quinta-feira, 10 de julho de 2008

AONDE CHEGAMOS

Fátima Almeida

Quando desvelamos os fundamentos de uma cidade, lá estão pessoas que a construíram com seus valores, princípios e ética. Porque uma cidade não é feita tão somente de tijolos, madeira, pedras e sim dos valores, dos pensamentos, dos sentimentos das pessoas que nela habitam. São as pessoas que dão o sentido a uma cidade e a sua singularidade. Não fosse assim as novas gerações não teriam memória social a cultuar.

O avô de Joseh Alexandre, José Rodrigues Leite, farmacêutico e professor de química, fundador do Colégio Acreano, hoje tem seu nome numa das nossas escolas de Ensino Médio pelos relevantes serviços prestados à educação deste Estado. Chrizarubina Leitão Abrahão, tia do José Alexandre, foi um baluarte da assistência social nesta cidade, dirigiu com honestidade e competência a extinta Legião Brasileira de Assistência por quase 30 anos. Seu irmão, Marcos Leitão, pelos mesmos princípios morais é Procurador Federal.

Em sua trajetória, Joseh Alexandre aplicou e atualizou o legado moral da família, pois em seu trabalho na Funasa, na CUT, no Conselho Estadual de Saúde, na faculdade de serviço social, esteve sempre acionando os mecanismos relativos aos direitos sociais básicos dos seres humanos. Humano é o que melhor expressa a sua pessoa. Humanidade o seu modo de ser e de se relacionar com as pessoas de todas as classes sociais. Tinha requinte, sensibilidade e profunda aversão a qualquer forma de violência ou brutalidade.

Nesse sentido, o seu desaparecimento de forma tão brutal abalou os alicerces desta cidade que aos poucos vai perdendo o seu rosto peculiar, assolada por uma avalanche transformadora que traz o progresso e com ele as pesadas e históricas quotas de exclusão social que arrastam, por sua vez, muitos desfavorecidos para a criminalidade.

As decisões políticas muitas vezes voltadas para o crescimento econômico passam por cima dos costumes e do bem estar geral, dos sentimentos das pessoas, das suas relações afetivas com os espaços, com suas referências de vida. Nem sempre têm um olhar humanitário. Nem sempre contemplam as necessidades da maioria. E os problemas vêm cair nas mãos das entidades de classes, das pessoas comprometidas com o social, com o ambiental, com os direitos humanos. E o Joseh Alexandre foi uma dessas pessoas que demarcou suas posições políticas em função dos excluídos. Isto é do reconhecimento de todos que trabalharam com ele que o tiveram como companheiro.

Portanto, o seu brutal assassinato não se reduziu apenas a um crime mas também ao fato de que uma voz foi calada, uma voz que incomodava porque clamava por justiça social. Essas vozes quando caladas têm o misterioso poder de reacender a sede e a fome de justiça geral. Não fosse assim não estaríamos todos aqui mobilizados e angustiados clamando por justiça e por justiça social.

Por trás desse nefando acontecimento parece existir uma rede de operações clandestinas e criminosas que se fazem nas sombras, que se dissimulam à luz do dia e que estão fazendo vítimas todo momento, principalmente entre jovens e crianças de todas as camadas sociais, pelo aliciamento às drogas, impondo às mais diversas famílias desta cidade pesadas quotas de terror. Aqueles que julgam apressadamente não fazem idéia de como é fácil introduzir um jovem nas drogas e de como é difícil para ele pegar o caminho de volta. Principalmente quando são adolescentes sem horizontes, sem perspectivas, confinados às limitações de uma existência vazia sem que ninguém lhes estenda mão. Todos esses jovens arrebatados pelo tráfico, pela dependência das drogas precisam de muita ajuda, material e moral.

Precisamos estar alertas também quanto ao preconceito relativo à vida privada das pessoas, em especial quando esta não se coaduna com os preceitos fundamentalistas, pois pode também consentir com esse terror.

Jesus na sua inigualável humanidade prestava socorro aos desafortunados, aos doentes, aos pobres, aos sem esperança. Ele livrou a adúltera da morte por apedrejamento quando em seu apurado senso de justiça clamou “quem não tem pecado?”. Jesus se insurgiu contra essa falsa distinção entre puros e impuros, essa perigosa arrogância daqueles que se supõem melhores ou superiores aos demais e que já produziu tanta violência através da História, como o nazismo alemão que dizimou milhões de judeus, e a Klux klux Klan nos Estados Unidos, que perseguiu, torturou e matou milhares de negros, ex-escravos, para não citar tantos outros exemplos de intolerância radical, do passado e do presente.

Jesus desagradava aos fariseus porque falava em público com as mulheres. Em várias passagens do Evangelho encontramos Jesus conversando com alguma mulher, algo que era interditado naqueles tempos patriarcais. No entanto, muitos usam seu nome hoje mesmo para fomentar discriminação e preconceitos, para incitar populações desavisadas às variadas formas de intolerância.

Pessoas como Joseh Alexandre estão sendo, todos os dias, transformadas em reféns e vítimas do terror que está em nossas cidades. A comoção, a indignação e o clamor estão em muitos lares desta cidade. O medo está assombrando a todos. E o medo nunca foi nosso convidado.

Cada geração tem sua quota de opressão e injustiça para enfrentar, mas deve semear, sempre, nas que estão chegando a mesma sede de justiça e a esperança de um dia ser possível para todos viver em paz e segurança na Terra. Eu sei que o José Alexandre está em paz. E que todos nós procuremos também ficar em paz porque ela é irmã da fé e da sabedoria.

Discurso de Fátima Almeida, ontem, na Catedral Nossa de Nazaré, durante missa de sétimo dia de Joseh Alexandre.

4 comentários:

Anônimo disse...

A única coisa que tenho a falar sobre o texto é que ele simplesmente diz tudo, explica com perfeição a situação em que vivemos...

Cesário disse...

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Unknown disse...

Cara Fátima,
Com certeza, onde o Zé Alexandre estiver, sentirá as vibrações emocionadas de suas palavras e acredito que elas servirão de alento ao seu espírito, cruel e injustamente retirado de nosso convívio.
Inêz Jalul

Evandro Ferreira disse...

Fátima,

Você resumiu em poucas palavras, tudo o que muitas pessoas que não tinham conhecimento pessoal com o Zé Alexandre sentem em momentos como esse.

Evandro