo original de nossa terra.
Por mais otimistas que possam parecer, essas iniciativas arrastam consigo um risco ambiental agregado que não podemos desconsiderar. Se pesquisar-mos, encontraremos dezenas de casos de acidentes ambientais aparentemente desconexos, mas emblemáticos dos riscos que estaremos correndo. Se há que se correr esses riscos, que seja por decisão soberana do povo acreano através de um plebiscito, nunca como resultado de conciliábulos políticos à revelia desse mesmo povo.