quarta-feira, 14 de maio de 2008

OPINIÃO DO LEITOR

"Demissão de Marina renova sonho de Chico Mendes"

"Prezado Altino,

Suas análises das políticas ambientais implementadas no Acre e na Amazônia de modo geral têm sido predominantemente críticas e num tom questionador, o que acho deva fazer parte da atuação de qualquer jornalista. Ou seja, o direito à dúvida e não à mera reprodução de "certezas" mal-intencionadas e comprometidas com interesses, no mais das vezes, não claramente explicitados, prática essa que caracteriza tanto as intervenções da grande mídia quanto essa pequena mídia do Acre. Felizmente seu trabalho vem fugindo a esse modelo.

Entretanto, neste caso específico da não substituição de Marina Silva pelo Jorge Viana terei que discordar de você e dizer-lhe que sua análise foi equivocada. Por quê? Por dois motivos básicos. Vamos a eles:

Primeiro, como você bem sabe, a utopia e a luta de Chico Mendes passaram longe de começar de forma institucionalizada e oficial. Deveu-se, isso sim, à organização inicialmente quase microscópica dentro das colocações mediante um trabalho lento de organização e agregação paulatina de novos aliados. Diferentemente de uma atuação oficial, o trabalho do Chico e seus companheiros chegou a ser objeto de processos judiciais nos governos militares, ocasião em que o próprio Lula foi interrogado juntamente com Chico, o que torna a evolução do caminho desses dois nomes ainda mais interessante e irônica. Isso porque ao passo que lula se oficializou, temos aí o resultado, enquanto Chico manteve-se firme em seu objetivo sendo, por isso, assassinado inclusive com a conivência "oficial", já que a polícia estranhamente resolveu não fazer valer o mandado de prisão para Darli Alves, expedido pela justiça do Paraná. Se Chico estivesse num gabinete oficial desses muitos que existem no aparelho administrativo do Acre e de Brasília, certamente estaria vivo, mas aí não seria mais o Chico que o mundo conheceu e em quem tantas esperanças depositou. Da mesma forma que essa Marina que sai agora do Governo Lula não é mais aquela Marina de 2003, de tão desgastada e desacreditada.

Passo assim ao segundo ponto que convém lembrar. Apesar de tudo o que representou Marina Silva na luta pelos direitos dos extrativistas e pela preservação ambiental, tornando-se o mito que era quando entrou no governo Lula, sua institucionalização e oficialização como Ministra de Estado serviu muito mais como uma maquiagem, uma espécie de cosmética cultural extrativista destinada a fazer parecer que, com ela, o cuidado ambiental estava garantido. Como todo cosmético, sua função no contexto deste governo era encobrir os estragos ambientais e sociais deixados pelo avanço dos interesses mercantis de toda ordem, principalmente sobre a Amazônia. Como o foco do governo Lula sempre foi a economia, Marina representou sempre aquela reserva de crédito da preocupação do governo com meio ambiente, o que de fato nunca existiu. O melhor exemplo disso, além das polêmicas hidroelétricas do Madeira, foi a privatização de milhares de hectares de florestas da Amazônia para exploração de madeireiras, através do Plano Nacional de Concessão de Florestas Públicas, um projeto inspirado na economia madeireira implantada por Jorge Viana durante seu primeiro governo e que, como sabemos, é a menina dos seus olhos graças ao volume de capitais que gera com a exportação de madeira.

Portanto, meu caro Altino, assim como essa enganosa política de desenvolvimento sustentável vigente no Acre, e mais do que conseguir implantar por dentro da máquina de governo uma política ambiental aceita e respeitada, nossa querida Marina serviu mais como um daqueles rótulos bonitinhos e esteticamente bem trabalhados para identificar produtos altamente nocivos na prateleira do grande supermercado que é o comércio mundial. Aliás, foi usada para encobrir os estragos deixados por esses produtos (madeira, etanol, energia elétrica, carne bovina e por aí vai). Mas como a face eminentemente economicista desse governo começa a aparecer e ele começa a se orgulhar disso, Marina é, portanto, dispensável, vinha tornando-se até um entrave, um transtorno, um problema, como a ela se referiu certa vez o presidente. Sua demissão foi, assim, a resolução do problema no qual ela vinha se tornando para o governo e, como ela mesma diz em sua carta, “tenho o sentimento de estar fechando um ciclo cujos resultados foram significativos”, ou seja, o jogo começou a ficar duro demais e muito escancaradas as prioridades economicistas do governo.

Marina sai exaurida, espremida, desgastada. Legitimou o que tinha de legitimar, tornou-se peça antiquada dentro do governo. A utopia de Chico jamais iria continuar, mesmo que com Marina, dentro dos aparatos oficiais, primeiro porque ela (a utopia) não cabe nesse governo, ele a rejeita, depois porque Jorge Viana nunca foi suporte, porta-voz ou continuador dessa utopia. Ele a usa para executar exatamente o contrário.

Para concluir, meu caro Altino, penso que um possível ingresso de Jorge no time de um governo que começa a explicitar seus verdadeiros compromissos traduziria melhor as posturas, práticas e vocações desse político-empresário do “ramo florestal”, ou seja, estaria no lugar certo. Ao passo que a saída de Marina, se mantido seu compromisso com a causa ambiental, pode colocá-la também num lugar mais apropriado para a denúncia e a explicitação dos interesses que, muito bem representados no governo, vêem o meio ambiente como entrave e estorvo. Sua saída pode significar, portanto, uma nova força, um pequeno alento de renovação do sonho de Chico, não a sua morte".

Este blog tem um leitorado realmente qualificcado e atento. O que enviou esta análise tão convincente assina como Eduardo Silva. Ele diz ser professor da Rede Estadual de Ensino. Tá bem.

3 comentários:

Nilza Prata Bellini disse...

Eduardo Silva, Castro ou Ribeiro, não importa seu nome. Mas o professor (?) é lúcido, inteligente e lógico. Sair do governo Lula poderá ser ótimo inclusive para Marina.

Anônimo disse...

Eduardo,
Seu texto tem um ponto de vista diferente e interessante.
Agora temos que cobrar do Minc uma boa gestão em seu ministério.
O Brasil só vai crescer quando tiver, de fato, um desenvolvimento sustentável. Acho que para isso temos que repensar muitos conceitos.
Altino,
Parabéns por ter publicado um texto como este. Acredito que visões diferentes são essenciais para a formação de um leitor pensante.

abs,
Marianna Riet

Internacionalistas Mundo Afora disse...

Brilhante!!!
Parabéns Altino
Seus leitores estão realmente à altura de seus textos.