terça-feira, 24 de julho de 2007

INVASÕES MADEIREIRAS E DIPLOMACIA

Marcelo Piedrafita Iglesias

Conforme noticiado na imprensa de Rio Branco, no último dia 18 de julho, equipes do Ibama, Exército e Polícia Federal deram início a mais uma operação de fiscalização na fronteira internacional Brasil-Peru, desta vez nos altos rios Amônia e Juruá, visando coibir as atividades de retirada de madeira feitas por peruanos na Terra Indígena Kampa do Rio Amônia e, mais recentemente, na Reserva Extrativista do Alto Juruá.

Desde então, nenhuma outra notícia foi divulgada nos jornais acreanos sobre os resultados da operação. À procura de notícias, me surpreendi ao ver a matéria de capa do La República, jornal de Lima, no Peru, do dia 20, com direito a ampla foto: "Brasileiros seqüestram três peruanos". No dia seguinte, outra matéria no mesmo jornal: "Denunciam hostilização do exército brasileiro na fronteira". Ambas reproduzem denúncias da liderança Ashaninka da Comunidad Nativa Nueva Shahuaya, feitas em Pucallpa, em entrevista coletiva, em que estava acompanhado de um engenheiro da empresa madeireira Forestal Venao SRL.

Segundo a liderança Ashaninka, no dia 20, um "corpo militarizado" do governo brasileiro, chegada de helicóptero, teria invadido sua comunidade, situada na margem direita do alto rio Amônia, em território peruano, queimado um acampamento madeireiro construído com a Venao e "seqüestrado" dois Ashaninka e um funcionário da empresa, que, presos, foram levados à sede de Marechal Thaumaturgo. As matérias ressaltam que a denúncia já fora encaminhada ao Instituto Nacional de Recursos Naturales (Inrena), à Marinha de Guerra, à Polícia Nacional e à Presidência Regional do Departamento do Ucayali. E, ainda, que a Chancelaria peruana iniciaria investigações junto com à contraparte brasileira e que fontes do Ministério da Defesa do Peru acreditavam se tratar de ações do governo brasileiro no combate à atividade madeireira ilegal. Nova notícia publicada no jornal La República, no dia 23 (leia), reproduzindo denúncias do "gerente geral" da Forestal Venao, dá conta que os peruanos presos (agora quatro, dois Ashaninka e dois empregados da empresa) já haviam sido liberados, após serem submetidos a maus tratos. Integrantes do Exército e da Polícia Nacional peruanos, diz o jornal, foram deslocados até a comunidade de Nueva Shahuaya para investigar a "suposta invasão territorial promovida por integrantes de um corpo militar do Brasil".

Ainda que com base nessas parcas informações iniciais, tenho convicção de que a nova operação do Ibama, Exército e Polícia Federal primará pelo estrito respeito às suas atribuições legais, à soberania do país vizinho e aos direitos das comunidades indígenas que vivem na fronteira internacional. Assim tem acontecido desde 2004. Todavia, quando constatadas invasões do território brasileiro, as operações têm resultado na apreensão de equipamento e da madeira, a destruição das toras, a queima dos acampamentos e a prisão dos envolvidos, geralmente peões de grande madeireiros.

Neste nova operação, flagrada em atividades em território brasileiro, a Forestal Venao opta por uma campanha de desinformação na imprensa peruana e junto às autoridades de governo na tentativa de ocultar o que há vários anos é de amplo conhecimento: trabalha madeira ilegalmente em vários pontos da fronteira Acre-Ucayali com grande contingente de trabalhadores e maquinário pesado; construiu uma estrada ilegal desde a localidade Nueva Itália, no rio Ucayali, até a fronteira, com ramificações até a margem direita do Alto Juruá; mobiliza mão de obra indígena também em suas atividades ilegais (e não apenas nas desempenhadas em Sawawo Hito 40 e Nueva Shahuaya, onde as comunidades têm planos de manejo aprovados pelo Inrena e a Venao como "regente florestal"); e esquenta madeira não contemplada nesses planos para inseri-la no mercado formal e inclusive exportá-la para vários países.

O que realmente importa ao governo brasileiro, e que tem sido o foco das operações de fiscalização e policiamento, é que a empresa há anos tem invadindo a Terra Indígena Kampa do Rio Amônia e, mais recentemente, expandiu suas atividades para a Reserva Extrativista do Alto Juruá, ambas no Estado do Acre. Essas atividades ilegais haviam sido contatadas pelo Ibama já em final do ano passado e tornaram a ser denunciadas pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa) em começo deste mês de julho, após novo sobrevôo realizado por técnicos do órgão (ver aqui).

Novamente as lideranças de Nueva Shahuaya vêm a público defender a empresa madeireira com a qual trabalham nos últimos anos. Tornou a acontecer em meados de 2006, durante o processo de certificação da Forestal Venao, quando lideranças Ashaninka que com ela trabalham, para questionar copiosas informações sobre as atividades ilegais da empresa, mobilizaram, nas sedes de órgãos de governo e na imprensa de Lima, ampla campanha de difamação contra representantes da Defensoria del Pueblo de Pucallpa, que então faziam criteriosa investigação.

Assim é a Forestal Venao, empresa que manipula lideranças indígenas de acordo com seus próprios interesses, tem estreitos contatos políticos nos âmbitos regional e nacional e livre acesso à imprensa de Pucallpa e Lima. E desde abril de 2007, por incrível que pareça, atua legitimada por questionável certificação, sob o padrão Forest Stewardship Council (FSC), concedida pelo Programa SmartWood, da Rainforest Alliance, fazendo vista grossa aos vários ilícitos cometidos pela Venao, dos quais tivera conhecimento com anterioridade, com base em informações fundamentadas fornecidas por diversos especialistas.

Visando tirar o foco das novas invasões promovidas em território brasileiro, a Florestal Venao prefere neste novo contexto, tentar criar constrangimentos ao governo brasileiro e gerar um incidente diplomático com o governo do Peru.

Ao exigir negociações e entendimentos binacionais, este novo cenário pode ajudar a esclarecer fatos e permitir avanços. Espera-se que, de mão de informações colhidas ao longo das operações realizadas na fronteira Acre-Ucayali desde 2004, e especialmente esta última na região nos altos rios Amônia e Juruá, o governo federal possa convencer o governo peruanoa a efetivamente fiscalizar as atividades madeireiras em curso na faixa fronteiriça e, assim, interromper, definitivamente, as invasões promovidas pela Forestal Venao e outras empresas em terras indígenas e unidades de conservação do lado brasileiro.

É desejável, ainda, que o governo do Estado do Acre também reforce essa posição junto aos governos peruano e do Departamento do Ucayali. A definitiva paralisação das invasões causadas pelas atividades madeireiras ilegais na fronteira deveria figurar como condição ao prosseguimento e bom desenrolar das negociações em torno da "integração regional". Repito, esta não pode ficar restrita à discussão monocórdica sobre as possibilidades abertas com a pavimentação da Rodovia Transoceânica.

Péssimo momento para a Forestal Venao, que, espero, terá suas atividades ilegais expostas e discutidas em fóruns diplomáticos, como talvez o principal exemplo das madeireiras peruanas que, nos últimos anos, têm causado graves prejuízos ambientais e sociais em terras indígenas e unidades de conservação no lado brasileiro da fronteira internacional.

Mal momento também para o Programa SmartWood, que terá de explicar por que, em abril de 2007, certificou uma empresa que continua cometendo amplo conjunto de ilegalidades. A realização de uma auditoria local para avaliar se a Venao está cumprindo com as obrigações assumidas quando da certificação está prevista para acontecer no mês de agosto vindouro. É de se esperar que o SmartWood seja mais criteriosa desta vez em sua avaliação, sob risco de comprometer sua própria credibilidade no mercado da certificação e a confiabilidade internacional do padrão FSC.

Marcelo Piedrafita Iglesias é antropólogo

2 comentários:

Anônimo disse...

Isto demonstra como a Forestal Venao SRL é suja e utiliza das mais árduas falcatruas para seguir em frente. Uma vergonha. Espero que a Smart Wood concerte o imenso erro em ter concedido o certificado FSC à Venao. Marcelo Piedrafita, parabéns pelo artigo e seu engajamento na questão!

Anônimo disse...

Alcool verde é... essa é boa!!
Isso é um absurdo! Ainda mas corroborando junto a milhares de pequenos produtores, que estão no entorno do empreendimento, com erosão genética e soberania alimentar
quando substitui a floresta pelo cultivo canavieiro...
Teremos então os boias frias da florestania....

Sei não viu.!