terça-feira, 28 de agosto de 2007

A CARTA DE CRÉDITO DO PT

Fátima Almeida

Assisti na semana passada um show de artistas locais, patrocinado pelo BASA, no qual várias composições aludiam à natureza. Temas como “Amazônia”, “Chico Mendes” são constantes. No entanto, ficava a lembrar dos vários caminhões que vi trafegar acelerados em direção a Rondônia portando toras imensas. Dias depois vi a mesma cena numa manhã de domingo. São incansáveis. Para a população são apenas caminhões trafegando com madeira. Por alguma deficiência orgânica, falta de vitamina B12, por exemplo, além da deficiência em leitura, não consegue relacionar aqueles caminhões com a seca, o calor excessivo e a própria miséria.

Por sua vez não temos mais, no Acre, artistas militantes. O apelo à natureza, em composições é apenas uma apropriação de discurso demagógico. Os artistas de hoje não querem mais estar onde o povo está e sim na área de influência das benesses do Estado. Não são tradutores dos anseios do povo, não exercem a crítica, não produzem nenhum efeito junto à sociedade mesmo porque não possuem identidade de classe como ocorre com as bandas de rap das Ceilândias do Brasil.

O clímax do citado show aconteceu no encerramento, com a banda “menina dos olhos” do Governo, da vocalista Carol, que apresentou carinhosamente os seus músicos, entre eles o Daniel Zen, que se contorcia com sua guitarra e caminhava depois pelo estacionamento como se pisasse no céu, feliz e realizado.

O Zen é o atual Secretário de Cultura do governador Arnóbio Marques. Como contraponto, o Pia Vila, chamado de “velho doido” na música interpretada pela vocalista, ajoelhou-se para beijar, no palco, a mão da moça. Desmemoriado, o Pia Vila nem lembra mais que participou do show “Flora Sonora”, em 76, a primeira bandeira de resistência cultural à barbárie dos pioneiros sulistas que chegavam para devastar o Acre. Ainda bem que Felipe Jardim nem saiu de casa para ver o parceiro tal qual um índio a vender a floresta em troca de espelhos e bugigangas.

Antes da escolha dos secretários, artistas de outra geração mobilizaram um Fórum de Cultura, em Rio Branco, para enviar uma lista tríplice ao governo com seus candidatos à presidência da Fundação Cultural. Entre os nomes figurava o de Henrique Silvestre, professor de letras da Universidade Federal do Acre, que participou ativamente do meio artístico-cultural por duas décadas, e das campanhas do PT. O governador não deu a mínima. Ao que dizem, prefere apostar no sangue jovem.

Os artistas militantes do período da ditadura militar, da resistência à ocupação desordenada dos seringais nativos - transformados, “num tapa”, em pastos para pecuária extensiva- que traduziam os anseios da população através do teatro, arte plástica, literatura e outros, não participam do governo do PT. Não é estranho?

Foram eles, também, junto com sindicatos rurais e urbanos, jornalistas, comunidades eclesiais de base, indigenistas, lideranças do movimento estudantil, que construíram a imagem e a credibilidade do Partido dos Trabalhadores no Acre. Diga-se de passagem, a atual Frente Popular, que reúne siglas de diversos partidos, não traduz, nem de longe, a verdadeira frente popular que construiu a carta de crédito do PT.

Democracia e cidadania não podem ser dadas pelo Estado, são conquistadas, permanentemente, com muita mobilização e luta. Mas tudo arrefeceu, temos artistas medíocres, estudantes quase imobilizados, sindicatos atrelados, uma igreja calada porque ganhou uma ou duas secretarias, e de contrapeso, um exército de evangélicos militantes e fundamentalistas, a propagar, entre outras coisas, a homofobia.

A meu ver, os partidos progressistas pegaram o trem deixado pelos militares e seguiram fagueiros pelos mesmos trilhos, levando em seus vagões os ovos da serpente. Pela janela, a bandeira de unidade na luta é mais um traste no lixo.

Fátima Almeida é historiadora

11 comentários:

Anônimo disse...

Estranho?! Não, não é estranho, nem um pouco. Estranho mesmo só sua estranheza, cara Fátima. As acomodações do poder são sempre sombrias.

Anônimo disse...

Que estória é esta de "exército de evangélicos militantes e fundamentalistas, a propagar, entre outras coisas, a homofobia"?? Carece de fontes.

Anônimo disse...

O mundo é um moinho...Ismael a homofobia é aberta,escancarada não sei porque você está exigindod da historiadora,"FONTES". além dos evangélicos militantes tem também os católicos.A homofobia é uma realidade que não carece de provas, é latente.Acho que seria bom um levantamento nas famílas, um espécie de censo, prá saber se existe homosexuais em casa e qual a posição dos parentes em relação ao gay(S) ou a lésbica(S).Um programa sério voltado para a proteção e segurança dos diferentes cidadãos na questão da sexualidade.

Anônimo disse...

Que bom saber que ainda há vida inteligente nessas terras florestais. Fátima, como sempre, lúcida. Que tal fazer um blog seu? Entrei aqui por ter sido avisada de seu texto, mas gostaria muito mais de adentrar a sua própria "sala de visitas".

Anônimo disse...

Fiz uma visita no Ac24horas e constatei que de fato a homofobia corre solta. O blog do Luis Carlos é desrepeitoso, sugerindos tocos para os gays como assento para assitirem a copa no Jordão. Viu Ismael? Isto é homofobia escancarada e descarada.

Anônimo disse...

Não é nem latente. A homofobia é patente. Tão patente que o foco do artigo é outro, mas apenas um trecho recebe comentários. Haja cegueira!

Anônimo disse...

Esse último comentário do anônimo prova a falta de vitamina B12 denunciada no artigo, alguns talvez tenham se ofendido (poderia até colocar “povo tacanho” para estes, palavra essa que ficou tão popular aqui no blog) mais com “... exército de evangélicos militantes..." por ter sido citado (que é gritante o fundamentalismo de alguns, já que toda regra se confirma por sua exceção) do que com a própria falta de identidade dos jovens acreanos, da falta de críticas e movimentos que lutem por melhorias para nosso povo, das denúncias de exploração ilegal de madeira que são constantes, as derrubadas aqui mesmo, o calor insuportável (porque Deus quis), e o que é feito? Nada. Melhor assistir "paraíso tropical" ou até mesmo a versão nova de uma série de Zorro que mata a lembrança de Diego de La Vega. Acho que vão ter que “orar” muito, já que outras coisas não o fazem.

Anônimo disse...

Arte engajada? Artista militante? Digam que não li isso...A arte eventualmente pode até ser engajada, ideologicamente, politicamente, que seja. Mas a arte pela estética, a arte pela arte, pela beleza em si, essa sim, é suprema. Muito maior que aquela que, limitadamente, defende uma visão de mundo, contesta uma outra...Arte é forma, também, senhora Fátima...Meu Deus, onde estamos??

Anônimo disse...

Vocês precisam urgente começar o movimento "Cansei", só que da esquerda.Se queixam tanto, palavreiam tanto, mas além de gestos quase inúteis, revelam que realmente estão muito "cansados".

Anônimo disse...

cansei de cansar? Pois é, até o cansaço se esgota,mas o tempo da reação ainda não se fez presente na maioria das pessoas e enfastiado permanecemos,porém a terra também fatigada, se move e remove.Reacender a chama da vida é preciso. É preciso Lutar pela a proteção do planeta como faz a historiadora Fátima,dentro do seu pequeno mundo acreano,ou mesmo como faz Danielle Miterrand que aos 82 anos não está cansada e pecorre o mundo em defesa do meio ambiente. São dois bons exemplos aqui presentes neste blog que também vem prestando relevantes serviços à terra, o planeta azul e de todas as cores.A esperança não morreu ainda!

Anônimo disse...

.
Arte engajada e comprometida com os pricípios da estética e da ética.

ESTÉTICA : ciência que trata do belo,filosofia das belas-artes e ÉTICA a ciência da moral. MORAL:parte da filosofia que trata dos costumes do homem(genérico) para com seus semelhantes e para consigo, o que diz respeito à inteligência ou ao espírito, por oposiçõa ao material, referente ou favorável aos bons costumes, domínio espiritual.
A historiadora não está falando de engajamento de esquerda ou direita, partido político ou religião, a questão é ética e de estética também. a feiura social deve ser combatida e os artistas têm que paticipar ativamente, são os arautos de um povo. Viva a UTOPIA!