quarta-feira, 14 de maio de 2008

MARINA E OS IMPASSES DO MEIO AMBIENTE

Mary Allegretti

Se a ministra Marina Silva tiver deixado o ministério pelo incidente com Mangabeira Unger, terá sido uma decepção. Muitos outros momentos - críticos e relevadores dos impasses que vivia à frente do ministério - criaram oportunidades de saída que ela preferiu relevar. Por que teria decidido sair agora? Seria bom que ela explicasse, porque a idéia de que houve uma gota d'água, que teria sido a coordenação do PAS, não é coerente com sua postura. Certamente motivos mais consistentes do que esse - e que talvez se revelem nos próximos dias - estarão na justificativa da decisão da ex-ministra.

Também não acho coerentes as manifestações - tardias - de apoio incondicional à atuação dela no ministério, que todos se apressam a expressar. Se esse apoio fosse assim tão forte ela teria tido melhores condições de enfrentar as oposições vividas pela política ambiental que defendia e executou.

Toda saída de um cargo, no executivo, por vontade própria ou por demissão, é resultado de muitas críticas externas, falta de poder para enfrentá-las e, na maioria das vezes, falta de percepção - antecipada - dos desgastes que se acumulam e levam à única opção que é essa, a saída. Pouco adianta lamentar a perda do meio ambiente com a saída da Marina - até porque ela volta para o Senado e, na minha opinião, sempre foi melhor senadora que ministra. Vale a pena tentar fazer um balanço dos equívocos e acertos da gestão Marina Silva-João Paulo Capobianco porque é desta análise que vamos conseguir tirar as lições necessárias para o futuro.

Acertos
Foram muitos.

Nunca antes na história desse país tantas unidades de conservação foram criadas, em áreas críticas e sob pressão. Antes eram exatamente estas as áreas evitadas e postergadas.

A questão ambiental pode não ter entrado na agenda econômica do governo mas foi internalizada pela sociedade e pelos meios de comunicação.

O enfrentamento da oposição ao meio ambiente foi feito com coerência, nível e tranquilidade, sem caricaturas nem falsos acordos.

A preocupação em não liderar as iniciativas ambientais ou de desenvolvimento sustentável para que as outra esferas de governo assumissem suas responsabilidades foi uma constante e exerceu papel educativo para o governo e a sociedade.

A manutenção de uma postura coerente e clara, por parte da ministra, em qualquer situação de pressão, deu à questão ambiental outra estatura no debate político no país.

A formação de uma nova geração de analistas ambientais, que ingressaram no MMA e no Ibama por concurso, vai trazer grandes benefícios ao meio ambiente nos próximos anos.

Erros
Também foram muitos.

Partidarização do ministério - os cargos, em todos os níveis, foram distribuídos a filiados ou simpatizantes do PT, nem sempre conciliando competência com militância. A falta de uma equipe técnica e a desvalorização da experiência instalada no ministério e no Ibama prejudicaram a gestão.

A centralização do poder em poucos - delegou a presidência do Ibama a alguém de sua confiança pessoal e não a alguém com experiência na gestão ambiental como fizeram quase todos os ministros do passado; permitiu a concentração de poder do Capobianco que, ao mesmo tempo, era o secretário-executivo e o presidente do Instituto Chico Mendes.

A falta de apoio às comunidades e às reservas extrativistas. Delegou a coordenação da política extrativista a pessoas que nunca se envolveram com questão e/ou com o movimento social que originou essa proposta, ou que não têm a menor compreensão técnica do tema.

A agenda para a Amazônia foi intensiva em fiscalização e pouco voltada para o incentivo à sustentabilidade. O fechamento da Secretaria de Coordenação da Amazônia - que realizava investimentos em desenvolvimento sustentável de forma descentralizada e em parceria com governos estaduais, comunidades locais, organizações não governamentais e setor privado - e o pressuposto de que todos os agentes econômicos da região são contraventores, inviabilizaram a construção de uma agenda voltada para a alternativas econômicas sustentáveis.

A falta de alternativas de proteção ao meio ambiente e geração de emprego e renda - como projetos de reflorestamento, saneamento, consumo sustentável - em um governo marcado pela preocupação com a inserção social, prejudicou alianças dentro do próprio PT.
Muitos outros pontos podem ser elencados, nessa análise. Mas a síntese que me parece mais adequada para entender esse momento aponta para dois pontos: a base política de apoio e os impasses do crescimento econômico.

O PT e o Meio Ambiente
Havia um pensamento, no início do governo, de que a Marina representava o pensamento que o PT tinha do meio ambiente. A verdade é que ela era uma voz isolada no partido, que defende o desenvolvimentismo e é um partido atrasado, sem cultura sobre as questões ambientais e que não consegue entender o significado da Amazônia para o nosso futuro e o símbolo que a Amazônia representa, do que somos, para o mundo.

Marina, que é uma pessoa partidária e fiel ao presidente Lula, alimentou a ilusão de que seria possível conciliar o governo Lula com o meio ambiente. Com esta postura anestesiou a sociedade civil, que não criticou o governo abertamente nem fez oposição. Mas essa mesma sociedade civil também não ajudou Marina a resolver os impasses que surgiram durante sua gestão. Nem a Frente Parlamentar Ambientalista cerrou fileiras com o Ministério.

Em sua carta, Marina diz que "é necessária a reconstrução da sustentação política para a agenda ambiental" e que entende que pode continuar contribuindo com o governo "buscando apoio político... para a consolidação de tudo o que conseguimos construir e para a continuidade da implementação política ambiental". Entendo que a falta de sustentação política para a agenda ambiental, a que a ex-ministra se refere, não é só partidária, é também da sociedade civil e essa é a grande questão a ser debatida.

O novo momento econômico e o meio ambiente
O país vive um momento econômico muito bom e isso é importante para todos, na minha opinião. O pressuposto é que, em um momento como esse, o meio ambiente será, de forma estrutural, um campo de conflitos e de tensão. Mas não é só necessário que a agenda econômica se abra à questão ambiental. Também é preciso que os órgãos ambientais se posicionem nesse campo e apresentem soluções práticas, viáveis, a partir do claro entendimento dos conflitos em jogo.

Continuar apostando em uma política fiscalizatória e acusatória para conter o desmatamento da Amazônia é um grande equívoco. Isso não significa minimizar a responsabilidade do poder público face aos transgressores. Significa que uma solução precisa ser buscada na região, com todas as forças políticas e técnicas, com negociação e com consenso, de forma clara e com pressão da sociedade civil e da opinião pública. Sem messianismos salvadores nem personalismos arrogantes. Simples assim.

O meio ambiente precisa ser capaz de conviver com o desenvolvimento, e o desenvolvimento com o meio ambiente, ambos precisam ceder e encontrar um campo comum. E vai ganhar quem conseguir decifrar essa charada.

Concluindo
O que mais me deixa intrigada, nessa análise da gestão e saída da Marina do governo, é o comportamento das ONGs e da sociedade civil: dependentes dos recursos públicos, não criticam; vendo a ministra como aliada histórica e mito intocável, não questionam; acompanhando de perto os impasses vividos pelo ministério, não se posicionam. O apoio explícito e incondicional que todos deram depois que ela saiu, soou falso. Preferia que tivessem criticado os erros, apoiado os acertos e torcido pelo êxito de sua gestão, durante a gestão, se realmente acreditavam no que disseram hoje.

Mary Allegretti é antropóloga e foi Secretária de Coordenação da Amazônia do Ministério do Meio Ambiente de 1999 a 2003. O texto foi publicado originalmente no Blog da Mary.

5 comentários:

Anônimo disse...

Sai Marina, continua Lula refém das multinacionais
Por Fausto Barreira 14/05/2008 às 08:31

Lula, no G-8 (junho 2007), não reagiu às chantagens da multinacional TyssenKrupp e adotou postura retrógrada ao procurar vender a idéia de que o crescimento econômico do Brasil é prioritário em relação à defesa do meio ambiente

"Convidado de luxo" do G-8, isto é, aquele que não decide nem participa das decisões dos "grandes", Lula fez um papelão na Alemanha ao não reagir às chantagens do presidente mundial da siderúrgica ThyssenKrupp que, sem nenhuma cerimônia, exigiu do governo brasileiro que acabasse com a greve dos funcionários do Ibama para que as licenças ambientais para a construção de hidrelétricas no rio Madeira fossem agilizadas (ver notícia abaixo). Mas mais vergonhosa foi sua atitude de eximir o Brasil de qualquer responsabilidade na redução da emissão do gás carbônico na atmosfera o que, na verdade, se constitui numa demonstração de cabal submissão ao grande capital assegurando aos investidores que, no Brasil, as portas estão escancaradas para a entrada de indústrias poluidoras.

Leiam notícia de O Estado de S. Paulo de 07/06/2007 sobre o diálogo de Lula com o presidente da TyssenKrupp:


"MÚLTIS RECLAMAM DO IBAMA A LULA

ThyssenKrupp recorre ao presidente para que greve no órgão não atrase investimentos de 3 bilhões de euros no Brasil

Jamil Chade
Enviado especial
Berlim

Investidores alemães cobraram do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma solução para a greve do Ibama, que está atrasando a autorização de licenças ambientais e pode afetar os planos de alguns dos maiores projetos recebidos pelo País nos últimos anos no setor siderúrgico.

Ontem, em Berlim, o presidente mundial da siderúrgica ThyssenKrupp, Karl Kohler, esteve com Lula e apontou para a questão das licenças ambientais. A empresa é responsável pelo maior investimento alemão hoje no País, de 3 bilhões de euros, em uma siderúrgica no Estado do Rio de Janeiro. (...)

(...) "Estamos ainda dentro do prazo das obras, mas precisamos das licenças do Ibama. Trata-se de um investimento enorme, que vai criar 18 mil empregos e energia que o Brasil precisa. Queremos começar a produção em 2009. Todos sabem que é um investimento importante para o País", disse Koller.

"Posso entender que, em grandes projetos, seja difícil uma pessoa aprovar licenças em um órgão. Mas queremos concluir o projeto dentro do prazo, não queremos atrasos. Precisamos de atenção e do apoio do presidente para acelerar (as licenças)" disse ele. (...)

(...) Segundo Koller, Lula respondeu que iria lidar com a questão "em curto prazo". (...) (fim da citação)

Quanto à emissão de gás carbônico na atmosfera, discutida no G-8, o Brasil e a China lideraram um bloco contrário a que os países emergentes adotem qualquer política de contenção sob o argumento de que, historicamente, foram os países ricos os responsáveis pela degradação ambiental do planeta. Cito frase de Lula: ?Os países ricos precisam assumir a responsabilidade de ajudar a despoluir o planeta que eles poluíram".

O Brasil em outras épocas também assumiu posições polêmicas em relação ao meio ambiente. Em 1972, foi realizada, na Suécia, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, mais conhecida como Conferência de Estocolmo, e o representante brasileiro era o ministro do planejamento João Paulo dos Reis Velloso. Estávamos em plena ditadura militar e o "milagre" brasileiro estava no auge. O Brasil, juntamente com a China, defendeu a tese de que não era importante discutir questões ambientais naquela época e que para o Brasil e a China o que importava era que não houvessem óbices para o crescimento econômico. Deve-se ressaltar que o crescimento econômico do Brasil, naquela época, como hoje, baseava-se em intensa destruição dos recursos naturais, em sistemas industriais muito poluentes e na intensa exploração de mão-de-obra barata e pouco qualificada. (Aliás, esse é o modelo atual de crescimento econômico da China, que é considerada a maior poluidora do mundo.)

Que, de 1972 a 2007, passando por muitas conferências e até um acordo internacional (o de Kyoto), nada tenha sido feito para reverter a situação de degradação do meio ambiente não é de surpreender: dentro da lógica do sistema capitalista não há a menor possibilidade de encontrar soluções para esse e para outros problemas cruciais para a sobrevivência da humanidade. Lula não passa de um "peão" no tabuleiro das grandes decisões estratégicas dos países ricos e de suas grandes empresas. Seu papel é apenas o de "agilizar" os negócios dessas empresas no Brasil.

Email:: fabarreirafilho@hotmail.com

Unknown disse...

É interessante ler esse tipo de texto, que se desdobra pretendendo realizar uma crítica do tipo ‘bate e assopra’. Normalmente, resulta numa confusão, dado que avança em meio a contradições e tentativas de ser suave quando, na verdade, nem quer ser.

Este texto da doutora Allegretti não foge a regra.

Basta ver como numa pequena passagem a autora desqualifica, por inteiro, o trabalho desenvolvido pela senadora Marina no ministério, ao afirmar "a falta de uma equipe técnica e a desvalorização da experiência instalada no ministério e no Ibama prejudicaram a gestão." Pronto qualificou, de forma geral, a gestão da senadora, quando lhe tira qualidade técnica, afirma que sua gestão foi amadora. E olhem que sobra para o quadro técnico inteiro do ministério.

Por outro lado, em algumas passagens, a crítica se converte em reclamação. Todos lembramos que a doutora Allegretti ocupou, por tempos, espaços generosos na administração federal. Um dos seus espaços de poder, por bom tempo, foi, exatamente, a Secretaria de Coordenação da Amazônia. Uma das críticas à administração da senadora é pelo fechamento "fechamento da Secretaria de Coordenação da Amazônia,,," No mesmo parágrafo a doutora Allegretti diz que na secretaria se "...realizava investimentos em desenvolvimento sustentável de forma descentralizada e em parceria com governos estaduais, comunidades locais, organizações não governamentais e setor privado...". Ou seja, aproveita para realizar uma auto-louvação, quando pretende dizer que na sua gestão a secretaria praticava uma ação democrática de governo. Pois é, a desvalorização da experiência instalada seria mesmo o que fora feito com eficiência técnica pela doutora.

Anônimo disse...

Sai Marina, entra Minc, fala Mary Alegretti, reclamam todos, mas NINGUÉM resolve a questão fundamental: à exceção de Manaus (com suas montadoras de eletrônicos e motocicletas)a Amazônia não conseguiu nestes 300 anos de colonização um modo de se sustentar e dar qualidade de vida a seus quase 20 milhões de habitantes. Ela contribui com quase nada para o PIB do país, consome dinheiro de impostos que todos os brasileiros pagam, dinheiro este que em muitos casos desaparece nos meandros da corrupção (é inacreditável que um estado como o Acre tenha mais de 20
municípios com toda a estrutura administrativa que isto requer) e quando surge uma oportunidade para se mudar isto um pouco como as hidrelétricas do Madeira o caminho é dificultado ao máximo. Dilma e Lula estão certos, o Brasil precisa desta energia e as alternativas (queima de carvão/diesel, energia nuclear) são ainda mais danosas.

Anônimo disse...

Mary Alegretti pra Ministra!!!!Conbina com essa troupe antiética do poder pelo poder.
Marina não sai do Governo cheia de mágoas e ressentimentos, mas em busca de uma forma de melhor contribuir com causa que a tem.
Parabéns à Marina pela Sábia e corajosa decisão.

Anônimo disse...

Eu adorei o texto da Mary e pretendia comentar. Mas, as duas críticas anteriores... fala sério. Tanta asneira me tirou a inspiração.

depois eu volto.