sábado, 22 de dezembro de 2007

POETA ENVIA CARTA A EX-GOVERNADOR

A mensagem do poeta Antonio Alves para o ex-governador Jorge Viana foi lida ontem, no Palácio Rio Branco, durante a solenidade de entrega do Prêmio Chico Mendes de Florestania


"Caro Jorge.

Escrevo esta carta com dois objetivos. O primeiro, é dar parabéns pelo prêmio Chico Mendes de Florestania. Você merece este prêmio, nem que seja como uma vingança das pessoas a quem você premiou nos últimos anos, que tiveram que ficar em cima de um palco, com cara de aniversariante, escutando discursos elogiosos para depois receber um diploma, uma medalha, uma estrela ou até mesmo uma espada. Pois agora é tua vez, tenha paciência. Aproveita a boa companhia de D. Cecília [Teixeira Mendes], que é a expressão maternal da florestania e também de Mauro [Almeida] e Manoela [Carneiro da Cunha], que encontraram nos caminhos da floresta o lugar onde o conhecimento se transforma em sabedoria.

Vou te poupar de falsos elogios. Minha amizade sincera, muito mais do que na concordância, já foi bem demonstrada nas vezes em que discordei de ti, abertamente e até destemperadamente, nem sempre com razão, mas sempre com coração. São públicas e notórias as diferenças que temos, nas idéias, no estilo, nas preferências. Ainda hoje eu trocaria alegremente meia dúzia de grandes projetos que tu apoias, porque achas que são sustentáveis em escala mundial, por centenas de projetos pequenos que eu prefiro por serem sustentáveis na miudeza local. O que não troco, não vendo e não empresto, é a certeza de que tua sinceridade é também integral e nasce no amor inquestionável que tens pelo Acre, pela floresta e pelas pessoas que nela habitam.

Esse amor pelo Acre, que vejo na tua vida, justifica também as opções que fiz na minha vida e sei que enche de alegria a vida de tantos companheiros. Sentimos alegria ao lembrar as batalhas em que lutamos e tudo o que conseguimos realizar após cada vitória, assim como o aprendizado depois de cada derrota. Até na lembrança das tristezas, dos companheiros que tombaram no caminho, dos que se afastaram, das vezes em que não conseguimos realizar o que prometemos aos outros e a nós mesmos, das vezes em que fomos incompreendidos e injustiçados ou, o que é pior, as vezes em que não fomos compreensivos e justos, enfim, até na lembrança dos momentos mais difíceis dessa caminhada encontramos alegria –porque está lá, no fundo da memória e do coração, essa sinceridade com que vivemos a vida.

Daí não me arrependo de ter colocado a carinha de anjo da Marian na TV, dando adeuzinho aos invasores do Acre na campanha de 1990, pois vejo que tua filha, hoje uma moça, assim como minha filha que também era uma bebezinha e hoje já fez 18 anos, assim como as filhas e filhos de nossos companheiros que cresceram, de repente, sem que nós mesmos tivéssemos tempo de perceber, são hoje cidadãos e cidadãs do Acre e do Brasil e se orgulham do trabalho que fizemos. Hoje os acreanos são mais donos do Acre e sabem quem foi que os ajudou a levantar uma bandeira que estava caída e esquecida. Então não me arrependo -e nenhum acreano consciente se arrepende- de ter colocado nas tuas mãos a bandeira com um astro que foi tinto no sangue de heróis. Pelo teu trabalho, teu amor, teu empenho, tua sinceridade, mereces o prêmio que leva o nome do nosso saudoso companheiro Chico Mendes.

E não é falso elogio dizer isso. Podes até ter inventado o prêmio que agora recebes, mas ele não é só um prêmio Chico Mendes, é também de florestania. E de florestania eu acho que entendo um bocadinho. E digo: mesmo com os atrasos, as falhas, as insuficiências e tantos problemas que não cansei de apontar e criticar com a sinceridade e a impaciência de sempre, teu governo honrou a luta dos povos da floresta e os ajudou a conquistar, mais do que melhorias na vida, reconhecimento e dignidade. Podes ir a qualquer aldeia indígena deste Estado e serás recebido com festa.

E eis aqui o segundo motivo de minha carta: quero te fazer um convite. Sei que agora andas de helicóptero, olhando o mundo lá de cima, e que na política estás mais mineiro do que acreano, mas olha: não te afastes das origens. A água dos igarapés e a sombra da floresta ainda são a inspiração para as lutas, muitas, que terás que travar no futuro. Embora nossos filhos estejam envelhecendo, porque não aprenderam ainda o segredo do mulateiro, que troca de casca para permanecer sempre jovem, nós ainda somos e podemos ser os mesmos meninos, com força para empurrar uma canoa sobre as pedras ou caminhar horas debaixo de chuva nos varadouros enlameados.

Por esses dias o Terri [Vale de Aquino] vai subir o Amônia, o Tejo e o Bajé. O Elson Martins vai novamente até o Breu. E eu mesmo pretendo encontrar com eles lá onde o vento faz a volta, para comermos macaxeira e tomarmos um café fraco sentados no assoalho de paxiúba das cozinhas caboclas de nossos amigos da floresta. Vem com a gente, Jorge.

Nos próximos trinta anos de trabalho, vamos precisar desse fôlego, dessa energia, dessa alegria, dessa simplicidade e desse amor que a floresta nos dá de modo tão dadivoso. Você sabe que pode contar com a gente. Nós sabemos que podemos contar contigo. E a canoa já está no barranco, esperando.

Um grande abraço.

Do amigo Toinho."

Leia mais no blog do deputado Edvaldo Magalhães.

4 comentários:

Paulo Henrique disse...

"Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças."

(Canção Amiga)
Carlos Drummond de Andrade

Pois é Toinho....Que Deus te mantenha sempre forte e disposto para tentar "acordar os homens"!

morenocris disse...

Meu Deus Altino. Foi um dos textos mais lindos que já li. Caramba. Esse Toinho é mágico. Sabe bulinar com as palavras. Parabéns.

Beijos.

Saudades do Acre disse...

Magister dixit.

Unknown disse...

Acredito que o Jorge Viana lê este blog e que, portanto, tenha lido uma longa seqüência de textos escritos pelo Meireles.

Lendo na carta do Toinho o convite para participar da excursão ao Juruá, Jorge Viana deve ter lembrado das histórias sobre a existência de índios peruanos armados, a mando dos madeireiros, a história do Berê e pensado: “...si, si, muy amigo, muy amigo.”