quarta-feira, 18 de julho de 2007

CARTA ABERTA AO RENAN

João Capiberibe

Caro Renan Calheiros,

Não se aborreça e nem me leve a mal, mas bateu uma vontade incontida de falar um pouco da vida cotidiana do Brasil da planície, que já o aguarda com certa ansiedade.

Continuo tocando com entusiasmo minha militância política. Agora, sem as atribuições inerentes ao mandato de senador, que você ajudou a retirar, de mim, com bastante empenho.

Tendo em vista a situação inusitada da instituição que você preside e levando em conta os acontecimentos nos quais você figura com destaque e excepcional desenvoltura, me pergunto se não seria o caso de agradecer o mal que você me causou.

Talvez você, em função da estressante e diversificada responsabilidade política, empresarial e familiar, tenha apagado da memória qualquer registro a meu respeito.

Portanto, permita, em poucas palavras, dizer em que momentos nossos caminhos se cruzaram.

Sou aquele senador que, antes de completar o 3º ano de mandato, foi expurgado do Senado sem direito a defesa e substituído, com pompa e circunstância por um senador do PMDB, o seu partido. Lembra-se deste episódio?

Pelo sim pelo não, melhor garimpar os labirintos da memória.

O PMDB, vinte dias após as eleições de 2002, impetrou recurso junto ao TRE pedindo a cassação do meu mandato e de minha companheira Janete, pela compra de dois votos por R$ 26 cada, pagos em duas suaves prestações. Acusação sustentada por duas testemunhas, que até hoje sobrevivem por conta deste processo. O feito não prosperou e fomos declarados inocentes.

Mas o PMDB recorreu ao TSE. Entrou com um recurso dito “especial” que foi cair nas mãos do então ministro Carlos Veloso.

Este senhor, como juiz relator, agindo mais como advogado de acusação e menos como juiz, convenceu seus pares de que eu e minha companheira Janete éramos culpados, reformando a sentença do TRE do Amapá, provendo, por inteiro, o recurso proposto pelo candidato derrotado Gilvam Borges.

Por último, relembro um momento raro na história da Casa que você ainda preside e à qual um dia pertenci.

Refiro-me a sessão do dia 25 de outubro de 2005. Naquele dia, você avocou para si os poderes da Mesa, do Regimento Interno, da Constituição Federal e do Plenário, fazendo ouvido de mercador aos apelos de cinqüenta e dois senadores e senadoras que se revezaram na tribuna clamando para que eu tivesse respeitado o direito constitucional de defesa, garantido até mesmo aos que cometem crimes hediondos com requintes de crueldade.

Você manteve-se inflexível e cassou o meu mandato, para em seguida, em clima festivo e triunfante dar posse ao seu então assessor de gabinete Gilvam Borges. Decisão revertida em menos de 24 horas pelo STF, que considerou sua decisão uma afronta à Constituição Federal e determinou minha reintegração. Você acatou a decisão, mas pressionou a Mesa Diretora a criar um rito sumário de cinco dias para a minha defesa, um prazo inexeqüível para uma mínima investigação.

Bem, agora com tudo fresquinho em nossas memórias, vamos ao assunto que gostaria de compartilhar com você.

Não resta dúvida, que se trata de um sentimento que poucos ousam confessar, entretanto, como sou franco, admito que sinto uma ponta de inveja ao comparar sua situação de desassossego, com a que tive de enfrentar.

Não pretendo descer no varejo dos sentimentos, falemos do que é fundamental para esclarecer as acusações que lhe atingem para comparar com as que me atingiram.

A diferença, é que você ganhou o direito de ser investigado pelo Conselho de Ética, pela Polícia Federal e, sobretudo pela imprensa. É sobre esses aspectos que não posso esconder que realmente invejo a sua situação, pois tudo que queria era ser investigado.

No entanto, não me foi dado esse direito. O Ministério Público Eleitoral não investigou por que, segundo ele, não havia crime, o TRE, por isso, declarou nossa inocência e a imprensa não procurou contar o nosso rebanho, para saber se teríamos bois suficientes para pagar os dois votos, que supostamente eu e minha companheira compramos para nos eleger.

No nosso caso, bastou a acusação do candidato derrotado do PMDB para nos cassarem os mandatos. É por isso, que o considero um homem de muita sorte, pois dispõe em abundância de tudo aquilo que você me negou: os meios necessários para provar minha inocência.

Para finalizar, me surpreendo pensando em voz alta - se diante daqueles absurdos, cometidos por você, contra mim, tivesse o Senado agido como determina o exercício do poder republicano, certamente não chegaríamos à situação caótica do presente.

Atenciosamente,

João Capiberibe ex-preso político e exilado, ex-prefeito de Macapá, ex-governador do Amapá (1995-2002), ex-senador da República, 3º vice-presidente nacional do Partido Socialista Brasileiro.

5 comentários:

Anônimo disse...

Tomou?

Anônimo disse...

João, tenho andado viciada na programação da TV Senado. Lembro, perfeitamente de como as coisas aconteceram quando da sua degola.
Lendo seu desabafo nesta carta aberta, na hora me veio à lembrança o que me disse um caboclo daqui:
"Castigo é bom, vem de longe, mas anda rápido".
Não é que o caboclo tava certo?
Leila Jalul

Anônimo disse...

Capiberibe continua achando que ser ex-exilado, ex-preso político, etc. dá a alguém credencial de honestidade. Quando este passado vai deixar de gerar fantasmas?
Ademais está "pisando em cachorro morto" jogando todos os ressentimentos, ou seja, escreveu com o coração. Ah o velho, bom e sempre atual Maquiavel!...
Na Roma antiga, quando os generais retornavam de suas conquistas e eram ovacionados pelo povo na entrada da cidade, alguns deles, com o pés no chão, pediam que um escravo mormurasse, continuamente, em seus ouvidos: "Vc não é deus!".
É o que está acontecendo hj nas terras de Santa Cruz. Temos uma série de deuses que acham que, pela própria condição política, não devem gerenciar o páis que está sem autoridade nenhuma, entregue às moscas.
Os que lêem jornais vaiam, os que recebem o bolsa família respondem às pesquisas. E a caravana vai passando, em explosões fenomenais.
O pior é que nossos deuses, ao invés de reagir, ficam cheio de mimos, fazem beicinho quando são contestados.
Sugiro leitura da coluna do Ruy Castro na FSP de hoje.

Saudades do Acre disse...

Tenência?

Anônimo disse...

A cassação do Capi foi uma excrescência, assim como a atuação política do Gilvan Borges é uma excrescência. Ele tem todo direito de escrever com o coração. A política não está fora dos planos da emoção.