quinta-feira, 19 de julho de 2007

30 MIL HECTARES DE CANA NO ACRE

Voltados para o mercado que se abre com a Transoceânica, Grupo Farias e "governo da floresta" formam consórcio na região onde Chico Mendes liderou o movimento dos seringueiros

O presidente Lula se habituou a negar que as terras da Amazônia sirvam ou estejam sendo usadas para a produção de etanol, mas a verdade é que o plantio de cana-de-açucar segue acelerado até no Acre, onde o PT conduz o terceiro mandato consecutivo do "governo da floresta". Quem percorre a BR-317, na região onde o líder sindical e ecologista Chico Mendes foi assassinado por liderar o movimento dos seringueiros em defesa da floresta, pode contemplar a pastagem do gado sendo substituída com pressa pelo plantio da cana.

O engenheiros florestal e ex-governador Jorge Viana, atual presidente do Fórum Empresarial de Desenvolvimento Sustentável do Acre, é o principal entusiasta do projeto que pretende usar a Transoceânica, a estrada que liga o Brasil ao Peru, como corredor de exportação do etanol que será produzido no Estado. Viana foi o condutor do processo no qual o governo estadual adquiriu do Banco do Brasil, por R$ 3 milhões, a usina Alcobrás, montada com dinheiro público no começo da década de 80 e que nunca produziu álcool.

O empreendimento, que agora pertence a um consórcio formado pelo "governo da floresta", empresários locais e o Grupo Farias, prevê investimento inicial de R$ 50 milhões. A usina foi rebatizada como Álcool Verde. "O nosso investimento será muito alto, pois pretendemos chegar a um plantio de 30 mil hectares de cana em áreas de pastagem, sem derrubar uma única árvore", disse Ezequiel Alves da Silva, diretor de produção da usina.

A Álcool Verde começa a operar em maio, com moagem diária de 13,2 mil toneladas, sendo previsto que a moagem chegará a 3 milhões de toneladas a partir do terceiro ano. "A moagem inicial será de 130 toneladas/hora, mas isso poderá chegar a 500 toneladas/hora", acrescentou o diretor. O governo estadual pretendia envolver seringueiros e trabalhadores rurais da região como mão-de-obra da usina, mas a empresa já decidiu que a colheita da cana será toda mecanizada. Apenas o plantio da cana em novas pastagens continuará sendo manual.

Segundo o diretor da Álcool Verde, recentemente o presidente Lula "falou besteira" em Bruxelas ao dizer que os solos na Amazônia não servem para o plantio de cana-de-açúcar. "Lula é um camarada que já fez besteira suficiente. Ele não entende nada de cana. A cana que temos aqui no Acre tem um excelente grau de açúcar e um crescimento extraordinário, comparável ao que a gente encontra em São Paulo", acrescentou.

O secretário de Agricultura do Acre, Mauro Almeida, costuma citar a Álcool Verde como um exemplo de parceria público-privada. "A indústria é do governo, que se associou ao capital privado ao arrendar as suas cotas usadas na compra dos bens. O governo se associa para dar credibilidade ao negócio e para assegurar o rumo do empreendimento. Temos quase 700 produtores no entorno da usina, sendo que 300 podem plantar cana. Não haverá um plantador único ganhando rios de dinheiro", disse Ribeiro.

Vista grossa
As questões administrativas e burocráticas que envolveram o processo de repasse da usina quase que desconsidera por completo os aspectos ambientais do empreendimento. O licenciamento continua pouco transparente. O Instituto de Meio Ambiente do Acre (Imac), responsável pela emissão das licenças, sequer possui recursos humanos para a devida análise do processo, muito menos a experiência necessária sobre o que exigir de compensação ambiental como contrapartida do Grupo Farias por impactos causados pelas atividades de produção de açúcar e álcool.

O que foi solicitado pelo Imac ao Grupo Farias foi um mero Plano de Controle Ambiental (PAC), documento irrisório exigido para atividades que causem médios e baixos impactos sócio-ambientais, como serrarias, postos de gasolina, indústrias de transformação. O Imac evitou se instruir com outros órgãos com experiência nesse tipo de licenciamento. A legislação exige Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) de usinas com capacidade de moagem anual acima de 500 mil toneladas de cana.

O EIA-RIMA é uma providências mais complexa, abrangente e segura, capaz de identificar quantitativa e qualitativamente os impactos sócio-ambientais causados pelo empreendimento, além de apresentar medidas específicas para mitigação. A Álcool Verde terá uma capacidade instalada de moagem de 3 milhões de toneladas de cana, mas o Imac exigiu dela apenas o PAC. O Ministério Público Estadual se mantém distante da questão.

Planejamento estratégico a respeito do corte manual (cana queimada) ou corte mecanizado (cana crua, sem queima) da lavoura jamais foi previsto, mas o presidente do Fórum Empresarial de Desenvolvimento Sustentável do Acre continua tentando atrair novas usinas para a região. Seus antigos aliados da "florestania" costumam criticá-lo veladamente pela discrepância que existe entre o que seria a identidade do chamado "governo da floresta" e o fomento desenfreado que vem sendo destinado pelo mesmo governo a empreendimentos nada sustentáveis na região.

A meta do governo federal, de proibir o plantio de cana-de-açúcar na Amazônia e no Pantanal, não terá impacto no Acre. A restrição, que vai fazer parte do novo zoneamento agrícola para disciplinar a cadeia produtiva de álcool, desde o cultivo da cana até a instalação de usinas, paralelamente concede incentivos fiscais aos produtores que derem preferência ao plantio de cana em áreas de pastagem degradadas.

Derrubar a floresta para plantar capim e criar gado continua permitido na Amazônia e no Acre em particular. As usinas de etanol necessitam desse cenário para se instalar, especialmente porque as áreas são destocadas pela pecuária. Além disso, a proibição pretendida pelo governo não terá caráter retroativo. As usinas já instaladas na Amazônia e no Pantanal, como as do Acre e do Mato Grsso, vão permanecer e até serão incentivadas porque plantam cana em áreas de pastagem.

3 comentários:

Anônimo disse...

Oi Altino, ótima matéria. Muito bom o blog todo

abraço
verena glass

Anônimo disse...

E quando os campos forem queimados após a colheita da cana? Quem vai conseguir viver no Acre com este calor, com estas queimadas, o solo sendo ressecado? O gosto de cinza na garganta é o gosto da morte. Distribuirão máscaras de oxigênio para a população? Só mesmo os peões ficarão para trás, pois seus patrões estarão longe, respirando luxo e cunspindo ouro. Triste futuro.

Marcelo Jardim disse...

Tem a questão do ZEE também. Se gastou muito tempo e recursos para fazer um Zoneamento ´´Ecológico`` Econômico do Acre que nem de longe previu essa atividade.

O triste é que foi usado em larga escala pelo governo na hora de captar recursos, já que ´´legitimava`` a política ´´ambiental`` do mesmo.

Ou seja, serviu meramente de fachada bonita. Na prática foi desconsiderado totalmente.

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